O governo argentino abriu parcialmente o mercado de câmbio ontem para tentar estancar a sangria desatada das reservas internacionais do Banco Central da Argentina, atualmente em US$ 29,2 bilhões, patamar semelhante ao de 2006. No entanto, especialistas são céticos de que essa medida ajude a melhorar a situação do país e outras medidas serão necessárias.
O chefe de Gabinete de Ministros da Argentina, Jorge Capitanich, anunciou ontem as regras para a liberalização do mercado de câmbio, fechado desde 2012. O governo autorizou a compra de dólares pelos cidadãos, mas ela está limitada a US$ 2 mil por mês. Aqueles com renda mensal acima de 7,2 mil pesos (US$ 900) poderão adquirir a moeda norte-americana pagando um imposto de 20%, taxa que é zerada se os recursos foram usados em aplicações financeiras no país com prazos superiores a um ano.
As medidas já eram esperadas desde sexta-feira, dada a forte valorização do dólar na semana passada. O governo voltou atrás na decisão de reduzir de 35% para 20% o imposto para as compras com cartão de crédito no exterior. A taxa maior foi mantida. A moeda norte-americana manteve-se estável ontem, em torno de US$ 8 no câmbio oficial. No mercado paralelo, entretanto, a divisa americana era negociada a 12,25 pesos.
Na avaliação do economista David Rees, da consultoria britânica Capital Economics, essa acomodação do dólar é passageira. “A expectativa é de mais desvalorização no peso nas próximas semanas. Há novos riscos de um calote da Argentina. O valor das reservas cambiais correspondem ao equivalente de cerca de quatro meses de importações. E, sob forte pressão, poderá ser consumida mais rapidamente”, destacou. No mercado oficial, para especialistas, a tendência é que o preço continue a subir, passando dos atuais 8 pesos para 10 pesos nos próximos anos. “A menos que as autoridades dêem novos passos em direção a um ajuste fiscal para enfrentar agravamento dos desequilíbrios macroeconômicos, o peso poderá continuar caindo”, disse Rees.
Além das reservas, as pressões inflacionárias são outra preocupação, apesar de a desvalorização do peso ser positiva para o barateamento dos produtos argentinos. “Há um problema de oferta. A safra de grãos argentinas não foi boa e a indústria tem limitações de produção. Uma demanda externa causaria novas pressões nos preços internos”, explicou o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
REMARCAÇÃO DE PREÇOS O ministro da Economia da Argentina, Axel Kicillof, tentou tranquilizar a população na noite domingo ao afirmar que situação dos preços nos supermercados está “perfeitamente calma”. No entanto, as remarcações começaram no fim de semana. “A economia argentina está totalmente atrelada ao dólar. Ele é o indexador de preços. Se ele sobe, automaticamente, tudo é reajustado porque o tende a converter os preço em peso na equivalência com o dólar. Isso estimula os reajustes. Por isso, há muitas dúvidas em relação à eficiência dessas novas medidas. A população já se acostumou a comprar divisas num ambiente paralelo”, disse o professor de Economia do Insper, Otto Nogami.
Turista brasileiro favorecido
O derretimento do peso argentino no mercado cambial exige que os mais de 1,2 milhão de turistas brasileiros que visitam a Argentina anualmente façam e refaçam cálculos ao planejar a viagem. As fortes oscilações da cotação da moeda ante a demanda por dólar dos hermanos faz com que a escolha correta resulte em boa economia para o viajante. Apesar de pouco indicado em situações normais, especialista aponta que trocar dólar no Brasil e lá cambiar por peso é a melhor alternativa.
Ilegal, o mercado paralelo tem sido usado também por turistas brasileiros para baratear o custo da viagem. As trocas são combinadas abertamente nas redes sociais e em sites é possível saber a cotação das principais moedas. Enquanto nas casas de câmbio ontem pagava-se 3,84 e 8,20 pesos argentinos por cada R$ 1 e US$ 1, respectivamente, nos chamados arbolitos (como são chamadas as pessoas que compram e vendem moedas, principalmente na rua) as moedas valem 4,30 e 11,50 pesos argentinos.
Ou seja, no mercado paralelo, o real vale 12% e o dólar 40,2% a mais, segundo agências consultadas pelo Estado de Minas. Diante disso, é preciso fazer cálculos para verificar o que é melhor levar na viagem – ressaltando que o turista que opta pela operação no mercado negro (ou blue como é chamado no país vizinho) precisa se atentar aos riscos da troca de moeda na Argentina, devido à distribuição de notas falsas e aos riscos de golpes.
Segundo o coordenador do curso de Relações Internacionais e professor de economia do Ibmec, Reginaldo Nogueira, as medidas anunciadas ontem pelo governo argentino “são muito pequenas” e a demanda por dólares deve voltar a pressionar a taxa de câmbio. Ele afirma que o desprendimento entre a cotação oficial e o câmbio negro se deve ao fato de a taxa de câmbio estar distante da real demanda. Com isso, outras medidas terão que ser tomadas para liberar o mercado cambial. Ele ainda diz ser melhor comprar dólares aqui e fazer trocas graduais nas casas de câmbio da Argentina. E mais: “Não é indicado comprar peso aqui”.
COPA A demanda pela moeda brasileira pode ter aumento de demanda nos próximos meses devido à Copa do Mundo, influenciando na cotação tanto do mercado paralelo quanto do oficial. Segundo balanço da Fifa, os argentinos lideram a procura por ingressos para a Copa do Mundo, depois dos brasileiros, o que deve resultar em uma invasão dos hermanos. O professor, no entanto, avalia que apesar da influência outros fatores têm mais poder sobre a direção do câmbio.
Reflexo na indústria de MG
Exportadores de produtos e serviços de Minas Gerais para a Argentina temem novas restrições às importações do país, que, apesar de já ter dificultado a entrada de produtos estrangeiros no ano passado, permanece no ranking dos maiores parceiros do Brasil no comércio internacional. A eventual redução das compras preocupa, particularmente, os fabricantes de máquinas e equipamentos, convencidos de que o dólar valorizado em relação ao peso argentino tende a favorecer a indústria local, tornando-a mais competitiva. O raciocínio vale para outros segmentos importantes da balança comercial mineira, a exemplo dos produtos siderúrgicos, químicos e do setor automotivo, mas qualquer impacto da crise cambial só deverá ser sentido no médio e longo prazos.
O pior cenário para a indústria de máquinas será ver os produtores argentinos ganharem fôlego para competir e incomodar as empresas brasileiras, a exemplo do avanço chinês, observa Marcelo Luiz Moreira Veneroso, diretor regional da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). “O problema da concorrência chinesa é algo que podemos enfrentar em relação aos fabricantes da Argentina. Nos tranquiliza, mas não alivia, o fato de a indústria argentina estar muito defasada e, nesse ponto de vista em desvantagem frente à brasileira”, afirmou.
Peças automotivas e veículos representaram quase a metade (49,67%) da receita das vendas de Minas, seguidas de produtos metalúrgicos (ferro e aço), máquinas e instrumentos mecânicos, material elétrico e eletrônico; produtos químicos e alimentos, de acordo com levantamento do Centro Internacional de Negócios da Fiemg. O economista Alexandre Brito, especialista da instituição em comércio exterior, diz que qualquer avaliação sobre os efeitos da valorização do dólar frente ao peso argentino neste momento é prematura. “Perda é uma situação previsível, mas só depois de vencido esse período de instabilidade cambial é que os parceiros comerciais vão se sentar para renegociar contratos e não podemos nos esquecer de que o comércio de Minas com a Argentina se dá num fluxo tradicional e organizado”, afirma.