É verdade, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos tem um plano para ajudar os bancos e reativar os mercados em que créditos concedidos são transformados em títulos de investimento. A existência desse plano é tão certa quanto a do medo e a da ganância, e você sabe que eles continuam e dão à economia momentos de euforia e de desesperança.
Você ouve dos analistas e de outros observadores oniscientes que o Tesouro não tem um plano detalhado. Essas pessoas foram afetadas pelo ceticismo de tempos céticos. A visão deles é obscurecida por um número assustador de siglas e uma proliferação de “cartas de intenção”. A atenção deles está distraída pelo espetáculo de famílias de contribuintes (renda típica: US$ 63.000) financiando os bônus de retenção de funcionários da AIG (73 pessoas: US$ 1 milhão ou mais além dos salários).
O Tesouro lançou as peças do quebra-cabeças sobre a mesa, mas poucas pessoas conseguem ver o conjunto do seu plano. Eis aqui uma modesta tentativa de mostrar a tampa da caixa desse quebra-cabeças.
O problema: ninguém confia na saúde financeira dos maiores bancos dos Estados Unidos. Bancos não confiam em outros bancos. Ninguém sabe ao certo quanto valem os créditos e os títulos que fazem parte de seus balanços. Ninguém sabe que bancos são fortes o suficiente para sobreviver à recessão. O mercado em que os empréstimos ao consumidor e imobiliários (feitos por bancos e outras instituições) são securitizados e vendidos a investidores está moribundo. Quem quer tomar emprestado tem dificuldade para conseguir crédito. Os bancos não conseguem vender créditos ou títulos que não querem manter.
Consertar os bancos e o mercado de títulos é ainda mais arriscado diante da ira popular com os bônus pagos pela American International Group depois que a empresa recebeu uma injeção de recursos dos contribuintes. O presidente Barack Obama e o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, não podem esperar que o Congresso aprove novas operações de socorro financeiro mesmo que eles provavelmente precisem disso. Por isso, eles devem alavancar a verba que o governo anterior já havia garantido, tentando atrair os recursos privados e apoiar-se na incrível capacidade do Federal Reserve Bank, o banco central americano, de oferecer somas ilimitadas sem a aprovação do Congresso.
A estratégia do Tesouro para os bancos tem duas metas. Uma, conseguir colocar capital suficiente nos 19 maiores bancos do país para que todo mundo passe a acreditar que eles podem tolerar uma recessão bem ruim mesmo. Duas, tirar os créditos podres dos balanços dos bancos para que possam dar novos empréstimos e investidores ricos passem a colocar seu dinheiro nesses bancos, ajudando a alcançar a primeira meta.
A denominação infeliz de “teste de estresse” – que evoca imagens do Citigroup desabando numa esteira de exercício – pretendia ajudar a recuperar a confiança, embora o seu anúncio pareça ter tido o efeito contrário, de potencializar a incerteza em relação aos bancos. A ideia é avaliar, até o fim de abril, quanto cada um dos 19 grandes necessita para sobreviver a uma recessão séria (esse seria o “teste de estresse”), e então dar aos que precisam de mais capital um prazo até 31 de outubro para que levantem esse dinheiro no setor privado ou peguem um investimento maior dos contribuintes, em termos diferentes dos oferecidos pelo ex-secretário do Tesouro Henry Paulson. Até lá, a agência garantidora de depósitos, a FDIC, garantirá as dívidas dos bancos, para que ninguém se preocupe em emprestar para eles, ou pelo menos é isso que o Tesouro espera. Nenhum dos 19 bancos vai fracassar no teste. A única questão é qual deles vai precisar de capital dos contribuintes depois.
Era uma vez um tempo em que, se você precisasse fazer um empréstimo, bastava ir a um banco. Mas o “sistema bancário paralelo”, em que os empréstimos são transformados em títulos de investimento, era responsável por 40% do crédito ao consumidor antes da crise. Para ressuscitar esse mercado, o Fed e o Tesouro estão finalmente colocando em prática uma iniciativa anunciada quatro meses atrás, de emprestar dinheiro a fundos de hedge e outros a juros generosos para que comprem pacotes de títulos feitos com novos empréstimos. Pode esperar que eles vão oferecer o mesmo para os empréstimos antigos.
A última parte do plano de Geithner vai surgir logo: a compra de empréstimos e títulos de dívida tóxicos, a maioria deles ligada ao setor imobiliário, em poder dos bancos e de outras instituições financeiras. Um desafio é atribuir a eles um preço justo. Na gestão Paulson, o Tesouro passou meses tentando realizar leilões em que o governo compraria esses ativos. Nunca comprou nenhum. Geithner, o novo secretário do Tesouro, decidiu que aquela abordagem não funcionava. Mais que isso, o Tesouro não tinha recursos suficientes do contribuinte para comprar esses ativos em volume capaz de fazer alguma diferença.
Então, o plano é associar o Fed a administradores de recursos como a Pimco ou a BlackRock. O Tesouro entrará, digamos, com US$ 1 para cada US$ 1 desses investidores privados colocado no negócio. Os investidores privados, não o governo, decidirão que papéis comprar do bolo de US$ 1 trilhão ou mais em títulos vinculados ao setor imobiliário ou a empréstimos a pessoas físicas. O sócio privado, não o governo, decidirá que preço pagar. Esse é o negócio deles. Os contribuintes e os investidores vão dividir os lucros, se houver algum. Se o Fed financiar essas sociedades, elas poderão comprar mais títulos e pagar mais por eles.
Um grupo separado de sociedades irá escolher o que comprar do total de US$ 1 trilhão em créditos podres nos balanços dos bancos. Esse esforço será alavancado por empréstimos da FDIC. A esperança é de que vários bancos fiquem mais atraentes aos investidores privados se venderem os ativos tóxicos para as novas joint ventures e, com isso, aliviem simultaneamente ambas as partes do problema.
O ex-secretário Paulson pensou nessa abordagem, mas temia o desgaste político de dar dinheiro dos contribuintes para ser administrado por investidores privados.(Essa preocupação não é pequena. Imagine a “fritura” que esses administradores de recursos enfrentariam no Congresso por ganhar salários enormes e lucros gigantescos com dinheiro dos contribuintes.) O Tesouro de Geithner não conseguiu encontrar a alternativa que queria, e olha que procurou. O plano de Geithner pode não funcionar. Mas existe.