Depois de confrontar, durante a campanha eleitoral, dados que apontavam para o aprofundamento do quadro de estagnação da economia, o governo Dilma Rousseff deu o braço a torcer. Em meio ao colapso da produção da indústria, à escalada da inflação e à disparada do dólar, que caminha a passos largos para a casa dos R$ 3, caiu a ficha de que, apenas com palavras, será impossível convencer investidores e empresários a apostarem numa rápida retomada do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Muito pelo contrário. As ameaças que se avizinham – entre as quais o risco de apagão, o racionamento de água a possibilidade real da perda do grau de investimento ainda no primeiro semestre de 2015 – impõem ao governo a necessidade de clareza de diagnóstico e pragmatismo nas ações para vencer a crise. Exigem também uma mudança brutal de postura da equipe econômica. Se, sob o comando de Guido Mantega o Ministério da Fazenda era sinônimo de descrédito entre investidores, com o atual titular da pasta, Joaquim Levy, a história é outra. Em vez de previsões econômicas superestimadas, o substituto de Mantega não esconde a predileção por análises mais realistas.
Não por acaso, em suas declarações mais recentes em Nova York, Levy selou a perspectiva de dois anos seguidos de recessão: em 2014 e 2015, uma situação inédita no Brasil. A última vez que o PIB encolheu por dois anos consecutivos havia sido durante a grande crise de 1929, quando o estouro das bolsas de valores nos EUA levou o mundo para o atoleiro. Nem durante as crises do petróleo, nos anos 1970, ou durante o período de hiperinflação, nos anos 1980, o país viu a economia retrair-se por dois anos seguidos.
Caso a recessão prolongada se confirme, como já teme o próprio governo, o aumento do desemprego será praticamente inevitável. A consultoria Rosenberg Associados estima que o percentual de brasileiros sem trabalho subirá dos atuais 4,8% para 6,1% da população economicamente ativa caso o PIB encolha 0,5% este ano. Essa é considerada uma projeção ainda otimista levando em conta cálculos que apontam para tombo superior a 2% da economia em 2015. Nesse cenário, o desemprego subiria para patamares superiores a 7% – o que significaria o fim da situação do pleno emprego.
E ainda pode piorar. “A nossa situação é tão grave que, além de termos uma queda do PIB e do emprego, o aperto será maior porque a inflação está subindo”, disse o economista José Luis Oreiro, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que considera o cenário “o pior dos mundos” para o trabalhador. “Os consumidores vão sofrer duplamente. Alguns vão perder o emprego e mesmo os que mantiverem o trabalho vão sofrer uma desaceleração brutal da renda disponível, já que os salários não subirão a ponto de recompor as perdas inflacionárias”, assinalou.
Arrocho O aperto no bolso pode ser ainda maior a julgar pela intenção da Fazenda em elevar novos impostos para conseguir cumprir as metas fiscais estipuladas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Diante da dificuldade de economizar 1,2% do PIB para pagar juros da dívida pública (e fazer o chamado superávit primário), Levy vem deixando claro que novas medidas de austeridade já estão no forno. Para investidores, ele garantiu que a Fazenda não deve “inventar impostos”, e sim simplificá-los. Mas sinalizou que pode “renovar” tributos, o que abre dúvidas sobre o fim de benefícios ainda em vigor, como o desconto do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a linha branca (geladeira, máquina de lavar etc), a desoneração da cesta básica ou, em última instância, a volta da CPMF, o antigo imposto do cheque. Técnicos da Receita Federal garantem, no entanto, que ressuscitar esse ultimo tributo “está completamente fora de cogitação”.
O arrocho fiscal tem motivo claro: evitar que o rombo nas contas públicas se agrave a tal ponto que o país possa vir a ser considerado um mau pagador dos títulos da dívida pública. Tanto que, ao fim da palestra feita a investidores, em Nova York, Levy se reuniu a portas fechadas com os representantes da agência de classificação de risco Moody’s, de forma a tentar convencê-los a não retirar o grau de investimento do país, obtido em 2008, quando o Brasil ainda era sinônimo de pujança econômica e galgava posições no ranking global de crescimento econômico. A perda da chancela de bom pagador pode detonar um efeito cascata de aversão a risco no país, com investidores partindo em retirada do Brasil. A última vez que o país enfrentou uma fuga recorde de dólares das bolsas e dos títulos públicos emitidos pelo governo foi há 13 anos, quando temores com a possível eleição do então candidato Lula levaram o dólar para R$ 4.
CÂMBIO
O dólar comercial voltou a ganhar força nesta quinta-feira, com os investidores interpretando que, embora a alta dos juros nos Estados Unidos possa ser atenuada, de fato ela vai começar este ano. A moeda americana avançou 0,83%, cotada a R$ 2,8657, em sua terceira alta consecutiva. As discussões sobre a prorrogação do programa de ajuda à Grécia e a situação econômica brasileira também contribuíram para o fortalecimento do dólar.
Cobrança do mercado
São Paulo – Economistas e analistas do mercado financeiro do Rio de Janeiro desafiaram ontem o novo diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Luiz Awazu Pereira da Silva, a explicar de forma clara e cabal como a autoridade monetária conseguirá fazer a inflação convergir para o centro da meta, ou 4,5%, em 2016. Esta foi a primeira reunião de Awazu com analistas do mercado financeiro como diretor de Política Econômica, cargo que passou a ocupar no último dia 5 em substituição ao antecessor Carlos Hamilton Araújo, que deixou a instituição.
Esses encontros acontecem a cada três meses e servem para que a autoridade monetária colha as impressões dos analistas em relação à atividade econômica, inflação e cenário internacional. As informações são usadas para auxiliar o BC na redação do Relatório Trimestral de Inflação (RTI). Os analistas foram para cima de Awazu alegando que não acreditam na possibilidade de a autoridade monetária levar a inflação para 4,5% no próximo ano. Eles disseram que, se de fato o BC acredita que pode fazer com que a inflação convirja para este nível, a instituição precisa demonstrar de forma convincente como isso será feito.
Segundo um economista que participou do encontro, dessta vez não houve, entre os analistas, fortes discussões, numa sinalização clara de que todos estão convictos que o ano de 2015 será bastante difícil para a economia brasileira. “Está todo mundo extremamente pessimista com a atividade e preocupado com a inflação. Inclusive muitos não acreditam que a meta de 4,5% será alcançada em 2016”, contou, acrescentando que a mediana das projeções deste encontro para a inflação em 2015 ficou na faixa de 7,30%, na comparação com 6,56% na reunião passada, ocorrida em novembro.
Para 2016, disse a mesma fonte, a previsão passou de 5,61% para 5,57%. “Pediram mais transparência na comunicação, a fim de saberem o quão a meta é crível de ser atingida, já que há vários choques de oferta”, disse. “Querem que o BC aprofunde mais o assunto no próximo RTI”, reforçou outro participante do encontro. Em relação à atividade econômica, a percepção entre os analistas é de que o Produto Interno Bruto (PIB) fechará 2014 no campo negativo.