Desoneração do IRPJ e CSLL em razão da depreciação de ativos do agronegócio
12 de abril de 2022Modulação de efeitos: proposta de sistematização de julgamentos tributários
18 de abril de 2022A ideia de Estado constitucional democrático impõe a necessidade de clara identificação das formas de proteção e garantia de suas próprias normas (autodefesa constitucional) na Constituição.
Uma forma efetiva de se atender ao estabelecido pelo Constituinte é deixar claro, sem qualquer margem de dúvida ou interpretação, a exata limitação das funções do Estado, exercidas através dos respectivos Poderes constituídos (Legislativo, Executivo e Judiciário), os quais devem atuar de forma independente e harmônica.
Sem adentrar no presente trabalho nas discussões teóricas da inter-relação entre as funções e os respectivos Poderes (freios e contrapesos, teoria do núcleo essencial, justiça funcional) é importante destacar que, em qualquer das teorias adotadas, haverá, sempre, um parâmetro que pode ser identificado como \”consenso republicano de conformidade funcional\”.
Nas lições de Canotilho, \”mantendo-as no quadro de competências constitucionalmente definido, não devendo modificar, por via interpretativa, a repartição, coordenação e equilíbrio de poderes, funções e tarefas inerentes ao referido quadro de competências\”.
No entanto, por vezes e autorizados pela Constituição, algum dos Poderes exerce, de forma excepcional, funções atípicas, quando atuam em competências que, a princípio, seriam destinadas a um outro Poder, consideradas as características funcionais típicas de cada um.
Nesse sentido, é importante quebrar o discurso tradicional e ter como premissa de que, o controle de constitucionalidade da norma exercido pelo Poder Judiciário, ainda que autorizado e previsto pelo constituinte, especialmente o realizado pelo Supremo Tribunal Federal, em qualquer de suas modalidades (concentrado ou difuso) evidencia uma verdadeira função atípica do Poder Judiciário.
E esta interpretação se torna por deveras importante para que as conclusões do entendimento possam identificar as limitações de atuação da Corte Suprema.
Nestes casos o \”intérprete-Juiz\” deixa de se colocar como aplicador das leis, elaboradas pelos legitimados (em sentido amplo) aos casos concretos (sua função típica) para se tornar o responsável por retirá-las (normas) do ordenamento, interferindo assim, na função típica dos outros Poderes.
Em agindo com base em sua função atípica, repita-se, ainda que autorizado pela Constituição, no exercício do controle de constitucionalidade das leis, não haveria espaço, portanto, para que sua competência viesse a ser alargada pela própria Corte, considerando tratar-se de exceção à regra, ainda que sob qualquer fundamento de proteção constitucional.
Tornar-se \”guardião da constituição\” não autoriza que, sob esta função, possa exercê-la em desconformidade com a própria Constituição que lhe garante legitimidade.
Há, com a devida venia, um equívoco, neste ponto, com relação à própria atuação do Supremo Tribunal Federal, ao tentar justificar uma suposta e \”necessária\” atuação político-normativa, apta a embasar uma análise ampla e disfuncional da referida Corte, considerada sua condição de \”guardião da constituição\” e de controlador constitucional das normas.
O reconhecimento de carência legislativa em determinada matéria, ou até mesmo de gap do governo, não devem servir de argumento para que o Poder Judiciário avance em funções que não lhe foram autorizadas pelo povo, verdadeiros legitimados e destinatários das normas constitucionais, sobretudo quando diante de pessoas não eleitas, e escolhidas, como no caso do Brasil, de acordo com a conveniência política.
Seria mais fácil, rápido e eficaz alterar legislações, propor e impor políticas públicas através do Poder Judiciário, como a que se faz atualmente no país, do que aguardar longos debates sociais e todos os seus possíveis obstáculos e burocracias que demandam os temas sensíveis em atenção à real democracia.
Transferiu-se, então, como solução, aos 11 (ministros), o que os 513 (deputados) e mais os 81 (senadores) não conseguem, em tese, realizar.
Ocorre que, para impor o que se pretende, qual seja, o alargamento das funções do Poder Judiciário, há de se perquirir, também, a necessidade de adaptação de todo um sistema e com prévia autorização do Constituinte.
Há de se verificar, de início, junto à sociedade, verdadeira legitimada, se há confiança de delegar ao Supremo Tribunal Federal o alargamento de sua competência.
Em um passado recente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, debruçava-se, apenas, na possibilidade de sua mera atuação contida, como um \”legislador negativo\”, a teor do verbete nº 339, da súmula do STF.
