O Brasil é um dos poucos países do mundo a contar com um arsenal de medidas para conter os efeitos da crise. Pode usar a política monetária e baixar os juros para reaquecer a economia. Pode reduzir os ainda altos depósitos compulsórios, “uma anomalia”, para irrigar os bancos de dinheiro e dar novo impulso ao crédito. Tem também “um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo” (o BNDES), para financiar as empresas, avalia André Esteves, sócio da BTG Investments e ex-dono do Banco Pactual.
“Somos vítimas acidentais da crise”, disse o ex-banqueiro ontem de manhã em evento promovido pela Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner). A crise, gerada por “uma combinação de excessos” (de consumo, alavancagem e endividamento) acabou pegando o Brasil em um momento de forte crescimento da economia. Mas agora o Banco Central tem uma “oportunidade única” de convergir as taxas de juros locais para níveis internacionais.
Simpático e disposto a responder “qualquer tipo de pergunta” de uma plateia formada basicamente por executivos da imprensa, André Esteves disse que se fizesse parte do Comitê de Política Monetária (Copom) “talvez reduziria” a Selic em dois pontos percentuais na semana passada. “É difícil ser banqueiro central. Em umas horas você vai errar pra mais. Em outras, pra menos”, disse ele, destacando que o corte de 1,5 ponto foi “pertinente” e que a sequência de baixas deve continuar.
Esteves acha mais provável que ocorra uma retração da economia brasileira este ano, com uma queda de cerca de 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas, mesmo neste cenário de crise, ele vê oportunidades. Tanto que decidiu sair da diretoria do UBS Pactual antes do previsto e criar a BTG Investments, gestora com escritórios em Londres, Nova York e Hong Kong. “Decidi sair do UBS e abrir mão de ganhos financeiros porque vi oportunidades”, disse. “Este momento é o melhor da história para abrir uma instituição financeira.”
Esteves disse que a BTG tem o objetivo de ser uma empresa global e está indo na contramão do setor financeiro atual, que promove uma enxurrada de demissões. “Estamos contratando. Se alguém quiser mandar o currículo.”
Esteves era o chefe global do UBS para a área de renda fixa e trabalhava em Londres. Segundo ele, o principal aprendizado no banco suíço foi ver como funciona “seu modelo de decisões” e descobrir como uma instituição financeira, que foi pequena um dia, chegou a ser uma das maiores do mundo.
Esteves também contou sua experiência no Pactual, banco em que entrou quando ainda estudava matemática na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O salário era menor do que o que ganhava trabalhando na universidade, mas havia um pacote de bônus conforme os resultados e ele resolveu apostar.
Questionado por jornalistas após a palestra sobre a duração da crise, Esteves disse que ela continua, embora com “menos eventos espetaculares” este ano. No caso do crédito, ele avalia que o Brasil já passou pelo pico de restrição a novas empréstimos.
Avesso a fotos e a badalações, Esteves teve que ser convencido a participar do evento de ontem. Roberto Muylaert, presidente da Aner, conta que foi convencendo Esteves graças a amigos comuns. “Fui pelas beiradas.”