O governo vai “atrasar” o pagamento de um pouco mais de R$ 9 bilhões em sentenças judiciais para evitar uma deterioração nas contas públicas no início do ano, o que ampliaria a desconfiança do mercado com relação ao cumprimento da meta de superávit primário (economia feita para pagamento de juros da dívida pública) de 3,3% neste ano.
Desde 2007, o pagamento dos chamados precatórios ? ordens de pagamentos da Justiça contra a União, Estados, Distrito Federal e municípios, administração direta e indireta ? tem ocorrido em janeiro. Em dezembro, no entanto, o Tesouro fechou um acordo com o Conselho de Justiça Federal (CJF) para repassar o dinheiro para cobertura das sentenças judiciais só em março, abril e maio.
A alegação dada pelo Tesouro para jogar para frente o pagamento das sentenças judiciais é que era preciso fazer um ajuste no fluxo de caixa. Até, porque, ficaria muito pesado para o governo desembolsar mais de R$ 9 bilhões apenas em janeiro. Dos R$ 9 bilhões, R$ 6 bilhões deverão ser desembolsados em março e o restante em abril e maio. O custo mensal do adiamento é de R$ 50 milhões por mês.
O adiamento do pagamento das sentenças judiciais já influenciou favoravelmente nas contas da Previdência Social em janeiro. O déficit caiu 44%, fechando o mês em R$ 3,708 bilhões. Segundo estimativa dos tribunais regionais, serão pagos R$ 3,7 bilhões, somente em março, em sentenças judiciais, o que deve inflar o déficit.
Para analistas de mercado, a postergação do pagamento faz todo o sentido. Em março, o governo terá uma visão mais clara do comportamento da arrecadação e decidirá se haverá ou não necessidade de fazer cortes no orçamento para conseguir atingir a meta cheia de superávit primário neste ano.
Desde 2009, o governo federal vem implementando “manobras fiscais” para conseguir cumprir a meta do superávit primário. No ano passado, as medidas foram alvos de críticas de analistas e consultores porque serviam apenas para inflar artificialmente as receitas. Agora, no entanto, o adiamento do pagamento dos precatórios é visto como uma medida coerente. Até porque, conforme o economista da LCA Consultores, Bráulio Borges, a injeção de R$ 9 bilhões no mercado no início do ano significa mais renda nas mãos dos brasileiros que, ao consumirem mais, poderiam contribuir para acelerar a inflação.
“No ano passado, as manobras fiscais do governo eram para inflar as receitas. Agora é diferente. Agora é pertinente apenas postergar. O pagamento dessas sentenças aumentaria a renda, o que poderia colocar mais lenha na atividade”, explicou Borges. Esse movimento poderia até antecipar a elevação a taxa básica de juros, que economistas acreditam que vai ocorrer em março.
O estrategista sênior do banco West LB, Roberto Padovani, também faz uma leitura positiva do “atraso” no pagamento dos precatórios. Para ele, mostra que o governo está realmente comprometido com a meta de superávit primário. “Não é só um discurso vazio”, comentou.
Mas essa não é a primeira manobra adotada pelo governo para conter aumento de gastos neste ano. No início de fevereiro, foi publicado decreto limitando os gastos a 2/12 até março, quando será decidido se haverá ou não cortes no orçamento.