Desacreditado pela maior parte dos americanos, o presidente dos EUA, Barack Obama, iniciou um contra-ataque para retomar o controle da agenda política e sua popularidade, influenciar as eleições de novembro e definir seu legado na Presidência. Em seu quinto discurso anual sobre o Estado da União, em sessão do Congresso transmitida ao vivo no início da madrugada (horário de Brasília), ele declarou que não vai mais esperar a colaboração dos republicanos para implementar sua agenda, necessária, defendeu, para reduzir a desigualdade de renda histórica e restaurar as oportunidades econômicas e sociais para a classe média e os pobres, no que chamou de “projeto definitivo de nossa geração.” Desafiando a oposição, que barrou sua agenda legislativa em 2013 e promete manter-se inflexível, Obama decidiu aprofundar o uso de ordens executivas – que alteram políticas sem o aval parlamentar – e anunciou doze delas, abrangendo do mercado de trabalho à previdência, de energia à educação.
– O que eu ofereço esta noite é um conjunto de propostas concretas para acelerar o crescimento, fortalecer a classe média e construir novas escadas de oportunidade de acesso à classe média. Algumas precisam de ação do Congresso, e estou disposto a trabalhar com todos vocês. Mas os EUA não ficarão parados, nem eu ficarei. Sempre que eu puder dar passos sem o Legislativo para expandir oportunidades para mais famílias americanas, é isso que eu farei – disse Obama, que falou por uma hora.
A primeira ordem veio antes mesmo do discurso. A Casa Branca obrigará os fornecedores do governo a pagarem salário mínimo de pelo menos US$ 10,10 a hora, contra os US$ 7,25 do piso federal. Desde o discurso de 2013, Obama vem defendendo a elevação geral e reajustes anuais atrelados à inflação, para recompor o poder de compra dos trabalhadores, especialmente no setor de serviços. O Partido Republicano tem bloqueado o projeto de lei na Câmara.
Obama anunciou ainda a criação de um plano de aposentadoria para trabalhadores sem cobertura pelas empresas e medidas de treinamento de mão de obra, de ajuda a pessoas há muito desempregadas e de acesso à educação e à internet. Ele disse contar com a iniciativa privada e governos locais para contornar o obstrucionismo em Washington e implementar ações que ajudem a acelerar o crescimento, que deve ser, este ano, o mais rápido desde a crise.
– Acredito que este pode ser o ano de virada para os EUA. Depois de cinco anos de coragem e determinação, os EUA estão mais bem posicionados do que qualquer outra nação para o século XXI. Essa questão para todos neste plenário, através de cada decisão que tomarmos este ano, é se vamos ajudar ou deter este progresso – afirmou Obama, que recorreu à sua tática tradicional de contas histórias de americanos comuns, militares e empresários para arredondar seus argumentos em defesa dos pontos de sua agenda.
A exposição foi concebida para dissipar o pessimismo, reanimar a base progressista (especialmente as mulheres, que mereceram destaque no discurso), marcar as diferenças entre republicanos e democratas de olho nas eleições parlamentares de novembro (a oposição ameaça a maioria do governo no Senado) e restaurar credibilidade em sua gestão. A tarefa é difícil, porque o capital político de Obama esvaiu-se.
Na média, a taxa de aprovação de Obama é de 43%. Embora a taxa de desemprego esteja abaixo de 7%, o crescimento, na casa de 3%, e deficit público, em queda -, 68% dos americanos acham que a situação está pior ou estagnada sobre cinco anos atrás. O esforço retórico de Obama será complementado com um giro do presidente e do vice Joe Biden por cinco estados a partir de hoje.
Presidente faz apelo por progresso na reforma da imigração
Obama reconheceu que leis do Congresso ainda são necessárias para o sucesso de sua agenda e que a demanda do povo americano é por trabalho conjunto entre Executivo e Legislativo. Especialmente no caso da maior ambição democrata no segundo mandato, a reforma da imigração, que os republicanos na Câmara emitem finalmente sinais de endossar, ainda que de forma restrita.
– O Senado agiu. Eu sei que membros dos dois partidos na Câmara também querem agir (…) Então vamos concluir esta reforma este ano (…) Nos próximos meses, vamos ver quanto mais progresso podemos fazer juntos. Façamos deste um ano de ação – pediu Obama, que demandou do Congresso desde a renovação de benefícios a desempregados até reformas tributária e educacional, investimentos em infraestrutura, recursos para pesquisa e apoio à igualdade de gênero no mercado de trabalho.
Na plateia, a primeira-dama Michelle Obama recebeu em seu camarote convidados ecléticos, para demonstrar uma ampla coalizão – com destaque para as mulheres. Havia sobreviventes do atentado terrorista à Maratona de Boston, representantes dos dreamers (jovens imigrantes), expoentes de ações educacionais do governo, pessoas afetadas por cortes de auxílios a desempregados, grandes executivos, entre outros.
