A expansão de mercados como o de telecomunicações e o do varejo no Brasil abrem um novo horizonte para as empresas de tecnologia em pesquisa, como a Cognatis, que atua há sete anos no campo da pesquisa mais intensa no campo do entendimento da região onde há uma possível oportunidade de negócios, com o chamado geomarketing. No Panorama do Brasil desta semana, o entrevistado é o diretor-geral da Cognatis, Reinaldo Gregori, que explica como os estudos geográficos e demográficos podem ajudar empresas de diversos segmentos a melhorar ou ampliar sua atuação no mercado.
Roberto Müller: A empresa do Reinaldo é muito interessante porque tem a ver com a formação dele, que é economista formado fora do País e também demógrafo. Agora eu gostaria que ele falasse sobre o que a empresa faz.
Reinaldo Gregori: A Cognatis produz inteligência mercadológica num campo muito especial, que está ganhando notoriedade ultimamente, que é o geomarketing. São pesquisas de mercado com variáveis e com informações relacionadas ao espaço geográfico, e com informações sobre o espaço físico onde as pessoas moram, onde as pessoas habitam; onde as lojas estão construídas, localizadas, onde as redes de fibra ótica e de telecomunicações estão sendo instaladas. Enfim, há uma série de coisas de vários ramos de negócios, de diversas indústrias, em que o aspecto físico e geográfico é importante. Portanto, você precisa dessas informações para manter algum tipo de inteligência.
Milton Paes: Você tem clientes importantes, inclusive neste ano de 2010. Só para termos uma ideia, eu queria que você identificasse alguns desses clientes.
Reinaldo Gregori: É interessante porque o geomarketing é algo multidisciplinar, então nós temos clientes de diversos segmentos importantes, inclusive o próprio governo é nosso cliente. O Sebrae mesmo, que é um grande incentivador desse tipo de informação, informação geoprocessada, do geomarketing. Temos também algumas empresas de telecomunicações: companhias que oferecem serviços de telefonia móvel, fixa ou serviços de televisão por assinatura; bancos; financeiras e, obviamente, do segmento de varejo. Aliás, o varejo é o setor em que é mais natural se pensar no uso desse tipo de inteligência. Digo isso porque o varejo vive da localização das lojas. Neste segmento, um percentual enorme do sucesso de cada unidade (ponto-de-venda) de uma filial do lojista é a região onde ela está localizada.
Theo Carnier: O que esses clientes demandam de vocês?
Reinaldo Gregori: Diversas coisas. Essa inteligência -estou chamando de inteligência, mas vamos entender como informação, a informação geodemográfica- diz que uma região específica é boa para um determinado negócio. Ela é boa para um determinado negócio porque ali moram pessoas com tais características, trabalham pessoas com tais características, porque os outros negócios que estão espalhados nessa região são esses e não são aqueles, portanto, existe potencial para o seu negócio nessa região. Mas isso também pode ser usado para várias coisas. O mais comum são as empresas que dizem: “Olha, eu quero montar uma loja nessa região, existe potencial? Você consegue me dizer qual é o tamanho desse potencial? Melhor ainda, dá para saber quanto eu vou vender, quanto eu vou faturar?” Esse modelo vai responder a essas perguntas. Mas a pergunta menos comum é: “Tenho lojas”, ou “Tenho agências bancárias. E quero saber se essas agências estão bem localizadas, bem acomodadas, se devo reacomodá-las.” Ou ainda: “Será que eu tenho o produto certo para cada agência? Será que naquela agência onde eu tenho gerentes para pessoa física -que ficam lá às moscas- eles não poderiam ser trocados por gerentes para pessoa jurídica, porque aquela agência está muito mais próxima de um local em que os clientes em potencial são pessoas jurídicas?” Estou simplificando, mas esta é uma das coisas que se podem perguntar. A terceira coisa que se pergunta é: “Eu tenho lojas, eu tenho agências, e elas obviamente produzem, vendem e faturam, mas será que aquilo que elas produzem ou vendem é exatamente aquilo que elas deveriam, levando em conta o potencial daquela região? Qual deveria ser a meta delas?” O mais comum quando se pensa em metas, no varejo e também no varejo financeiro [bancos], é, ao olhar para a história de uma determinada unidade, considerar: “Se aquela loja sempre vendeu cem, eu quero que ela venda cento e dez, mas talvez ela possa vender duzentos, não cento e dez”.
Milton Paes: E como você chega a esses cálculos?
