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18 de abril de 2024Tem causado grande celeuma nos últimos tempos a chamada política de preço por paridade internacional (PPI), que tem sido praticada pela Petrobras desde o governo Michel Temer, quando Pedro Parente era o presidente da companhia. O debate público, no entanto, parece se desviar do rumo principal, quando se põe a ênfase nos acionistas minoritário, cujos direitos impediria o uso da empresa para perseguir políticas públicas que possam afetar a sua lucratividade.
Ao contrário do que tem sido sustentado com frequência, no entanto, não só o governo pode interferir nas linhas estratégicas de gestão da Petrobras, como está obrigado a fazê-lo, já que a criação de empresas estatais depende sempre de autorização por lei, que impõe o direcionamento da sua gestão também para a busca de objetivos de interesse público.
Isso não significa que os acionistas privados possam ser atropelados pelo controlador estatal. Essencialmente, eles têm direito a ser adequadamente informados quanto às finalidades púbicas de que a estatal será instrumento e ao impacto negativo dessa atuação para a sua rentabilidade. Bem informado, poderá tomar a decisão de realizar ou não o investimento em uma empresa dessa natureza. Nesse caso, deverá poder confiar em uma estrutura de governança adequada, que assegure o respeito às estratégias previamente definidas.
Há outras questões, no entanto, que são muito relevantes para a orientação da política de preços da Petrobras, que dizem respeito ao mercado interno de óleo e gás e à segurança do abastecimento nacional. O debate público, contudo, tem passado ao largo de tais questões cruciais, que merecem mais atenção e reflexão por parte da sociedade brasileira.
Política de preço por paridade internacional
Trata-se essencialmente de uma metodologia pela qual a empresa estabelece os preços pelos quais comercializa os combustíveis no mercado interno, tomando em conta não os seus custos de produção, somados a uma margem pretendida de lucro, mas sim com base numa estimativa de qual seria o custo da importação desses combustíveis, o que leva em conta os preços praticados no mercado internacional, sujeitos à flutuação desse mercado, muito sensível às variações da conjuntura política e econômica mundial, as variações cambiais internas, além dos custos de importação para o mercado brasileiro.
Essa política de paridade com os preços internacionais é o resultado de uma reação às críticas que se avolumaram mais recentemente contra o uso político que vinha sendo feito da Petrobras, buscando-se o controle inflacionário pela retenção artificial das elevações de preço dos combustíveis, que impactam sensivelmente o custo de frete, com reflexo significativo no mercado interno, já que a logística de distribuição no Brasil é extremamente concentrada no modal rodoviário.
O grande problema dessa política é que ela associa o preço dos combustíveis cobrados na bomba à volatilidade do mercado internacional. Especialmente diante de circunstâncias como as atuais — em que o preço internacional tem experimentado significativa elevação e o real tem apresentado considerável desvalorização frente a moedas internacionais, como o dólar —, o efeito é devastador para a economia doméstica.
Um dos primeiros efeitos dessa política de paridade foi a traumática greve dos caminhoneiros de 2018, que ameaçou o abastecimento nacional de itens básicos, incluindo alimentos, espalhando grande apreensão na população. A solução naquela época foi implantar um tabelamento estatal de preços mínimos para o frete rodoviário. A contradição é escrachada: para manter os preços cobrados pela Petrobras alinhados com o mercado internacional, o Estado organizava um cartel oficial para o serviço de frete. A constitucionalidade dessa medida merece uma análise própria, que o escopo deste texto não comporta.
Sucessivas crises entre a Petrobras e a União
O assunto voltou a ocupar as manchetes após a demissão de Roberto Castello Branco da presidência companhia, em fevereiro do ano passado, em meio a uma série de declarações públicas do presidente da República, Jair Bolsonaro, expressando sua insatisfação com os seguidos reajustes dos combustíveis praticados pela estatal. Após essa primeira demissão, em fevereiro de 2021, outras duas já se seguiram, além da demissão do próprio ministro das Minas e Energia.
Todas essas demissões tiveram por pano de fundo a mesma polêmica. Durante uma de suas lives semanais, o Presidente da República, expressando sua irritação, chegou a afirmar que a Petrobras não é uma empresa estatal, alegando não possuir poder para interferir na definição dos seus preços. O próprio general Silva e Luna, um dos seus últimos presidentes, chegou a afirmar que a Petrobras não pode fazer política pública.
