Na quinta entrevista da série do Jornal do Comércio com ex-governadores do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB) avalia os efeitos da crise no País e no Estado. Afastado da vida pública desde a derrota nas eleições de 2006, o ex-governador vem percorrendo o Brasil em palestras que tratam da importância da reforma tributária.
Rigotto ressalta a necessidade da medida nesse momento de crise, a fim de garantir um sistema tributário mais eficiente e racional. Com a demora do Congresso Nacional em fazer avançar a proposta, ele sugere a convocação de um Congresso específico para tratar do tema, assim como da reforma política e da revisão do pacto federativo. No plano estadual, o peemedebista evita comentar a gestão de Yeda Crusius (PSDB), mas ressalta que a governadora está colhendo os frutos que foram plantados em sua administração à frente do Piratini (2003-2006), citando a atração de investimentos e a modernização da gestão. Ao projetar o quadro eleitoral de 2010, Rigotto se mostra mais simpático à possibilidade de disputar o Senado e indica o prefeito de Porto Alegre, José Fogaça (PMDB), como candidato a governador.
(por Gisele Ortolan)
Jornal do Comércio – A discussão da reforma tributária no Congresso era para ter começado em março, mas ainda não avançou. É culpa da crise econômica?
Germano Rigotto – Agora era a hora de fazer a reforma, para permitir um sistema tributário mais eficiente e racional, que daria condições ao Brasil de disputar em uma economia cada vez mais globalizada. A reforma tributária deveria ser priorizada. Mas estou muito pessimista, vejo que não vai acontecer pela falta de decisão política do Executivo e do Congresso.
JC – Há resistência?
Rigotto – A reforma esbarra, ainda, em alguns estados que têm uma visão conservadora. Eles resistem, inclusive, em mexer no ICMS, que não pode continuar com suas 27 legislações, com as mais de 40 alíquotas, numa guerra fiscal absurda. O sistema tributário e a federalização com a centralização de recursos nos cofres da União devem ser enfrentados.
JC – E os municípios?
Rigotto – Os municípios sofrem nesse momento, porque o governo federal teve que reduzir o IPI para evitar um desaquecimento forte da economia. Dessa forma, afetou o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o repasse para os estados. Então, é natural a mobilização das entidades municipalistas pedindo a compensação das perdas. Isso mostra o tipo de federação que temos. Por isso, não dá para jogar tudo para 2011. Para fazer andar as reformas política e tributária, além da redefinição do pacto federativo, quem sabe seria preciso a convocação de um Congresso revisor. Mas seria um crime perder esse tempo e jogar isso para 2011.
JC – Enquanto isso, o País sente os efeitos da crise.
Rigotto – Nas palestras que faço, tenho mostrado que o nosso País tem melhores condições de superá-la, pois encontrou uma situação de estabilidade institucional e política, com bons indicadores macroeconômicos, com a inflação contida e reservas cambiais altíssimas – são mais de R$ 200 bilhões. Outros países não têm este mercado interno forte. Este cenário de proteção permite que o País enfrente melhor a crise. A questão fiscal é tão boa que se fala em emprestar recursos para o Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas não há dúvidas de que a crise tem seus efeitos no Brasil, principalmente nos setores voltados à exportação, devido ao desaquecimento da economia mundial. Pode se sair mais rapidamente da crise, mas isso passa pelos governos, principalmente o federal.
JC – De que forma?
Rigotto – As medidas adotadas foram boas para amenizar os efeitos, mas outras ainda terão de ser adotadas. O Brasil tem a vantagem de ter bancos estatais como a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e o Bndes. Em um momento de crise, eles são ferramentas para fazer a mão do Estado chegar a setores mais impactados. Outra vantagem é a de que o sistema financeiro brasileiro, quando a crise chegou, estava muito mais regulamentado.
JC – Mas que outras medidas precisam ser adotadas?
Rigotto – Em uma atitude conservadora, o Banco Central (BC) errou, manteve alta a taxa Selic. Com uma redução maior, estaríamos em uma situação melhor. Como membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico, insisti, ainda em agosto do ano passado, sobre a importância de reduzir a taxa Selic. Dizíamos que a crise apareceria com mais força e desaqueceria as economias no mundo inteiro.
JC – Mas a taxa de juros está caindo.
Rigotto – A taxa básica de juros está em 11,25%, com um espaço enorme para redução. Se a mais recente decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) foi reduzi-la em 1,5 ponto percentual, significou R$ 7,5 bilhões em redução de despesas com o pagamento de dívida. Imagine o que representaria uma redução maior e o espaço que a União teria para fazer mais investimento e desonerar setores que precisam de ajuda. Se o governo fez bem ao desonerar os setores automotivo, da construção, há espaço para ampliar as desonerações mesmo com a queda de arrecadação provocada pelo desaquecimento. Junto com os compulsórios, a taxa Selic é a ferramenta para fazer com que tenhamos uma política monetária que aumente o crédito.
