A Petrobras terá que se desdobrar para manter investimentos previstos para 2015 sem desrespeitar regras da Agência Nacional de Petróleo (ANP) ou provocar prejuízos para fornecedores nacionais. Com as principais empreiteiras brasileiras, investigadas na Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, impedidas de fechar novos contratos com a estatal, a empresa buscará fora do país uma forma de manter projetos em andamento. Já estão sendo convidadas empreiteiras estrangeiras para participar da próxima licitação. No entanto, como uma regra aprovada no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2010, determina que mesmo as empresas estrangeiras devem usar um percentual de materiais produzidos no Brasil para plataformas e navios de produção de petróleo, a Petrobras terá de negociar a aplicação da norma com as estrangeiras interessadas em participar das próximas concorrências. A indústria nacional teme ficar de fora e já critica a decisão.
Em fevereiro, a Petrobras fará a primeira grande licitação depois do início das investigações da Polícia Federal que levou à prisão ex-diretores da estatal e executivos de empreiteiras acusados de corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Será licitada a compra de módulos de compressão para seis unidades flutuantes de produção, armazenamento e transferência (FPSO, na sigla em inglês). Conhecidas como navios-plataformas, as FPSOs estavam sendo produzidas, até o fim do ano passado, pela Iesa Óleo e Gás, empresa que também está na lista das investigadas e proibidas de fechar contratos com a Petrobras. O acordo com a Iesa foi firmado em 2012 e previa um investimento de R$ 1,3 bilhão, mas foi cancelado em dezembro de 2014.
A Petrobras não informou a que empresas enviou convites para o certame de fevereiro nem se há brasileiras na lista, mas, nos bastidores do setor, as informações são de que apenas grupos estrangeiros foram chamados para a licitação. Entre eles estariam companhias da China e de Singapura, como a Keppel Fels, que já tem um estaleiro em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e de outros países, como a Cobra, da Espanha, e a Modec, do Japão. O motivo de preocupação na indústria brasileira é que não só as empresas estrangeiras ficarão responsáveis pela construção dos navios-plataforma como também privilegiariam fornecedores de fora.
Por meio de nota, a Petrobras confirma a reabertura do processo licitatório na área do bloco BMS-11 da Bacia de Santos para a compra de módulos de compressão para os FPSOs e ressalta a necessidade de acelerar o processo. “Considerando a criticidade de prontificação dos módulos de compressão para os projetos dos FPSOs, é requerido que as propostas sejam apresentadas ainda em fevereiro próximo”, diz a nota. O texto diz ainda que a estatal e seus parceiros “estão buscando a liberação judicial dos bens de sua propriedade, ora no canteiro da Iesa em Charqueadas”.
Críticas
O convite a empresas estrangeiras rendeu duras críticas de representantes da indústria nacional ouvidos pelo Petronotícias – site jornalístico especializado no setor –, que alegam que a decisão pode representar perdas de postos de trabalho no país. A estatal poderá também bater de frente com a política implantada no governo Lula de priorizar o conteúdo local. O Contrato de Concessões para Exploração, Desenvolvimento e Produção de Petróleo e Gás Natural 4861, firmado Agência Nacional de Petróleo (ANP) naquele ano, determina que as empresas devem garantir que fornecedores brasileiros “não sejam excluídos” do processos de produção e tenham “condições amplas e equânimes de concorrência”.
Segundo a norma contratual da ANP, os bens e serviços que apresentarem conteúdos locais inferiores a 10% serão considerados “integralmente importados”. Porém, a agência informa que o percentual mínimo exigido para o uso de materiais nacionais depende do tipo de contrato firmado entre a Petrobras e as empresas, podendo ser bem superior aos 10%. Segundo relatórios da ANP, nos quatro contratos analisados em 2015, as empresas não atingiram o percentual mínimo exigido do uso conteúdo local e foram aplicadas multas.
Para a produção dos navios-plataforma que vão operar no “polígono do pré-sal” – área que abrange as bacias de Campos e Santos –, o cronograma inicial previa a entrada em operação entre 2016 e 2018, sendo dois (P-66 e P67) no primeiro ano e três (P-68, P-69 e P-70) no segundo ano. A última plataforma começaria a funcionar em 2018. Com o cancelamento do contrato com a Iesa Óleo e Gás, os cronogramas serão alterados e a produção do pré-sal deve passar por atrasos. Segundo a assessoria da Petrobras, ainda não estão definidos os novos prazos para os navios-plataforma entrarem em funcionamento.
As plataformas FPSO são navios especialmente projetados para estocar e transferir óleo e gás em águas profundas, onde estão localizadas as reservas do pré-sal. Elas fazem parte de uma frota projetada pela Petrobras que segue parâmetros de simplificação de projetos e padronização de equipamentos. Ao atingirem a capacidade máxima de operação, estima-se que as plataformas produzam cerca de 900 mil barris de óleo diariamente. As FPSOs são grandes apostas da Petrobras para as extrações na bacia do pré-sal.
Impacto imediato
Grandes empresas nacionais de engenharia estão fechando as portas por causa de dificuldades financeiras e atrasos no pagamento de contratos firmados com a Petrobras. As companhias Tomé Engenharia e Alumini, antiga Alusa, entraram com pedido de recuperação judicial e podem encerrar suas atividades nos próximos meses, alegando dificuldades na relação com a estatal. A Petrobras rebate os argumentos das empresas e diz que os contratos com elas não foram aprovados pela diretoria de engenharia.
ENTENDA O CASO
Em 2012, a Petrobras e a Iesa Óleo e Gás firmaram um contrato de R$ 1,3 bilhão para a fabricação de módulos para seis unidades de navios-plataforma de produção, armazenamento e transferência de petróleo (P-66 a P-71). Os navios serão usados para a extração na bacia do pré-sal. A produção começou no estaleiro de Charqueados, no Rio Grande do Sul.
A Iesa é uma das investigadas na Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, com indícios de irregularidades em negociações com funcionários da Petrobras. Em novembro, o diretor da empresa, Otto Garrido Sparenberg, foi preso sob a acusação de participar em esquema de lavagem de dinheiro. A PF também cumpriu mandados de busca e apreensão na casa do presidente da Iesa, Valdir Carrero.
A Petrobras rescindiu o contrato com a Iesa. Com isso, a empresa, que já enfrentava dificuldades financeiras, comunicou a demissão de 1 mil funcionários que trabalhavam no estaleiro de Charqueados. A Iesa apresentou plano de recuperação judicial e prometeu estabelecer a uma forma de pagamentos de seus credores.
Em 29 de dezembro, a diretoria da Petrobras decidiu proibir novos contratos com 23 empresas envolvidas na Lava-Jato. Na lista estão as maiores construtoras do país.. A proibição não tem prazo de validade.
No começo deste ano, a Petrobras reabriu o processo de licitação para a construção das plataformas que precisam ser usadas nos navios P-66 a P-71. A estatal não confirma a lista de empresas convidadas a participar do processo, mas, nos bastidores, as informações apontam que foram feitos convites apenas para grupos estrangeiros, principalmente empreiteiras da China e de Singapura. O resultado está programado para o início de fevereiro.