Reinaldo Gregori: Aí entram os modelos estatísticos, os modelos de economia, confirmando a sua hipótese inicial, é aí que existe a minha formação de demógrafo e de economista com o que a Cognati faz. Esses modelos, esses estudos, vão procurar transformar o que hoje a gente consegue observar nessas regiões, que são coisas como: quem mora lá, quais as características de quem mora lá; quais são as distribuições por classe social, por ciclo de vida, por nível de riqueza; o perfil de consumo, o perfil familiar; quem trabalha naquela região, qual é a estrutura etária de quem trabalha naquela região, qual a estrutura salarial daquelas pessoas, quais são as empresas que estão ali; quais são as características, o porte, o ramo de atividade, daquelas empresas. Isso são dados e eu preciso transformar esses dados em respostas às perguntas dos meus clientes. Aí entram os métodos estatísticos e métodos econométricos.
Milton Paes: Vocês trabalham com o desenvolvimento de dados junto ao IBGE?
Reinaldo Gregori: Sem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) eu não vivo. O IBGE é a minha principal fonte de informação. É uma relação meio egoísta: eles fazem muito por mim e eu faço muito pouco por eles. Eu uso os dados do IBGE porque hoje, quando você pergunta se tem potencial na região, eu tenho de responder em partes. A primeira parte é potencial para você. Eu preciso entender o negócio do cliente para saber o que gera potencial ou não gera. A segunda parte é o que eu consigo observar naquela região. Se eu não observar nada, aí entra o IBGE, o censo, principalmente, porque esse tipo de órgão é a principal fonte de informação, o principal instrumento de empresas como a nossa, porque o censo é a única base de informação universal, por construção universal. Infelizmente, porém, o recenseamento é feito apenas a cada dez anos, o que significa que, entre as safras, a gente precisa de modelos estatísticos para corrigir os dados, atualizá-los etc. Mas essa é grande parte da coisa. Ou seja, primeiro eu entendo o negócio, depois eu vou descobrir o que tem naquela região. Por exemplo, quantas famílias há ali que fazem parte deste segmento familiar, ou daquele segmento domiciliar.
Ou a segunda parte, que é mais analítica. Eu entendo a pergunta, eu sei o que é mais importante para o meu cliente, eu sei o que tem na região, mas eu preciso entender toda essa informação e dizer para o meu cliente abrir ou não abrir uma loja. Não adianta eu dizer “aqui tem isso”, eu preciso dizer se aqui é bom, orientá-lo a ali se instalar porque será bom. Não é só isso. Se você abrir um supermercado, ou se você iluminar uma região, como dizem as empresas de telecomunicações, a nossa expectativa é que você tenha um retorno nessas faixas aqui.
Milton Paes: Com base nesses dados, ou seja, dependendo do foco que a empresa que te contratou, cabe, por exemplo, da tua parte, informar aquela empresa de que um ou outro produto não se enquadra dentro da perspectiva de negócios que essa empresa tem?
Reinaldo Gregori: Esse pode ser o principal motivo do projeto. Em muitos casos, o cliente não quer saber apenas onde eu abro uma loja, ou se e vou fechar aquela loja. A pergunta pode ser: “Será que eu tenho o mix de produtos correto para aquela loja?” ou, “Por que aquele supermercado tão tradicionalmente familiar não é um pouco mais voltado para a clientela mais gourmet?” E tem coisas muito interessantes. O Brasil está passado por mudanças demográficas fascinantes. A queda de fertilidade, que é o principal motivo do envelhecimento da população, está mudando o perfil da nossa população rapidamente, e algumas coisas que afetam as oportunidades mercadológicas diretamente. Por exemplo, um segmento que hoje é bem maior do que era é o chamado DINC (duplo ingresso, nenhuma criança). Esse é um segmento mercadologicamente fascinante, porque é um casal que trabalha, que traz renda para o domicílio, sem crianças. E é um segmento que é dividido em dois: pode ser um casal heterossexual, que casou normalmente, ou que atrasou a fecundidade, ou a entrada nessa fase, ou que optou por não entrar; ou casais homossexuais, que, por natureza, a não ser que adotem, não terão filhos. Então casais DINC aumentaram 80% em apenas seis anos na década do ano 2000 porque as mulheres estão atrasando, postergando a maternidade. Elas estão participando mais do mercado de trabalho e este é o motivo por que a população está envelhecendo. É um pequeno segmento, mas, se você identificar a presença dele numa determinada região, pode mudar completamente o seu mix de produto.
Roberto Müller: A empresa usa todo um arsenal de soluções estatísticas para atender as mais exigentes expectativas dos clientes, para saber se ele deve abrir uma loja, onde e como, e chega ao requinte de dizer qual é o mix que essa loja deve ter. Eu gostaria de te perguntar, nesta linha, se vocês avançam até o estilo que deve ter essa loja. Como deve ser essa loja, qual é o design dela? Qual tipo de funcionários ela deve ter?