JC – A demissão do presidente do Banco do Brasil, Antonio Francisco Lima Neto, é um sinal de que o governo vai mexer na taxa de juros?
Rigotto – O governo tem que interferir com mais força. Demitiu o presidente do BB alegando que fazia com que o spread bancário fosse muito alto. Mas, se tivesse que demitir alguém, teria que ser o presidente do BC (Henrique Meirelles), que é quem está ocasionando esta taxa básica tão alta. Temos espaço para fazer com que o crédito chegue lá na ponta. Há falta de crédito para pequenas e médias empresas e a União tem que trabalhar na direção desses setores que precisam.
JC – Quando essa crise vai passar?
Rigotto – As previsões mostram 2009 com forte desaquecimento das economias e o PIB dos países chegando a dois pontos negativos. Vamos ter um ano de dificuldades, principalmente nos setores voltados à exportação de manufaturados. As commodities agrícolas devem ter vantagens – favorecendo o Rio Grande do Sul -, com recuperação de preço maior, pois vai faltar alimento no mundo. Mesmo que esse desaquecimento pegue a todos, ele impacta menos o alimento, o manufaturado. Impacta mais o produto industrializado.
JC – A governadora Yeda Crusius acertou nas medidas contra a crise?
Rigotto – Evito fazer análises sobre o atual governo. Posso falar sobre o meu. Governamos sob uma situação de déficit estrutural que chegava a R$ 1,5 bilhão anual. Tínhamos que cortar despesas, otimizar receita, modernizar a gestão. Quando vejo aquilo que semeamos ser colhido hoje, lamento não ser eu quem teve a oportunidade de fazê-lo. Governei por quatro anos, sendo três em situação desfavorável.
JC – Não teve boas safras.
Rigotto – Agora serão colhidas 23 toneladas de grãos no Rio Grande. Não é uma ação do governo. Foram safras espetaculares em 2007, 2008 e 2009, com o preço do produto agrícola tremendamente alto. Isso eu não tive e precisei administrar o Estado com baixa arrecadação e uma conjuntura que não tínhamos criado. Mesmo assim, atraíamos investimentos. Está aí o Polo Naval, a indústria do leite, o setor metalmecânico, a duplicação da GM, o centro de distribuição da Toyota – que era parte da preparação da chegada da montadora. Grandes investimentos que trouxemos hoje geram emprego e renda. Fomos o primeiro estado a elaborar nota fiscal eletrônica – o atual governo deu sequência -, ICMS eletrônico, pregão eletrônico, certificação digital, contratos de gestão nas estatais, além do controle matricial de despesa e receita.
JC – E o déficit zero, não é um avanço desse governo?
Rigotto – Foi construído em uma conjuntura favorável, com aumento da receita devido a estas safras espetaculares, sem os problemas que tivemos. Foi construído através das ferramentas de gestão que implementamos e que o atual governo deu continuidade, assim como através de outras ações que semeamos. A equipe da Fazenda estava no meu governo. Aod Cunha (ex-secretário da Fazenda de Yeda) era presidente da Fundação de Economia e Estatística (FEE), assim como o atual secretário, Ricardo Englert, já atuava na equipe da Secretaria da Fazenda. Parece que há pessoas que esquecem disso e da situação desfavorável em que governamos. Por uma questão de justiça, teriam que lembrar as ações que fizemos. O que semeamos está se colhendo. O mundo não começa a partir de um determinado momento, tem um conjunto de ações que permitiram que hoje a situação seja melhor.
JC – Se fosse governador, que medidas tomaria no enfrentamento da crise?
Rigotto – Não tenho que opinar sobre o atual governo. É uma postura que adotei e vou seguir. Se digo que o governo tem de estar atento aos setores mais impactados pela crise, não falo só do governo federal, falo dos governos estaduais. Lembro das iniciativas que tomamos, como reduzir o ICMS, a melhor legislação para as micro e pequenas empresas, desonerando-as e desburocratizando através do Simples gaúcho. No momento em que fizemos a desoneração, havia a necessidade de se dar competitividade a esses setores. O que os governos têm que fazer é ficar atentos aos setores que estão sendo mais impactados e de alguma forma socorrê-los.
JC – Que avaliação o senhor faz da parte política do governo do Estado?
Rigotto – Não cabe a mim fazer essa análise. Todos os governos que passaram pelo Estado foram muito mais cobrados do que em qualquer outro estado. Por respeitar quem pensava diferente, não tivemos turbulências durante nossos quatro anos de governo. Respeitava a crítica da oposição. Aquilo que chamo de pacificação das relações ficou claro durante a campanha eleitoral em 2002 e não foi diferente em 2006. Nunca me preocupei em agredir o adversário, mas em mostrar o que tínhamos condições de fazer. Isso não significa que não tive posições claras e firmes, além de atitudes difíceis de serem tomadas, como enfrentar a posição de uma corporação, que por mais justo que fosse o pleito, não tinha condições de atender. Nunca desrespeitei alguém que pensasse diferente. A maneira como agimos, não tenho dúvida, teve um resultado favorável, não para nós, mas para a mudança das relações políticas.
