É notório o fato de que, na dificuldade financeira, a primeira conta que deixa de ser paga pela empresa é a devida ao fisco. Apesar disso, débitos como esse não têm, até hoje, qualquer tipo de regulamentação ou flexibilização na recuperação judicial. Há quase quatro anos empresários aguardam o prometido parcelamento fiscal especial – a ser estabelecido por legislação específica – previsto na própria Lei de Falência e Recuperação Judicial. Ante a ausência de regras próprias para empresas em recuperação, o Poder Judiciário, ainda que pontualmente, tem criado alternativas e solucionado conflitos gerados a partir da nova lei. Em casos recentes, por exemplo, a Justiça suspendeu o curso de execuções fiscais sofridas por empresas em recuperação judicial e há um bom tempo já não exige das empresas a apresentação de certidões negativas de débito (CNDs) nos processos (leia matéria abaixo). Em uma outra situação, permitiu que uma companhia em processo falimentar – mas com as atividades ainda em curso – fosse reintegrada ao Programa Especial de Parcelamento (Paes). E em uma situação ainda mais rara, intermediou um acordo de parcelamento, com prazo mais amplo do que os 60 meses concedidos normalmente pelo fisco, entre uma empresa em recuperação do Rio Grande do Sul e a Fazenda Nacional.
“A Lei de Recuperação Judicial prevê o parcelamento. Se há um hiato na lei, não pode a empresa ser prejudicada por isso”, afirma Dárcio Vieira Marques, advogado que representou a Recrusul em seu processo de recuperação judicial. A empresa, de Sapucaia do Sul, no Rio Grande do Sul, encerrou o processo de recuperação judicial, por cumprir todos os pressupostos legais necessários, em dezembro do ano passado. Mas antes de finalizar esse procedimento, o advogado conseguiu, a partir de um acordo homologado no Judiciário, parcelar em 120 meses parte do débito tributário da empresa, nos moldes do Refis. Segundo Marques, o juiz da recuperação, a pedido da empresa, chamou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o Ministério Público e o administrador judicial para uma audiência para discutirem a possibilidade. De acordo com ele, sem a oposição do Ministério Público e com a concordância da Fazenda, o acordo foi levado para ser homologado pelo juiz responsável pelas execuções fiscais contra a empresa – que agora serão suspensas. Para que ela comece a pagar o débito, segundo Marques, falta apenas a atualização do valor pela Receita Federal. O advogado tem levado ao Judiciário propostas para acordos de parcelamentos fiscais aos outros casos de recuperação judicial pelos quais é responsável. Mas, por enquanto, só obteve êxito no caso da Recrusul.
Em outra situação em que o Judiciário foi chamado a solucionar conflitos relacionados aos débitos fiscais na recuperação judicial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, mesmo em processo de falência, a empresa teria o direito a ser reincluída no Paes. Apesar de a Bel Casas Indústria e Comércio, na época, estar na condição de falida, manteve a continuidade dos negócios como se estivesse em situação de recuperação judicial. Segundo o advogado Rúbio Eduardo Geissmann, do escritório Favero, Geissman e Heberle Advogados, que representou a empresa, a companhia foi excluída do Paes por estar nessa condição, mas recorreu ao Judiciário e a primeira turma do STJ entendeu que a tendência atual da legislação brasileira sobre o tema é a de permitir que as empresas se viabilizem, ainda que estejam em situação falimentar. Para os ministros da turma, as empresas em dificuldade devem ter garantido o direito de acesso a planos de parcelamento fiscal para que possam manter seu “ciclo produtivo”, os empregos e a satisfação de interesses econômicos e consumo da comunidade. Para o advogado, ainda que a discussão seja bem específica, se o governo vier a oferecer novos parcelamentos, as empresas em recuperação ou na situação falimentar não encontrarão os mesmos óbices que sua cliente – que hoje já encerrou suas atividades. Na avaliação do advogado Luiz Rogério Sawaya, do escritório Nunes, Sawaya, Nusman & Thevenard Advogados, ainda que trate de um caso específico, a decisão do STJ é um precedente importante porque a corte levou em consideração os propósitos da nova Lei de Falências. “Mas como é o primeiro julgado, não sabemos se o STJ continuará a julgar assim”, diz.
Em um outro caso, o STJ impediu o prosseguimento de penhoras sobre bens de uma empresa em recuperação judicial. O tribunal não concordou com a previsão da Lei nº 11.101 – a nova Lei de Falências -, que em seu artigo 6º, parágrafo 7º estabelece que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional (CTN) e da legislação ordinária específica. Para os ministros, processado o pedido de recuperação judicial, suspendem-se automaticamente os atos de alienação na execução fiscal até que o devedor possa aproveitar o benefício previsto na ressalva constante da parte final do parágrafo 7º do artigo 6º da lei – ou seja, o parcelamento especial. O advogado Luiz Antonio Caldeira Miretti, do escritório Approbato Machado Advogados, que também exerce a atividade de administrador judicial, afirma que o julgamento do STJ torna-se ainda mais importante por se tratar de uma decisão da segunda seção, que reúne as duas turmas que julgam o tema. “Com isso, acaba-se essa discussão”, diz.
Ao que parece, o Judiciário vem seguindo o entendimento da necessidade de preservação da empresa. O advogado Fernando Fiorezzi de Luizi, do escritório Advocacia De Luizi, afirma que a banca, em mais de seis casos, obteve na Justiça de São Paulo decisões favoráveis em execuções fiscais, sustentando a recuperação judicial como fato impeditivo da prática de atos danosos à empresa, tais como penhoras on-line e leilões. A tese utilizada é a de que os bens penhorados são essenciais para a empresa se recuperar e, portanto, não podem ser leiloados para pagamento do fisco, sob pena de se inviabilizar a recuperação da empresa.
Apesar de reconhecer a necessidade de uma regulamentação do parcelamento especial para a recuperação judicial, o diretor do Departamento de Gestão da Dívida Ativa da União, órgão da PGFN, Paulo Ricardo de Souza Cardoso, afirma que a orientação da Fazenda é a de conceder a essas empresas apenas o que permite a lei ordinária que trata do assunto – ou seja, 60 meses para o pagamento. Segundo ele, a Fazenda não pode trabalhar fora da previsão legal existente, enquanto não há a aprovação de uma norma que conceda parcelamentos mais benéficos.