No Brasil, cerca de 500 mil aposentados trabalham e ainda contribuem para a Previdência Social. Parte deste grupo, nos últimos anos, procurou a Justiça para revisar o benefício e, depois, a partir de um novo cálculo, ganhar mais com uma nova aposentadoria. A chamada “desaposentadoria” deve ter em 2013 sua validade julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e preocupa o governo, caso a Corte decida a favor dos contribuintes que entraram com o pedido, criando em sua decisão jurisprudência em todo o país. Segundo a Procuradoria Federal do INSS, que atua como consultora no caso analisado pelo Supremo, há cerca de 24 mil processos distribuídos em todas as instâncias sobre o assunto.
Órgão da Advocacia-Geral da União (AGU), a procuradoria defende o cumprimento da Lei 8.213 de 1991, que não contempla a possibilidade da anulação da aposentadoria e recálculo do benefício. O INSS alega, ainda, a possibilidade de haver um impacto considerável nas contas da Previdência caso seja permitida a “desaposentadoria”.
– A estimativa é de um custo de R$ 50 bilhões em 20 anos. Não é uma conta fácil, exata, pois há outras variáveis. Mas a decisão pode mudar todo o regime previdenciário – diz Gustavo Augusto de Lima, procurador federal e diretor substituto do departamento de contencioso da Procuradoria-Geral Federal.
Já a advogada Silmara Londucci, especialista em Direito Previdenciário, afirma que não há uma legislação que trata o assunto de forma justa. Ela argumenta que todo aposentado que continua a trabalhar é obrigado a contribuir para a Previdência, mas não pode ser recompensado pelo que pagou com o trabalho após a aposentadoria.
– Se o aposentado quiser trabalhar após a aposentadoria, ele será obrigado a contribuir para a Previdência, assim como a sua empresa. Ele, no entanto, não poderá receber nada. Em alguns países, como Portugal, a “desaposentação” acontece de forma automática, na forma de um complemento – diz ela, que é autora do livro “Nova Aposentaria – Desaposentação: a chave para uma aposentadoria melhor”.
Silmara ajudou a redigir um projeto de lei que está na Câmara para disciplinar e legalizar a “desaposentadoria”, o PL 1168/2011. Ela concorda com a tese do ministro Marco Aurélio Mello, que já disse aceitar um novo cálculo do benefício.
– É triste, mas é isso mesmo: o trabalhador alcança a aposentadoria, mas não pode usufruir o ócio com dignidade, sem decesso no padrão de vida. Ele retorna à atividade e, o fazendo, torna-se segurado obrigatório. Ele está compelido por lei a contribuir, mas contribui para nada, ou, melhor dizendo, para muito pouco: para fazer jus ao salário-família e à reabilitação – disse o ministro em julgamento sobre o assunto, durante a apreciação do Recurso Extraordinário (RE) 381367, que teve pedido de vista feito pelo ministro José Antonio Dias Toffoli.
Caso será analisado após sucessão de Britto
No dia 26 de novembro do ano passado, outro Recurso Extraordinário, o 661256, foi retirado da pauta do Supremo, pois o ministro Carlos Ayres Britto, relator do processo, se aposentou. Britto já tinha voto pronto, mas agora o caso terá que esperar. Só deve ser apreciado em plenário quando seu sucessor, ainda não indicado pela presidente Dilma Rousseff, tomar posse. Segundo o STF, ele vai herdar a relatoria do processo, que também terá influência sobre o RE 381367.
Em dezembro de 2011, o processo foi reconhecido como de “repercussão geral” pela Corte. Ou seja: a decisão de mérito valerá para todos e, como consequência, os processos que tratam sobre assunto, no país, teriam que ser suspensos.
De acordo com o STF, apenas três tribunais no país inteiro informaram o número de processos sobrestados, totalizando 1.750 casos. É um número irrelevante, considerando a quantidade alegada pelo INSS e a quantidade de processos em tribunais que não prestaram informações.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), mesmo informando um caso sobrestado, avisou em outubro do ano passado que não iria esperar a decisão do Supremo para julgar os casos. O tribunal já vem julgando reiteradamente a favor da “desaposentadoria” sem a necessidade de devolução de quantias já recebidas, como aconteceu em algumas decisões da Justiça.
Há pelo menos três possibilidades de decisão do STF: pela aceitação da “desaposentadoria”, pela não aceitação e pela aceitação em parte. No último caso, está justamente a decisão que determina a devolução da aposentadoria para um novo cálculo do benefício.
Como define a lei, um aposentado pode receber de um salário mínimo a R$ 3.918 (teto da Previdência).
Há duas formas de pedir o benefício: pelo critério de idade (para homens, a partir de 65 anos, e para mulheres, a partir de 60 anos, ambos com no mínimo 15 anos de contribuição) ou pelo tempo em que a pessoa trabalhou e pagou à Previdência. Neste segundo caso, são precisos no mínimo 30 anos de contribuição para as mulheres e 35 para os homens. Quanto mais velho for o requerente da aposentadoria, mais ele ganhará. Cada caso exige que seja usada uma fórmula que leva em conta o tempo de contribuição, a idade e a expectativa de vida.
Diferença pode superar R$ 1 mil, diz especialista
O advogado Eurivaldo Neves Bezerra, especialista no assunto, explica que quem solicita a revisão não tem o benefício suspenso.
– O pedido é feito nos sentido de complementar a aposentadoria e esse complemento, muitas vezes, pode ser superior a R$ 1 mil. Não há uma suspensão do benefício. É uma transformação em ato contínuo. A decisão do juiz cancela o benefício anterior trocando por outro mais favorável. Eu, particularmente, acho mais adequado o termo “reaposentação”. No início dessa tese advogados não muito especializados na matéria foram surpreendidos com determinações do juiz de devolução das importâncias que receberam, o que é um absurdo – diz.
Na opinião de Bezerra, a desaposentadoria nada mais é do que você requerer de volta o valor pago à Previdência
– Você não está pedindo nada mais do que está pagando. E ouvir do INSS que você está pagando para custear o sistema, não tem sentido. Afinal, estou pagando para quê?
Para o especialista, um dos motivos pelos quais as pessoas têm solicitado o pedido está relacionado com a queda do poder aquisitivo ao longo dos anos.
– Aposentado não tem aumento, e sim correções. A queda do poder de compra, portanto, explica sim muitas vezes o pedido – argumenta Bezerra, ao criticar a preocupação do governo.
– Você trabalha durante 35 anos da sua vida, se aposenta ou com 50 anos por conta do fator previdenciário , ou de forma proporcional, mas continua trabalhando na empresa, e dando lucro. E continua pagando, e sendo descontando. Você não causa prejuízo às contas do governo. Na verdade, ele está usando o seu próprio dinheiro para ele pagar o custeio do que ele é incompetente de fazer, que é a fiscalização das empresas e a parte da própria contribuição governamental, uma vez que o governo é o um dos maiores inadimplentes da Previdência.
Todos os aposentados podem entrar com pedido do novo benefício, na Justiça, desde que continuem a contribuir com a Previdência. No entanto, nem sempre pode valer a pena, alerta Bezerra.
– A pessoa tem que analisar se vale a pena ou não. Por que tem aqueles que se aposentaram e foram desligados da empresa, e depois voltaram recebendo um salário mínimo ou menor do que ganhavam. Quanto maior o salário, melhor para pedir a complementação do benefício – finaliza.