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7 de janeiro de 2025Um dos debates mais intensos travados na política recente diz respeito aos métodos que o Banco Central utiliza para indexar os juros no Brasil. Mais uma vez, estão tirando a responsabilidade dos legisladores e gestores públicos de cuidar da economia e jogando-a no colo do Poder Judiciário.
Porém, em um passado não muito distante, o Supremo Tribunal Federal já tinha se adiantado a respeito deste assunto. No julgamento da ADI nº 6.696/2021, do Distrito Federal, o famoso julgamento sobre a autonomia do Banco Central, a Suprema Corte deu vislumbres de que o Poder Judiciário não está escalado para uma discussão técnica e política em que o tema seja a macroeconomia nacional.
Isso, contudo, não impediu que o Partido Democrático Trabalhista (PDT) ingressasse com a ADPF 1.202, com a intenção de que o STF intervenha no Banco Central para revisar a metodologia da autarquia federal em sua tomada de decisão sobre os percentuais da Taxa Selic.
Sob o argumento de que o Banco Central altera o percentual dos juros com métricas que não atendem aos dispositivos presentes na Constituição Federal, pede-se, então, a substituição dessa metodologia por outra que atenda a esses objetivos. Ou melhor, que a legenda pressupõe que atenda, fazendo com que a autarquia assuma um papel que não lhe cabe mais: ser quem socorre o Poder Executivo quando suas políticas econômicas falham, por meio de quaisquer medidas populistas.
Ora, quando foi julgada a autonomia do Banco Central, o Supremo Tribunal Federal entendeu que foi uma escolha conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo afastá-lo das decisões políticas sobre a economia. Daquele momento em diante, a autarquia seria mais reativa do que interventora, fazendo uma leitura das medidas adotadas pelo governo federal e, a partir delas, tomando decisões, mesmo que contrárias à vontade política do momento.
Além disso, a Suprema Corte entende que também não é seu papel determinar se a autonomia do Banco Central é boa ou ruim, tampouco julgar as medidas tomadas pelo órgão diante da realidade econômica. Afinal, a Constituição não determina qual deve ser o cálculo da taxa de juros — algo impossível para uma lei —, mas apenas que a autarquia deve se balizar pelo artigo 174 da CF/88, empregando esforços para criar um ambiente econômico estável e responsável. Há diversas maneiras de se atingir esse objetivo, sem necessariamente apelar para expansão monetária.
Na verdade, o Supremo Tribunal Federal entende que a opinião técnica — no caso, do grupo de economistas do Banco Central — deve ser respeitada pelo Poder Judiciário, evidentemente balizada pelos princípios gerais da Constituição, em especial pelos artigos 170 e 174 da Carta Magna.
Igualmente, o ministro Luís Roberto Barroso, ao analisar a constitucionalidade da LC nº 179/2021, manifestou-se favorável à autonomia do Banco Central. Ele entendeu que esse novo posicionamento traria mais responsabilidade fiscal, reduzindo a politização e o populismo econômico. O controle fiscal é uma responsabilidade do presidente da República, não sendo correto recorrer à expansão monetária irresponsável para estancar eventuais políticas econômicas mal-sucedidas.
Como deixado claro pela própria Suprema Corte, não existem caminhos mais ou menos constitucionais para a concretização desses princípios. Existem apenas conduções diferentes da economia, sendo vedada pela Constituição a irresponsabilidade fiscal e a tomada de medidas que comprometam o futuro econômico da nação em troca de uma prosperidade temporária, especialmente com finalidade eleitoral.
Esses mesmos valores estavam presentes desde o processo legislativo. Quando analisado pela Comissão de Assuntos Econômicos, o senador Telmário Mota ressaltou que as políticas de indexação de juros praticadas antes da independência do Banco Central não levavam aos objetivos finais da Constituição. Pelo contrário, no longo prazo, mostravam-se extremamente danosas para a economia.
Toda essa reconstrução tem o objetivo de mostrar o avanço econômico e responsável que tivemos ao, pelo menos em parte, despolitizar o dinheiro e tratar as contas públicas com seriedade. Todavia, o PDT pede ao Judiciário que siga na contramão dessa medida, requerendo que um Poder da República, que em outro momento afirmou não ser apto para tratar dessa matéria, faça uma intervenção no Banco Central, com a finalidade de alterar a política de indexação de juros, com base em uma análise constitucional, e não na técnica econômica.
Porém, a justificação interna (da lógica jurídica) não prevalece sobre a justificação externa (consequências políticas e econômicas de uma decisão judicial). Não basta apenas apresentar um argumento constitucional correto; é necessário compreender as consequências dessa intervenção, especialmente no que diz respeito à possibilidade de o Supremo Tribunal Federal determinar a política monetária do país e se essa decisão está submetida ao controle de constitucionalidade.
Por óbvio, o modo correto de revisar as medidas do Banco Central é por meio da política, e não do Direito. Como bem ilustram os ministros da Suprema Corte, existem assuntos que fogem da alçada de um julgador. Decisões cujo impacto atinge não somente a esfera judicial, como também a econômica, transmitem a mensagem errada ao serem tomadas pelo STF. Isso sugere que estamos em um país onde os poderes não dialogam e transferem suas responsabilidades para a Suprema Corte, que, sem embasamento técnico, acaba por tomar medidas que, em um estado de normalidade institucional, caberiam aos Poderes Executivo e Legislativo, devidamente municiados com um arsenal teórico e legitimidade para este fim.
Em 2021, o colegiado do Supremo Tribunal Federal agiu corretamente ao exercer contenção e julgar constitucional a autonomia do Banco Central, entendendo-a como fruto de um diálogo institucional entre os Poderes Executivo e Judiciário. Além disso, ressaltou que não cabe à Suprema Corte assumir o papel de controlador das decisões políticas quando estas são plenamente legítimas.
Devemos resistir à ideia de que as decisões dos Poderes das quais discordamos autorizam a intervenção judicial; de que a intervenção de um ministro é melhor do que o diálogo institucional. Principalmente, devemos entender que existem matérias que a Constituição optou por não regulamentar de forma rígida, e que casos assim estão fora da alçada do Supremo Tribunal Federal. É preciso ter humildade institucional.
Fonte: Conjur