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6 de março de 2025A Lei Complementar nº 182/2021, conhecida como Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador, instituiu uma nova forma de contratação especialmente projetada para fomentar a inovação na gestão pública.
O resultado poderá ser a seleção de mais de uma proposta para a celebração do Contrato Público de Solução Inovadora (CPSI), conforme as condições estabelecidas no edital. Durante a execução do CPSI, a solução inovadora será submetida a testes rigorosos, seguindo as especificações contratuais. Caso os testes comprovem a eficácia da solução inovadora na resolução do problema público apresentado, a legislação permite à administração celebrar um Contrato de Fornecimento, dispensando a realização de nova licitação, para a aquisição do produto, processo ou solução resultante do CPSI.
A celebração do contrato de fornecimento, após o término do CPSI, não é obrigatória. Mesmo com o sucesso dos testes, a administração pública detém a discricionariedade de avaliar a conveniência e a oportunidade de prosseguir com a contratação, considerando fatores como o cumprimento das metas estabelecidas, a disponibilidade orçamentária e as demais demandas da sociedade.
A contratação de teste de soluções inovadoras, introduzida pela LC 182/2021, foi inspirada na Encomenda Tecnológica (Etec) da Lei de Inovação. A Etec permite a contratação direta de instituições de pesquisa, entidades privadas sem fins lucrativos ou empresas para realizar atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D) visando solucionar problemas técnicos específicos ou criar produtos, serviços ou processos inovadores.
A Etec é usada quando não há soluções disponíveis no mercado, exigindo um esforço significativo de P&D. No entanto, essa exigência pode ser uma barreira para pequenas empresas e startups, que, embora não criem tecnologias do zero, inovam de forma incremental ao adaptar soluções existentes para atender a demandas específicas.
A modalidade licitatória da LC 182/2021, por sua vez, apresenta um escopo mais amplo, podendo ser utilizada para testes de soluções inovadoras com qualquer nível de maturidade, tanto para as pesquisas iniciais de P&D como para soluções que requeiram meras adaptações para obtenção do produto, abrangendo, portanto, as tecnologias utilizadas por empresas pequenas e nascentes.
Além disso, a Encomenda Tecnológica não se adapta às especificidades de empresas pequenas e nascentes. Estas, por estarem em estágios iniciais de desenvolvimento, necessitam de um modelo de contratação que contemple suas particularidades, como a necessidade de apoio financeiro para escalar seus negócios e a flexibilidade para lidar com projetos em constante evolução.
Nesse sentido, uma das peculiaridades da modalidade licitatória aqui tratada reside no fato de que a administração pública remunera os proponentes contratados não apenas pela entrega de uma solução pronta, mas também pelo esforço de testar sua eficácia. Essa abordagem, ao transferir parte do risco para o poder público, incentiva as startups a apresentarem soluções disruptivas, mesmo que ainda em fase inicial de desenvolvimento. A possibilidade de remuneração por esforços, mesmo que a solução não seja bem-sucedida, é um fator crucial para a sustentabilidade de tais empresas, que frequentemente operam com recursos limitados.
Embora a LC 182/2021 tenha sido criada com foco em startups, é importante salientar que seu alcance é mais amplo. Conforme explicitado no caput de seu artigo 13, a participação nessa modalidade de licitação não se restringe exclusivamente a empresas enquadradas como startups. Qualquer pessoa física ou jurídica, isoladamente ou em consórcio, pode participar dos processos licitatórios, seja ela startup ou não. O intuito da lei é fomentar a competitividade e a inovação, abrindo espaço para que diversas empresas de menor porte, incluindo as startups, também possam apresentar suas soluções inovadoras para o setor público.
Nesse sentido vale destacar ainda que o artigo 13, § 1º da LC 182/2021 introduz uma mudança paradigmática nos certames ao instituir que a delimitação do escopo da licitação poderá restringir-se à indicação do problema a ser resolvido e dos resultados esperados pelo órgão licitante (no que se assemelha ao diálogo competitivo), incluídos os desafios tecnológicos a serem superados, o que, consequentemente, dispensa a descrição de eventual solução técnica previamente mapeada e suas especificações técnicas, cabendo aos proponentes indicar diferentes meios para a resolução do problema.
A falta de especificações técnicas prévias permite que o mercado ofereça as melhores soluções para cada problema, aumentando a probabilidade de encontrar alternativas mais eficientes e econômicas para o setor público. Isso, por sua vez, possibilita a oferta de serviços públicos de maior qualidade e eficiência à população.
Outra mudança significativa diz respeito à forma como as propostas serão avaliadas na licitação: diferentemente das modalidades tradicionais, em que o preço costuma ser o critério determinante, a nova modalidade considera uma série de fatores. Nos termos do artigo 13, § 4°, são considerados entre outros: (1) potencial de resolução do problema pela solução proposta e, se for o caso, da provável economia para a administração pública; (2) grau de desenvolvimento da solução proposta; (3) viabilidade e a maturidade do modelo de negócio da solução; (4) viabilidade econômica da proposta, considerados os recursos financeiros disponíveis para a celebração dos contratos; e (5) demonstração comparativa de custo e benefício da proposta em relação às opções funcionalmente equivalentes.