Ocorre que, já a há alguns anos, a Corte avançou muito chegando ao ponto atual em que, em uma espécie de super \”neoconstitucionalismo\”, provocado por determinado legitimado, na maioria das vezes, um partido político, sob a alegação de ofensa ao texto constitucional, sugere e determina a implementação de políticas públicas [10], definidas pelo Autor da ação.
Políticas estas que o Partido Político, autor da Ação, considera como a mais adequada e compatível com a sua interpretação da Constituição, seja por divergências ideológicas, ou até mesmo por estratégia política, em detrimento de uma política de governo implementada pelo Poder verdadeiramente legitimado e eleito, utilizando-se das chamadas ações estruturais.
Uma política pública, supostamente equivocada, em um Estado Democrático de Direito, deve ser afastada por quem, de direito, e pelas vias democráticas, sob pena de burla à vontade popular e ao pleno exercício do voto, que não deve ser resumido ou compreendido à uma simples escolha dos representantes, mas ao direito de fiscalização, através dos meios adequados e previstos, bem como à manutenção no cargo e das políticas públicas apresentadas e implementadas por estes, ressalvados os casos ilícitos.
E tal fato se agrava quando ao fixar uma nova e ampla competência a si, sem o devido processo legislativo competente (Emenda Constitucional), o Supremo Tribunal Federal acaba atuando em desconformidade com a Constituição, e neste sentido, sugerindo, em tese, uma atuação passível de sanção, como ocorre com os demais Poderes.
Quando, por exemplo, um Chefe do Poder Executivo atua em desconformidade com suas funções e atribuições o ordenamento prevê inúmeras medidas de controle, em especial a exercida pelo próprio Poder Judiciário. Assim, também ocorre com os membros do Poder Legislativo.
Com isso, o que se impõe reflexão neste momento é o alargamento de competência da Corte decorrente de seu próprio entendimento, sem previsão constitucional, capaz de permitir até mesmo a sua intervenção direta em funções típicas e exclusivas de outro Poder (funções que não podem ser delegadas).
A implementação de política pública, seja por qualquer argumento, não pode ser jamais ser afetada ao Poder Judiciário, e por razões óbvias, não obstante a ausência de autorização constitucional.
Em resumo temos a seguinte situação no Brasil: Um Supremo Tribunal Federal atuando, sob alegada ofensa constitucional, supostamente, de forma ilegítima, interferindo diretamente em políticas públicas governamentais, provocado por Partidos Políticos, que na maioria das vezes acionam a Corte utilizando-a como ferramenta de divergência política/ideológica contra partido de oposição ao do Requerente, sem que haja qualquer possibilidade de controle externo dessas decisões.
Por outro lado, os que supostamente, estariam legitimados para a correção de abusos por parte dos Ministros da Suprema Corte, em sua grande parte, são investigados em procedimentos e processos que tramitam na própria Corte, e por vezes, representantes dos Partidos que utilizam a Corte como instrumento de divergência política.
Há, assim, um modelo extremamente ineficaz e incapaz de impor limites à supostos abusos e atuações desmedidas e ilegítimas da Suprema Corte.
E para tanto, como visto, a Corte vem se utilizando da chamada teoria do \”Estado de Coisas Inconstitucional\”.
Há uma clara intervenção política e utilização da Corte para os debates que deveriam ficar adstritos às urnas e ao locais adequados e previstos pelo Poder Constituinte.
Ainda que a referida teoria traga referência em experiências do exterior e seja aplicada mediante análise, supostamente, criteriosa de seus requisitos, tenderá sempre ao subjetivismo de ocasião com clara ofensa à imparcialidade, fundamental ao exercício de julgar.
E, mais, a aplicação da teoria torna-se em um problema muito maior para a própria Corte, pois a abertura de precedentes (intervenção nas políticas públicas) poderá resultar em uma atribuição (e competência) de extrema responsabilidade ao Poder Judiciário, visto que o Brasil carece de segurança pública, de educação, saúde, saneamento, desemprego, moradia, dentre outros direitos fundamentais, e em todas as esferas federativas.
Assim, um determinado partido político poderia ingressar no Supremo Tribunal Federal para \”implementação de sua política/ideologia\” em um determinado estado, mas pecar com o mesmo problema (ou, inconstitucionalidade) em outro estado que detém a governabilidade.
E pior, a depender de quem esteja como Chefe do Poder Executivo, os questionamentos poderão ser diversos (ideologicamente) e não caberia, assim, ao Poder Judiciário, através dos seus 11 Ministros nomeados, determinar qual política a seguir ou ser implementado por determinado ente ou Poder da República, sob a alegação de um \”estado de coisas contrário a Constituição\”.