Desde o dia 1 de fevereiro, empresas pertencentes a diversos segmentos econômicos deveriam estar pagando mais impostos aos governos dos estados em que estão instaladas. No final de janeiro, 151 benefícios fiscais concedidos por vários governos estaduais seriam considerados vencidos pelo Conselho Nacional de Políticas Fazendárias (Confaz). No entanto, a isenção fiscal ganhou novo fôlego com a decisão do Confaz, tomada no último mês, de prorrogar os benefícios para dezembro de 2012.
Embora considerada uma extensão da guerra fiscal, a decisão dificilmente pode ser considerada como problemática para os governos estaduais. Geralmente, os convênios são aprovados sem restrições, devido ao consenso das unidades da federação em torno de seus objetivos. A diferença na última reunião do Confaz é que a autorização para os novos prazos de isenções fiscais só pode ser acertada após uma batalha para aprovar benefícios questionados na Justiça. O Conselho decidiu autorizar os estados do Pará e Rondônia a não cobrar benefícios concedidos, no passado, a centenas de empresas, que haviam sido considerados ilegais pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
As isenções, que foram garantidas sem aprovação anterior do Confaz, haviam sido questionadas na Justiça pelo governo de São Paulo, que propôs a redução imediata da alíquota de 7% para 4% nas relações comerciais entre os estados de Rondônia e Pará. Tal proposta não foi aceita pelos dois estados, que então trancaram a pauta no Confaz. Isso ameaçava a prorrogação dos prazos de 151 convênios que possibilitam benefícios fiscais para todos os estados, em diversos segmentos, como radiodifusão, medicamentos, fruticultura de cacau, equipamentos industriais e implementos agrícolas, insumos agropecuários, equipamentos de informática para micro e pequenas empresas, importação de equipamentos para universidades, entre outros.
Essa não é a primeira vez que, com o objetivo de manter benefícios para empresas, os governos estaduais ignoram decisões da Justiça. Diante de decisões do STF que suspenderam os efeitos de alguns incentivos fiscais concedidos unilateralmente, alguns estados editaram regras que permitem a glosa de créditos de ICMS quando os insumos são adquiridos de outras unidades da federação com tributação reduzida por incentivos fiscais sem convênio, independentemente de decisão judicial.
Segundo o advogado tributarista Rafael Nichele, não é a falta de normas que permite a guerra fiscal entre os estados, pois elas existem há muito tempo. “A Lei Complementar 24, de 1975, determina que nenhum incentivo fiscal pode ser concedido sem aprovação unânime do Confaz. De nada adiantará, portanto, inserir a mesma regra na Constituição Federal se não houver uma severa consequência para aqueles estados que insistirem em descumpri-la”, destacou.
Entretanto, é difícil para os estados deixarem de investir na guerra fiscal quando os efeitos econômicos dos benefícios são grandes. Em Rondônia, segundo José Genaro de Andrade, secretário estadual de Finanças, o fim das isenções causaria impacto direto em 179 empresas que se instalaram no estado nos últimos anos, e que geram mais de 17 mil empregos e investimentos acima de R$ 1 bilhão. “Quando atraímos empresas para se instalarem aqui, não atraímos por causa do imposto, é pela geração de emprego. É um custo que o estado tem para ter investimento”, informou Andrade.
No Rio Grande do Sul, de acordo com a Secretaria da Fazenda, apenas em 2008 as desonerações de ICMS chegaram a R$ 9,671 bilhões. Destes, 48,7% (o equivalente a R$ 4,675 bilhões) foram resultado de convênios celebrados no âmbito do Confaz e benefícios concedidos pelo Estado na forma de redução da base de cálculo, créditos presumidos e isenções.
Estado adere à concessão de incentivos
Embora o Rio Grande do Sul se declare contrário à guerra fiscal, a concessão de incentivos não pode ser descartada quando isso for de interesse do governo, argumentam os especialistas. “Defendemos a reforma tributária, mas, se tivermos prejuízos econômicos devido à falta de um benefício, não temos muita opção. Entre seguir nossa vontade e trazer prejuízos para a economia gaúcha ou conceder benefícios fiscais para um segmento que já os têm em outro estado, vamos ficar com a segunda hipótese”, explica o secretário-adjunto da Fazenda, Leonardo Gaffrée Dias.
Esse é o motivo pelo qual a decisão do Confaz de não repetir a concessão de benefícios além dos que foram aprovados até 2012 é colocada em dúvida por analistas. “Isso não deverá acontecer com o sistema que nós temos. Em 2012 devemos ver o Confaz reunido de novo para validar concessões oferecidas por algum estado”, afirma o ex-governador Germano Rigotto, coordenador do grupo de reforma tributária do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (Cdes) da Presidência da República.
Para Rigotto, até que a reforma tributária seja aprovada pelo Congresso Nacional e pelo governo federal, a guerra fiscal deverá continuar. “Enquanto não houver mudança da cobrança de ICMS do estado de origem para o de destino da mercadoria, e enquanto não houver uma uniformização das alíquotas em todo o País, nós vamos continuar tendo guerra fiscal e outras reuniões do Confaz para resolver problemas gerados por isso”, destaca.