Reinaldo Gregori: Geralmente não. Digo isso porque, como atendemos a uma infinidade de setores, neste nível de detalhe eu teria de entender muito bem sobre o negócio específico do cliente. Então, neste nível existe uma série de empresas mais bem preparadas que a nossa para responder a essas perguntas. Ou seja, qual é o layout ideal para este mercado, como exatamente configurar o layout e outras coisas. O que a nós, em teoria, sabemos fazer é usar os mesmos modelos estatísticos para colaborar com tudo isso – porque os modelos estatísticos na verdade olham para o passado, para entender o que funciona e o que não funciona. Já tivemos, sim, casos nos quais a pergunta era: “Quando eu posiciono o meu produto deste jeito eu vendo mais ou vendo menos?” Ainda que eu não seja um expert em layout de varejo, eu posso trazer informações estatísticas e orientar esse cliente quanto esses dados, e dizer: “Quando você posiciona o seu produto deste jeito você vende mais”.
Milton Paes: Você faz a coleta de dados importantes que vão servir de subsídio para outras coisas lá na frente que vão definir o planejamento estratégico da empresa.
Theo Carnier: E a demanda tem crescido por esse tipo de serviço?
Reinaldo Gregori: Muito. Do jeito que a gente faz eu diria que há bem menos empresas que fazem isso. No Brasil já existem empresas -a maioria delas é bem pequena, mas elas já fazem um estudo aqui, outro estudo ali. Então o geomarketing já existe no País há vários anos. Muitas dessas empresas são originárias de dentro de grandes empresas que mantinham uma área. Varejistas têm áreas que são chamadas de áreas de expansão: são áreas que existem para analisar onde instalar novas lojas. Na maioria das vezes, porém, o fazem de uma forma mais rudimentar, ou seja, eles consideram pouco a questão geográfica, geralmente essas áreas consideram mais a oportunidade imobiliária – se tem tráfego, se não tem, ou seja, informações muito pontuais, mas isso pode progredir. E muitas vezes essas empresas geram consultores que depois geram estudos de geomarketing. O que é novo no geomarketing -e que aí é uma contribuição não só nossa, mas também de outras empresas fora do Brasil- é trazer inteligência estatística do geomarketing. É neste sentido que eu digo: não basta você se basear em fazer, por melhor que seja, o local onde uma rede de supermercado precisa estar, mas também olhar para a sua história, eu vou perguntar se a sua história confirma a sua hipótese, matematicamente. Quer dizer, a solução final é uma mistura do conhecimento prático da sua intuição e agora acrescido da contribuição final da ciência.
Roberto Müller: Como você trabalha com decisões estratégicas, você trabalha para levar as empresas a tomar decisões. Sendo assim, o seu interlocutor na empresa é quem?
Reinaldo Gregori: Normalmente alguém ligado à área de marketing, porém ligado à inteligência de marketing. É interessante, porque eu voltei para o Brasil, e trabalhei em um grande banco do varejo; ao chegar ao Brasil eu assumi a área de inteligência estatística, e uma brincadeira que a gente fazia era que a densidade de estatísticos que tinha lá era maior do que a da Unicamp. De fato tínhamos muitos estatísticos ali, um sentado do lado do outro. Isso talvez seja surpreendente para quem olha o mercado, porque muita gente acredita que o estatístico se forma para trabalhar na faculdade, dando aula. Mas na realidade o estatístico profissional é muito requisitado pelo mercado, é um profissional que tem muito mercado.
Theo Carnier: Hoje você trabalha com uma equipe de quantas pessoas?
Reinaldo Gregori: Os consultores seniores são 15, e aí vem a área de tecnologia. Nós não só fazemos consultoria. Nós também oferecemos softwares, aplicações pela internet e outros serviços que empacotam essas decisões. A gente costuma frisar algumas dessas inteligências porque a gente usa a inteligência como pacotes. Ou a base de informações corporativas. Agora o que é interessante é que desses 15 consultores seniores, 10 têm mestrado, e isso não é uma exigência por capricho. O nosso posicionamento é: nós acreditamos no rigor científico para com base nele chegarmos a uma resposta. Se nós não tivermos ciência não teremos a capacidade de replicar o conhecimento. E, cada vez mais o mundo dos negócios está se cientizando. Os executivos já não querem mais assumir responsabilidade pelo que eles decidem, em partes, é claro. E isso é uma realidade internacional que está se racionalizando. Agora a coisa não funciona mais em escolher uma determinada cidade porque eu tenho timbre. Hoje a comunicação e a forma de estruturar uma decisão estão cada vez mais científicas. Então, a tecnologia é o que menos vai diferenciar a empresa de geomarketing no futuro: o que a vai diferenciar é a metodologia.
Theo Carnier: Esse mercado é apenas para atender grandes empresas?
Reinaldo Gregori: Nem sempre o geomarketing é apenas para grandes empresas. Vemos companhias que já enfocam o pequeno e médio varejo.