Além disso, o preço indicado pelos proponentes será levado em consideração somente quando do exame dos critérios relativos à viabilidade econômica da proposta e a sua relação de custo e benefício (art. 13, § 5°).
Somada à característica de o preço não ser um fator preponderante, a nova modalidade apresenta uma flexibilidade única ao permitir o aceite de preço superior às estimativas do próprio órgão licitante, desde que a proposta gere maior inovação tecnológica, redução de prazos de execução ou maior facilidade para manutenção ou operação (artigo 13, § 10) e observados os limites e condicionantes legais.
Essa característica, que reconhece a dificuldade de estimar o custo de soluções inovadoras, incentiva a proposição de soluções ambiciosas e personalizadas, mais alinhadas com as necessidades específicas da entidade. No entanto, a legislação estabelece limites para essa flexibilidade, como o valor máximo por contrato (R$ 1,6 milhão) e a necessidade de justificar adequadamente a escolha da proposta mais cara, com demonstração clara de que os benefícios superam os custos adicionais em termos de inovação, de redução de prazo de execução ou de facilidade de manutenção ou operação.
Outra adequação significativa introduzida pela modalidade licitatória da LC 182/2021 é a exigência de criação de uma comissão especial julgadora para avaliar as propostas apresentadas, composta por (no mínimo) três membros de reconhecida idoneidade e expertise na área objeto da licitação.
A exigência de que um dos membros seja servidor público do órgão contratante (ou empregado de carreira, no caso das empresas estatais) e o outro professor de instituição pública de ensino superior, demonstra a preocupação do legislador em garantir a imparcialidade do julgamento, a valorização do conhecimento técnico e a estreita relação entre o setor público e as instituições de pesquisa e ensino (universidades e faculdades). O terceiro membro da comissão especial, por sua vez, é de escolha discricionária da Administração, desde que ostente “reputação ilibada e reconhecido conhecimento no assunto”.
Nesse sentido, a instituição da comissão especial julgadora representa um avanço significativo na busca por maior profissionalismo e transparência nos processos licitatórios. Ao exigir a participação de especialistas na área, a lei garante que as propostas sejam avaliadas por aqueles que detêm o conhecimento técnico necessário para identificar a melhor solução para a administração pública.
No espírito de fomento à participação das startups nas licitações, o artigo 13, § 8º previu que, desde que justificadamente, o órgão licitante poderá dispensar, no todo ou em parte, a documentação de habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira e regularidade fiscal, excepcionados débitos com o sistema de seguridade social. O inciso II do mesmo § 8º também autoriza que o edital dispense a exigência de garantias. Essa medida democratiza a inovação, na medida em que facilita o acesso às licitações por startups e empresas nascentes que, em regra, não dispõem de patrimônio ou sofrem com restrições financeiras.
Em suma, a LC 182/2021 representa um avanço significativo na forma como o setor público adquire soluções inovadoras, promovendo a eficiência, a transparência e a inovação nos processos licitatórios. Ao estimular a competição entre empresas inovadoras e permitir a aquisição de soluções personalizadas e mais adequadas às necessidades específicas de cada órgão público, a lei contribui para a modernização da gestão pública e para a melhoria dos serviços prestados à população.
O Tribunal de Contas da União (TCU) realizou sua primeira licitação utilizando a modalidade prevista na LC 182/2021. Conforme divulgado no site do tribunal, o certame resultou na assinatura de três CPSIs (Contratos Públicos de Solução Inovadora), possibilitando o desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras especificamente direcionadas à fiscalização de obras de pavimentação.
A modalidade de licitação prevista na LC 182/2021 também já foi utilizada, de forma pioneira no Judiciário do país, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), visando a contratação de soluções tecnológicas e inovadoras, cujo edital tem servido de referência e inspiração para outros Tribunais e instituições brasileiras.
Em 2024, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) lançou o programa “Inova Cemig.Lab” para enfrentar desafios tecnológicos e se destacar em inovação aberta no setor elétrico. Para assegurar que o Inova Cemig.Lab trouxesse inovações com a devida segurança jurídica, as regras do programa foram estruturadas, de forma inédita na Companhia, conforme as regras previstas na Lei Complementar nº 182/2021. A adoção dessa nova modalidade licitatória no âmbito do Inova Cemig.Lab permitiu que a Cemig avaliasse, de maneira prática e eficiente, o desempenho de produtos e serviços antes de sua aquisição em larga escala, contribuindo para mitigar os riscos inerentes à adoção de novas tecnologias e, consequentemente, conferindo segurança jurídica ao programa.
Fonte: Conjur