Discursos desse tipo têm encontrado certo eco no debate público, contribuindo para a consolidação de uma impressão equivocada de que a existência de acionistas privados na Petrobras impede a sua utilização como veículo para a implantação de políticas públicas.
Antes de mais nada, é relevante esclarecer que a Petrobras é sim uma empresa estatal. Embora o termo não tenha uma definição legal, é tradicionalmente utilizado para designar aquelas empresas cujo controle societário é exercido pelo Estado por imposição legal. É o caso das empresas públicas, cujo capital é integralmente pertencente a entes púbicos e das sociedades de economia mista, como a Petrobras, de cujo capital também podem participar particulares e empresas da iniciativa privada.
No caso dessas sociedades de economia mista, impõe-se a sua organização como uma sociedade anônima, de modo que é verdade que estejam submetidas à legislação que rege esse tipo de sociedade, inclusive quanto às proteções conferidas aos acionistas que não participam do bloco de controle. No entanto, é preciso levar em conta também que o artigo 173 da Constituição só autoriza a criação dessas empresas quando sejam necessárias aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo.
O Estado só pode criar uma empresa estatal quando há razão de interesse público que o justifique. Uma vez constituída, portanto, é evidente que deverá atuar para atender a esse interesse público que legitimou a sua criação. A própria lei das S.A. reconhece essa circunstância quando, em seu artigo 238, estabelece que o ente público controlador da sociedade de economia mista — no caso da Petrobras, a União — poderá orientá-la de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação.
Mais recentemente, foi promulgada a Lei 13.303/2016, que instituiu o estatuto jurídico das empresas estatais e também abordou esse potencial conflito entre os interesses dos acionistas privados, que almejam a maior lucratividade possível e os interesses do ente público controlador que, além da rentabilidade, também almeja objetivos de interesse público. No seu artigo 4º, §1º, o estatuto indica que esse poder de controle deverá ser exercido no interesse da companhia, mas sem descurar do interesse púbico que justificou a sua criação.
Como se vê, ao contrário das empresas da iniciativa privada, as sociedades de economia mista não devem ser geridas apenas segundo os interesses econômicos dos seus acionistas, mas também devem voltar as suas atividades para atender a outros objetivos, expressamente declarados pela lei que autorizou a sua criação, atribuindo‑lhe uma missão de interesse público, a qual deve ser cumprida. Segundo o disposto no art. 27 do estatuto das empresas estatais, essa busca pelos interesses coletivos deve ser \”orientada para o alcance do bem-estar econômico e para a alocação socialmente eficiente dos recursos geridos\” pela empresa.
Como fica, então, a situação dos acionistas privados?
O estatuto das empresas estatais possui algumas regras para a proteção dos acionistas minoritários. Além da observância de regras de governança, deve ser assegurada transparência quanto aos atos de gestão que estejam voltados à consecução de políticas públicas. No artigo 8º, I, por exemplo, exige-se a publicação de carta anual subscrita pelos membros do Conselho de Administração, em que deverão estar explicitados os compromissos da empresa com objetivos relacionados às políticas públicas, com clara definição dos recursos a serem empregados para esse fim, assim como estimativa dos impactos econômico-financeiros para a sua realização, devendo, ainda, segundo o seu §1º, abordar como esses objetivos corporativos se alinham com tais políticas públicas.
Impõe, ainda, o §2º do artigo 8º, que as obrigações e responsabilidades que a empresa venha a assumir em condições distintas daquelas de mercado estejam claramente expressas em lei ou em regulamento, ou previstas em contrato ou acordo celebrado com o ente público, ao qual deve ser dada ampla publicidade. Devem ser, ainda, discriminados e divulgados os custos inerentes, de forma a proporcionar transparência para os potenciais investidores e para a sociedade em geral.
Como se vê, um dos principais objetivos perseguidos pela legislação é prover os potenciais investidores com informação completa e de qualidade, de modo que possam sopesar os prós e contras para tomarem uma decisão consciente quanto a se tornarem ou não acionistas daquela empresa estatal, ou quanto a manterem ou se desfazerem da posição acionária que já possuam, em função do planejamento futuro para a sua gestão.
