A expectativa do mercado financeiro, e mesmo de alguns setores do governo, é que a taxa básica de juros voltará a subir em 2010, o ano da sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em meio à crise, disseminou-se a ideia de que o Brasil teria neste momento oportunidade histórica de reduzir os juros a níveis civilizados, mas o que o mercado futuro está sinalizando é que, já no próximo ano, com o início de uma possível recuperação da economia, os juros nominais, depois de cair abaixo de 10% em 2009, voltarão a ter dois dígitos.
Na verdade, as razões que fazem com que o país tenha uma taxa de juros excessivamente elevada não foram enfrentadas. “Está tudo aí”, comenta um economista do governo.
A esperada elevação dos juros ocorrerá num momento politicamente difícil. Em 2010, é bem provável que o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, não esteja mais no comando da instituição. Se decidir concorrer a algum cargo eletivo no próximo ano, terá que se filiar a um partido político até outubro deste ano. Mesmo filiado, poderá permanecer no BC, mas somente até abril, quando termina o prazo de desincompatibilização.
Com a saída de Meirelles, dois dos diretores também deverão sair do BC – Mário Mesquita, responsável pela área de Política Econômica, e Mário Torós, que cuida da Política Monetária. Ambos vieram do mercado para o Banco Central e sempre disseram, em conversas reservadas, que ficariam na instituição apenas enquanto Meirelles estivesse na presidência.
A tendência de aumento dos juros em 2010 criará uma tensão política em pleno ano eleitoral, dificultando o relacionamento do Palácio do Planalto com a autoridade monetária. Na última vez em que o Comitê de Política Monetária do BC (Copom) iniciou um ciclo de alta dos juros, em abril de 2008, a decisão por pouco não resultou na mudança de comando da instituição. O Valor apurou as circunstâncias do episódio, só agora reveladas (ver matéria nesta página).
Os juros futuros embutem a hipótese de que, ao longo de 2009, o BC continuará baixando a taxa Selic, como forma de reanimar a atividade econômica. A aposta dominante é que, na próxima reunião do Copom, dentro de duas semanas, seja feito um corte de um ponto percentual na Selic, que passaria dos atuais 11,25% para 10,25% ao ano. O mercado futuro trabalha com mais um outro corte, de 0,5 ponto percentual, na reunião de junho, o que faria a Selic cair a 9,75%. A partir de então, na visão do mercado, os juros não cairão mais.
Em janeiro de 2010, aposta o mercado financeiro, o BC começaria a trabalhar no sentido inverso, ou seja, subindo os juros. O mercado futuro embute nos seus preços uma alta ao redor de 2,25 pontos percentuais na Selic, distribuídos entre janeiro e setembro.
A leitura positiva dos números do mercado futuro é que o estímulo monetário produzido pelo BC em 2009 vai, sim, ser bem-sucedido em reanimar a economia. A visão negativa é que o estímulo vai ser tão forte que o BC será obrigado a recalibrar a sua política monetária, para evitar que a inflação saia de controle.
O pano de fundo dessa discussão é a chamada taxa de juros de equilíbrio. Ou seja, qual é o nível adequado de juros que a economia brasileira pode trabalhar sem provocar a aceleração da inflação. Do Plano Real para cá, o país tem operado com juros elevados para os padrões internacionais, embora cadentes. Nos últimos anos, economistas vem investigando esse tema em profundidade, sem apontar com clareza as causas. O fato é que, no regime de metas de inflação, os juros reais de equilíbrio vinham recuando, ainda que lentamente.
Entre 2000 e 2003, por exemplo, os juros reais (acima da inflação) foram de 15% ao ano, abaixo dos 18,4% que vigoraram entre 1996 e 1998, até a adoção do sistema de metas de inflação. A média entre 2004 e 2005 foi de 11,5% e, entre 2006 e 2008, de 8,2% ao ano. Mais recentemente, ganhou corpo a tese de que, com a crise, criou-se uma oportunidade histórica para os juros caírem aos níveis de países com histórico parecido com o do Brasil. Os cortes de juros agressivos feitos pelo BC baixaram a taxa real para 5,4% em fins de março.
No governo, há duas leituras sobre esse recuo dos juros. Uma delas é que a taxa mais baixa veio para ficar. “A questão é até que ponto a crise de setembro é um fator acelerador da queda dos juros de equilíbrio, que vinha ocorrendo lentamente”, diagnostica uma alta fonte do governo. De acordo com essa visão, os juros de equilíbrio vinham caindo em virtude da estabilização da economia, que reduziu os riscos inflacionários, e dos fortes investimentos, que levaram a um aumento da produtividade.
Esse não seria, diz a fonte, um caso isolado na história econômica. O Chile, em meio a crise asiática, de 1997, cortou os juros drasticamente e não voltou a subi-los. Um estudo de economistas do BC do Chile aponta que, no período, os juros de equilíbrio caíram de 6% ao ano para um patamar entre 2% e 3,6% ao ano.
A visão predominante no mercado, compartilhada por setores do governo, é que a baixa de juros de 2009 é apenas temporária. Diante de uma desaceleração da economia, o BC se viu obrigado a reduzir os juros abaixo da taxa de equilíbrio. Esse movimento já está tendo efeito para estimular a economia e, em 2010, o BC terá que subir os juros acima da taxa de equilíbrio para conter a inflação.
Nessa leitura, está implícita a premissa de que os juros de equilíbrio não mudaram porque, nesses meses de crise, não se alteraram substancialmente os fatores que determinam os juros de equilíbrio, como a produtividade geral da economia.
“É duvidoso que o BC vá ter que subir os juros em 2010”, insiste a alta fonte do governo, dessa vez ponderando que, mesmo que a taxa de juros de equilíbrio não tenha mudado, é possível que a economia opere com capacidade ociosa inclusive em 2010, o que demandaria juros menores por mais tempo. “A economia está operando com uma alta capacidade ociosa não só porque a produção está caindo, mas também porque a capacidade instalada está se expandindo, em virtude da maturação de investimentos feitos nos últimos anos.”
Os modelos de projeção de inflação do BC, porém, não dizem isso. Tomando como base o cenário de mercado, que projeta juros de 9,75% ao ano no último trimestre de 2009, os modelos aponta uma inflação de 4,1% neste ano. Mas, dizem os modelos, o estímulo monetário produziria seus efeitos nos trimestres seguintes, expandindo a demanda agregada e fazendo a inflação subir a 4,4% em 2010, perto da meta fixada para o ano, de 4,5%.