A Controladoria-Geral da União (CGU) concluiu que a ex-ministra da
Casa Civil Erenice Guerra cometeu irregularidades graves quando esteve à
frente da pasta, no ano passado. Erenice é acusada de tráfico de
influência e de ter beneficiado parentes em contratações de serviços
aéreos para os Correios, estudos para projetos de mobilidade urbana e
outorgas de concessão de serviço móvel especializado. O relatório da CGU
foi enviado hoje (23) à Polícia Federal, ao Ministério Público e à
Comissão de Ética Pública da Presidência da República. O relatório vai
servir como subsídio às investigações de natureza criminal e ética
contra a ex-ministra.
As investigações referem-se ao conjunto de
denúncias veiculadas na imprensa no segundo semestre do ano passado
envolvendo Erenice Guerra e parentes dela. Erenice assumiu a Casa Civil
quando Dilma Rousseff saiu da pasta para disputar as eleições
presidenciais. Ela era considerada braço direito da presidenta Dilma
Rousseff quando era ministra de Minas e Energia e, em seguida, chefe da
Casa Civil do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O foco das
apurações da CGU foram as irregularidades administrativas e financeiras.
Somente em referência aos contratos firmados entre os Correios e a
empresa MTA para a prestação de serviços de transporte de carga por meio
da Rede Postal Aérea Noturna, a CGU analisou quatro contratos
celebrados em 2010, alguns decorrentes de pregões eletrônicos e outros
dispensados de licitação, com valor total de R$ 59,8 milhões. A MTA está
no centro do episódio que envolve um dos filhos de Erenice, Israel, em
tráfico de influência e cobrança de propina para ajudar a empresa dentro
do governo.
A investigação apontou que os Correios mantinham um
contrato com a MTA para transporte de carga postal aérea de São Paulo
para Manaus, ao preço unitário de R$ 1,99 por quilograma transportado.
Em seguida, a ECT celebrou outro contrato com a mesma empresa, para o
trecho Brasília-Manaus, ao preço de R$ 3,70 por quilo.
As
inspeções feitas pela CGU nos depósitos e terminais da estatal nos
aeroportos revelaram que os Correios estavam enviando, de caminhão,
grandes quantidades de carga de São Paulo para Brasília, de onde era
embarcada, nos aviões da MTA, para Manaus. “A ECT passou a desembolsar
R$1,71 a mais por cada quilo transportado desde Brasília, do que pagaria
por essa mesma carga se a embarcasse desde São Paulo; isso sem contar o
que gastava com o transporte por caminhão de SP para Brasília”, apontou
a CGU.
“Diante das constatações, a CGU recomendou à ECT [Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos], entre outras medidas, a
instauração de procedimentos apuratórios para identificar os causadores
dos danos, promover as respectivas responsabilizações e quantificar
valores das multas a serem aplicadas, bem como valores pagos a mais pela
ECT à MTA, para efeito de cobrança de ressarcimento ao Erário”, diz o
relatório.
Outra irregularidade considerada grave de Erenice foi
constatada na outorga do Serviço Móvel Especializado (SME), na subfaixa
de 411 MHZ, concedida à empresa Unicel pela Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel). A Unicel tinha como funcionário o marido da
ex-ministra, José Roberto Camargo. As apurações feitas pela
controladoria concluíram que Erenice atuou para beneficiar a Unicel. De
acordo com a CGU, o chamamento público feito em janeiro de 2004 e no
qual se baseou a agência para outorgar, sem licitação, o SME à Unicel
“não pode ser considerado válido para fins de aferição do eventual
interesse de outras de empresas na exploração do serviço na subfaixa de
411 MHz”.
No edital de chamamento não havia prévia destinação da
faixa para esse serviço, nem regulamentação da canalização e uso da
faixa. Diante disso, a CGU não aceitou o argumento da Anatel de que a
regulamentação, a posteriori, da subfaixa de 411 MHz convalidaria o
chamamento público. “Não poderia convalidá-lo, pois, sem a prévia
destinação do serviço à faixa, o certame não permitiu aos interessados
saber apropriadamente o que estava em disputa”, diz o relatório.
A
CGU também não aceitou os argumentos apresentados pelo presidente da
Anatel, Elifas Chaves Gurgel do Amaral, no sentido de que a
regulamentação da faixa é condição apenas para a expedição do termo de
autorização, e não para o chamamento público. A auditoria da CGU
ressalta ainda que o chamamento público ocorreu em janeiro de 2004,
vários anos antes da concessão da outorga. “Em um setor que passa por
intensa modificação tecnológica, parece bastante inapropriado assumir
que as condições de exploração e os interesses de mercado se mantêm os
mesmos”, avalia a CGU em seu relatório.
No relatório a CGU
recomendou a imediata anulação da outorga, além da apuração de
responsabilidades pela decisão de dispensar a licitação.
Quanto as
apurações sobre um acordo firmado entre o Ministério das Cidades e a
Fundação Universidade de Brasília (FUB) para a elaboração de estudos de
planos diretores integrados de mobilidade urbana, a CGU também constatou
graves irregularidades como o pagamento de R$ 2,1 milhões por um
produto que não atendeu à demanda previamente estabelecida pelo
ministério.
De acordo com o relatório, houve falta de critérios na
escolha da instituição para a realização dos serviços; inexistência de
formalização do procedimento de dispensa de licitação; prestação de
contas com documentação incompleta; ausência de instauração de tomada de
contas especial; subcontratação de entidade privada sem qualquer
vínculo aparente com o tema mobilidade urbana; e, por fim, o não alcance
do objetivo pretendido com a contratação.
O acordo entre o
Ministério das Cidades e a FUB foi firmado em 2007, com valor de R$ 10,5
milhões. A FUB recebeu o valor integral e contratou, por R$ 2,1
milhões, a execução de serviços de coleta e organização de informações,
mas a prestação de contas sobre a aplicação desse montante não explicava
a utilização do dinheiro nem evidenciava o cumprimento das ações
previstas.
Segundo o relatório, o Ministério das Cidades cobrou
reiteradamente a devolução do dinheiro, o que não ocorreu, assim como
não foi instaurado procedimento especial de tomada de contas, igualmente
recomendado. A FUB só devolveu ao ministério os restantes R$ 8,4
milhões.
Outra irregularidade apontada no relatório da CGU foi a
subcontratação, pela FUB, da Fundação Universitária de Brasília (Fubra),
sem licitação, para a execução dos serviços de coleta e organização de
informações. O Ministério das Cidades havia justificado a contratação da
FUB com o argumento de que a instituição tinha expertise no
desenvolvimento desse tipo de trabalho, elevado conceito nacional e
internacional, dispondo de quadro técnico altamente especializado no
assunto, além de trabalhos científicos publicados na área de mobilidade
urbana. O relatório concluiu que, se isso era verdade, a FUB pnão
recisaria subcontratar a Fubra e, esta, subcontratar uma instituição
privada, o Ibesp, que tem como objeto social a promoção do bem-estar de
servidores públicos, para ser o principal agente no processo.
Ao
final, o Ibesp recebeu cerca de R$ 1,8 milhão, que correspondem a mais
de 85% dos recursos despendidos. O relatório aponta que a CGU não
encontrou quaisquer informações acerca dos trabalhos realizados pelo
Ibesp ou qualquer tipo de comprovação dos pagamentos realizados, como
notas fiscais e recibos.