Um dos convidados era Amanda Shelley, assistente médica e mãe solteira do Arizona. Coberta desde 1 de janeiro com seguro adquirido no mercado comum online estabelecido pelo governo a partir de outubro, que obriga os americanos a comprarem cobertura de saúde até 31 de março deste ano, ele passou mal dia 3 de janeiro e no dia 6 fez uma cirurgia de emergência. Uma semana antes, ele teria ido à falência, salientou Obama, segundo o qual nove milhões de americanos já aderiram ao novo mercado e três milhões de jovens com menos de 26 anos tiveram cobertura garantida pelo seguro dos pais.
O presidente surpreendeu e não abordou os problemas técnicos que tornaram a estreia do mercado de saúde um pesadelo até o início de dezembro – um dos motivos para sua aprovação ter desabado. Ao contrário, pediu que os americanos já matriculados incentivem e ajudem outros a contratarem seguros e alertou o Congresso de que não aceitará novas batalhas em torno da nova legislação de saúde – o mais importante avanço de seu primeiro mandato.
– Não espero convencer meu amigos republicanos dos méritos desta lei – afirmou, arrancando risos da plateia. – Mas sei que o povo americano não está interessado em reeditar velhas batalhas. Novamente, então, se vocês têm planos específicos para cortar custos, cobrir mais pessoas e aumentar a possibilidade de escolha, digam aos americanos o que fariam de forma diferente. Vejamos se a conta fecha. Mas não vamos amealhar de novo 40 e poucos votos para derrubar uma lei que já está ajudando milhões de americanos como a Amanda. Os primeiros 40 foram suficientes, entendemos. Todos devemos ao povo americano dizer o que apoiamos, não só aquilo ao que nos opomos.
Obama defende medidas que fortalecem igualdade de gênero
Amanda foi uma das várias mulheres citadas por Obama em seu discurso, incluindo Michelle e a primeira presidente de uma grande montadora americana, Mary Barro. O presidente venceu as eleições de 2012 com 11 pontos de vantagem neste grupo e pretende reconquistá-lo fortemente, explorando a objeção republicana a várias ações que beneficiam as mulheres, como obrigatoriedade de cobertura de anticoncepcionais. Foi ovacionado ao defender medidas que fortaleçam a igualdade de gênero no mercado de trabalho.
– Hoje, mulheres são cerca de metade da força de trabalho. Mas ainda ganham 77 centavos por cada dólar recebido pelos homens. Isso está errado e, em 2014, é uma vergonha. Uma mulher merece pagamento igual, merece ter seu bebê sem sacrificar seu emprego, ter direito a dispensa para cuidar da criança doente ou dos pais debilitados sem que isso se torne um fardo. É hora de acabar com políticas no ambiente de trabalho que pertencem a um episódio de “Mad Men”. Este ano, vamos nos unir – Congresso, Casa Branca, empresários de Wall Street e do setor produtivo – para dar a cada mulher a oportunidade que ela merece. Porque acredito que quando as mulheres alcançam o sucesso, os EUA alcançam o sucesso – disse o presidente.
Políticas externas e de contraterrorismo
Obama disse que o fim da guerra do Afeganistão abre oportunidade única para que o Congresso acabe com as restrições que ainda permanecem a transferência de detentos para que a prisão de Guantánamo seja fechada – promessa da campanha de 2008 que o presidente ainda não conseguiu entregar, para decepção da esquerda americana.
– Contemos terrorismo não só com Inteligência e ação militar, mas ao permanecermos fiéis aos nossos ideais constitucionais e darmos exemplo ao resto do mundo – ressaltou.
Ele garantiu a continuidade da reforma da política de uso de drones e a implementação das mudanças nas atividades de espionagem. Obama advogou o valor da diplomacia como arma para a obtenção de avanços no tabuleiro internacional e citou como exemplo a Síria, onde negociações estou ocorrendo e armas químicas estão sendo destruídas. O presidente prometeu continuar a apoiar a oposição síria contra o ditador Bashar al-Assad.
Sobre o Irã, tentou dissipar o temor de republicanos e democratas no Congresso de que a Casa Branca esteja sendo ingênua e confiando excessivamente na disposição de Teerã em cooperar. Obama reafirmou que não hesitará em analisar “todas as opções” para evitar que os iraianos desenvolvam uma bomba nuclear, caso as conversas emperrem. Mas exigiu tempo:
– Essas negociações não se baseiam em confiança. Qualquer acordo de longo prazo com que concordemos terá de ser ancorado em ação verificável que convença a nós e a comunidade internacional (…) Se este Congresso me enviar agora uma lei com novas sanções que ameacem interromper as conversas, eu vou vetar. Pelo bem de nossa segurança nacional, temos de dar à diplomacia uma chance de sucesso.