Não há, portanto, nenhum tipo de empecilho legal ao uso das empresas estatais, incluídas as sociedades de economia mista, como a Petrobras, para a concretização de políticas públicas. Ao contrário, a legislação vigente — tanto a lei das S.A., como o estatuto das empresas estatais — autoriza expressamente esse direcionamento de sua gestão, que decorre, em verdade, do próprio comando constitucional que autoriza o Estado, em situações extraordinárias, a criar empresas sob seu controle societário.
Há, no entanto, outras questões a serem observadas no que se refere à política de preços de combustíveis praticadas pela estatal, que não dizem respeito aos seus acionistas privados, mas sim à sua relação com os demais agentes de mercado e a obrigatoriedade, que se estende a toda e qualquer empresa, de se portar com lealdade perante os seus concorrentes.
Mercado interno de óleo e gás. Livre mercado?
A Petrobras teve a sua criação autorizada, em 1953, pela Lei 2004, que dispunha sobre a Política Nacional do Petróleo e estabelecia um monopólio para a União quanto às atividades do setor de óleo e gás, o qual seria exercido exatamente por meio dessa sociedade de economia mista a ser criada.
Após a sua efetiva implantação, a Petrobras exerceu essas atividades monopolizadas por várias décadas, com reconhecido sucesso. No entanto, na década de 90, com a grave crise econômica e de organização do Estado que se vivenciava, construiu‑se relativo consenso político no sentido de que era necessário buscar investimentos privados para acelerar o crescimento nacional, o que envolveu a privatização de várias estatais.
A Petrobras foi expressamente excluída do Programa Nacional de Desestatização pela Lei 8.031/90 e, posteriormente, pelo artigo 3º da Lei 9.491/97, que a substituiu. No entanto, em 1995, foi aprovada a emenda constitucional nº 09, que flexibilizou o monopólio da União, permitindo a aprovação da chamada lei do petróleo (Lei 9.478/97) e a instituição dos contratos de concessão, que passaram a poder ser celebrados com qualquer empresa da iniciativa privada para a exploração e produção de óleo e gás.
O monopólio da União deixou de ser exercido, assim, exclusivamente por meio da Petrobras e a Lei 9.478/97 ainda determinou, em seu artigo 61, §3º, que e empresa deveria passar a atuar em caráter de livre competição com outras empresas e respeitando as condições de mercado. Essa é a questão mais delicada a envolver a sua política de preços.
A construção de um ambiente de livre mercado não se faz, como se pode imaginar, apenas com determinações legislativas e, na prática, a Petrobras ainda domina grande parcela desse mercado.
Em 2018, a Abicom, que representa os importadores de combustível, representou ao Cade contra a estatal, alegando que as refinarias da Petrobras estariam comercializando combustível abaixo dos preços internacionais, \”com a finalidade de ampliar a sua participação no mercado, eliminando a concorrência dos importados\”. Em 2019, o Cade produziu a Nota Técnica 25/2019/CGAA4/SGA1/SG/Cade, em que apontou o alto risco de abuso de posição dominante, por parte da Petrobras, que detinha àquela altura 98% de participação no mercado nacional de refino.
A solução preconizada pelo Cade foi, então, a celebração de um acordo, nos termos propostos pela própria Petrobras, em que se comprometeu a vender oito de suas treze refinarias, equivalentes a 50% de sua capacidade de refino, de modo a estimular a competição e realização de novos investimentos no setor. Até hoje, apenas uma dessas refinarias foi vendida, a RLAM, localizada na Bahia e rebatizada como refinaria de Mataripe. Há outras ainda em negociações avançadas, mas como o acordo deveria ser cumprido até o final de 2021, sua vigência foi prorrogada.
A finalidade almejada com o acordo é que esses desinvestimentos da Petrobras sirvam como meio para a efetiva consolidação de um livre mercado de refino no Brasil. Nas palavras do Cade, \”os impactos concorrenciais decorrentes de uma nova estruturação no mercado de refino poderão mitigar as dificuldades competitivas apontadas pela Abicom\”. Até a sua conclusão, a Petrobras se compromete a manter a política de paridade de preços.
Conclusão
A principal questão a ser examinada quanto à política de preços praticada pela Petrobras não está, como se vê, relacionada às prerrogativas de seus acionistas minoritários, mas sim à real intenção da sociedade brasileira de contar, verdadeiramente, com um livre mercado no setor de óleo e gás.