Na segunda-feira, dia 4, enquanto conduzia um caminhão alugado com guindaste hidráulico para fazer mais um serviço de manutenção da rede telefônica em Teresina, o técnico Michel Rodrigo de Sousa sofreu um acidente fatal que, provavelmente, dará origem a mais uma ação judicial movida contra a terceirização nas concessionárias de serviços públicos. Como o veículo era de 1973 e estava em más condições – a barra da direção quebrou inexplicavelmente, segundo o boletim de ocorrência -, tudo indica que a família de Sousa, que tinha 28 anos e prestava serviços a uma terceirizada por operadoras de telefonia, ganhará a causa contra seus empregadores.
A privatização dos setores de telefonia e de energia fez proliferar o número de ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra as concessionárias em todas as regiões do país, alegando que a terceirização precarizou as condições de trabalho e limitou dramaticamente os direitos trabalhistas.
Em meio às reclamações do MPT e a apreensão de grandes empresas, a palavra final sobre a legalidade desse tipo de contratação será dada nesta quinta-feira pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), em julgamento aguardado com ansiedade em Brasília. O veredito da Justiça Trabalhista sairá da Seção de Dissídios Individuais do TST, responsável por uniformizar o entendimento do tribunal – serão julgados dois recursos movidos pelo MPT contra a Telemar (atual Oi) e a Centrais Elétricas de Goiás (Celg).
Até agora, os magistrados estão longe de alcançar um consenso sobre a questão, o que gera insegurança jurídica nas empresas e a iminência de demissões em massa por causa do rompimento de centenas de contratos com empresas terceirizadas. Por outro lado, aumenta a pressão dos sindicatos de trabalhadores pela contratação direta nas concessionárias.
Grande parte dos serviços nos setores de energia e telecomunicações é terceirizada, como a rede de atendimento conhecida como “call center”, a manutenção de redes e do cabeamento nas ruas, a instalação de linhas telefônicas e a entrega de contas.
O grande impasse a ser resolvido pelos ministros do TST é qual legislação aplicar para a terceirização na energia e nas telecomunicações. A súmula 331 da corte determina que a contratação de trabalhadores por outra empresa é legal apenas em atividades-meio do tomador, como os serviços de vigilância e de conservação e limpeza. Já as empresas argumentam que legislações específicas, como a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e a Lei de Concessões, autorizam a terceirização em atividades consideradas inerentes aos seus setores.
“Quando uma operadora de telefonia vende seus produtos, os serviços que vêm depois não estão dissociados de sua atividade-fim”, defende João de Moura Neto, presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel). No período em que eram estatais, segundo ele, a terceirização abrangia somente serviços de engenharia. Na avaliação de Moura, o processo foi intensificado com a privatização do setor, na busca por redução acelerada de custos, o que comprometeu a qualidade dos serviços. “Hoje, as empresas cuidam apenas da supervisão do negócio. Se instalar telefones na casa das pessoas não é atividade-fim, o que é então?”, questiona.
O presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Luiz Carlos Guimarães, relativiza as questões jurídicas e chama atenção para o impacto econômico de uma eventual decisão negativa do TST. “Melhor do que nos perdermos em conceitos é deixar que o próprio mercado se regule”, diz Guimarães. Ele garante que a terceirização melhora a eficiência do setor e reduz custos.
As concessionárias de distribuição empregam cerca de 150 mil pessoas no Brasil, das quais 75 mil são terceirizadas. Mais de 3 mil empresas são contratadas. É uma gestão semelhante à de outros países, de acordo com a Abradee. “Para termos custos competitivos, não se pode engessar a administração. Uma empresa de call center, por exemplo, atende inúmeras concessionárias ao mesmo tempo”, afirma Guimarães. Se houver necessidade de incorporar esses funcionários em seus quadros de pessoal, o consumidor pagará a conta, em última instância, assegura o executivo. “A tendência é aumentar os custos e o efeito nas tarifas ocorrerá ao longo do tempo.”
Até agora, não há nenhuma sinalização do rumo que o TST dará ao impasse. Há poucas decisões a respeito na corte, pois na maioria dos casos a questão não foi abordada pelos ministros de forma direta, já que há turmas que entenderam que verificar a existência de terceirização da atividade-fim envolveria o reexame de provas, o que não é permitido nas instâncias superiores do Poder Judiciário.
Foi o que ocorreu no caso do recurso movido pelo MPT da 18ª Região, em Goiás, contra a Celg, na tentativa de derrubar uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, que considerou lícita a terceirização da companhia. A 4ª Turma do TST não admitiu o recurso, fazendo com que o ministério público recorresse à Seção de Dissídios Individuais – o processo será julgado junto com outro sobre mesmo tema, envolvendo a Oi.
A Oi emprega cerca de 31 mil pessoas diretamente, mas gera mais 60 mil empregos se forem consideradas as contratações por empresas terceirizadas. Se a decisão do TST for desfavorável às concessionárias, é provável que 80 departamentos da operadora, que hoje basicamente supervisionam a prestação de serviços, criem despesas adicionais. Ao todo, as operadoras de telefonia têm mais de 100 mil terceirizados em atividades como instalação e manutenção de linhas e redes. Só nos call centers, estima-se que sejam mais 150 mil pessoas.
Na ação ajuizada contra a Oi, o TST chegou a analisar o mérito do problema e, em fevereiro de 2008, a 4ª Turma decidiu, por unanimidade, pela possibilidade de terceirização no setor. No voto da corte, o principal aspecto considerado foi a existência de legislação própria no ramo das telecomunicações autorizando a terceirização dos serviços.
Nas instâncias inferiores da Justiça, a jurisprudência também não é uniforme. Para o advogado Roberto Caldas Alvim de Oliveira, do Advocacia Maciel, que defende a Telemar, a instalação de cabos e a venda de telefones deveriam ser consideradas atividades-meio da empresa, pois a atividade-fim, segundo ele, seria a emissão de sinal. Na opinião de Caldas, se a terceirização for proibida, a expansão da rede telefônica ficará comprometida. “A precarização do trabalho deve ser combatida com a maior fiscalização das delegacias regionais.”
O advogado João Pedro Ferraz dos Passos, que representa a Abradee, levanta o risco de uma atividade como o call center, por exemplo, ser transferida a outros países de língua portuguesa. “Com o fim da terceirização haveria quebra na qualidade dos serviços, pois as empresas contratadas hoje são especializadas”, diz Passos.
No setor de energia, o fim da terceirização enfrentaria ainda outra complicação. Segundo o advogado Carlos de Freitas, que defende a Celg, como as concessionárias possuem capital misto, seria necessário a realização de concursos públicos para a contratação de pessoal próprio. “Isso obrigaria a empresa a manter um quadro inchado, pois a demanda por serviços não é constante, aumentando, por exemplo, no período de chuvas, por conta do maior número de atendimentos”, diz. Segundo ele, no caso da Celg, muitas das mais de cem prestadoras de serviço poderiam desaparecer, pois são pequenas empresas que não conseguiriam sobreviver com o rompimento de seu principal contrato.