JC – O PMDB já está discutindo as eleições de 2010?
Rigotto – O PMDB gaúcho vai ter candidato a governador, diferentemente do PMDB nacional, que errou e parece que vai errar de novo ao não ter candidato à presidência da República nem um projeto nacional seu, ficando preso em rótulos de fisiologismo e clientelismo. A cúpula, distanciada da base, está mais preocupada com espaços nos governos. Isso aconteceu no governo FHC e também no de Lula, exatamente pela falta de um projeto alternativo ao PSDB e ao PT, embora tenha excelentes nomes como o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Mas, esse erro do PMDB nacional não vai ser repetido no Rio Grande do Sul, onde (o partido) buscará uma grande aliança para os próximos quatro anos.
JC – Essa aliança terá o senhor na cabeça de chapa?
Rigotto – O carinho que recebo pelo Rio Grande emociona. Sei que perdi uma eleição por diversas circunstâncias. Hoje, analisando, foram erros cometidos durante o processo eleitoral, como o de não me afastar do governo para não prejudicar o Estado, por todos acreditarem que já estávamos no segundo turno. Nas pesquisas e nas ruas se sentia isso. Não se mediu a transferência de votos que aconteceu nos últimos dias. Sei que tínhamos tudo para colher o que de bom semeamos em quatro anos. Aquilo machucou muito, doeu. Foi difícil de absorver.
JC – Mas o senhor vai ser candidato a governador?
Rigotto – Quando se fala em uma candidatura ao governo, acho natural essa lembrança, mas não posso deixar de analisar que uma coisa seria eu governando e colhendo aquilo que eu semeei quatro anos depois; outra coisa é ter essa interrupção de quatro anos. Meu nome também aparece como alternativa para o Senado. Se isso significar poder ajudar o Rio Grande do Sul em Brasília, ao lado do senador Pedro Simon (PMDB), na busca de um novo rumo para o PMDB, de fazer com que as reformas que estão emperradas avancem, posso dar a minha contribuição. Não tenho dúvida de que o Senado é uma alternativa. Mas será uma decisão minha?
JC – O senhor quer dizer que depende do partido?
Rigotto – Se o PMDB não tivesse outros excelentes nomes para concorrer ao governo, não tenho dúvida, seria candidato. Mas tem (o prefeito de Porto Alegre) José Fogaça, que facilitaria uma construção com o PDT, que junto com o PTB terá um papel muito importante nessa coligação. Fogaça se afasta para ser governador e José Fortunati (PDT) assume e conclui o mandato. Mas essa decisão deve ser tomada agora? Vamos ter toda uma discussão interna e, com muita calma, tomar a decisão.
JC – E o senhor aceitaria uma disputa nacional?
Rigotto – Não. Se tivesse vencido a eleição para o governo do Estado (em 2006), o PMDB teria candidato à presidência, ainda mais depois da disputa como pré-candidato com Anthony Garotinho, em que venci. Mas o PMDB não queria candidato à presidência. Estou escrevendo minhas memórias e vou contar o que leva a se fazer, na calada na noite, uma mudança de fórmula para mudar o resultado de uma prévia, que ganhamos. Estou sem mandato, fazendo um trabalho pelo Brasil, sendo convidado para palestrar, participar de reuniões. Mas é diferente de ter mandato. Hoje, se o PMDB tivesse um candidato a presidente, seria alguém com mandato. Como não ganhei a eleição do Estado, esse projeto ficou prejudicado, é natural que saia dos holofotes. Tenho que recuperar isso num processo natural de reconquista de espaço.
PERFIL
Germano Rigotto nasceu em Caxias do Sul (RS), onde iniciou sua vida política. Em Porto Alegre, cursou Odontologia e Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Eleito por duas vezes deputado estadual pelo PMDB, foi líder do governo de Pedro Simon (PMDB) e da bancada do partido, além de ter sido Constituinte Estadual. Na década de 1990, esteve entre os parlamentares gaúchos mais votados para deputado federal, cargo que exerceu por três legislaturas.
No Congresso Nacional, foi líder do PMDB e do governo Fernando Henrique Cardoso. Também coordenou a bancada gaúcha e o Núcleo Parlamentar de Estudos Tributários e Contábeis – trabalho voltado, especialmente, para a criação do Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos). Também no Parlamento, foi presidente da Comissão de Finanças e da Comissão de Reforma Tributária. Em novembro de 2002, Germano Rigotto foi eleito governador do Rio Grande do Sul com mais de 3 milhões de votos. Após concluir seu mandato (2003-2006), foi nomeado membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES), atividade que concilia com palestras por todo Brasil, falando especialmente sobre reforma tributária.