A regra da fidelidade partidária virou fonte de uma explosão de infidelidade na Câmara. Para burlar a resolução sem descumpri-la, os políticos brasileiros criaram cinco novos partidos na última legislatura. O resultado foi uma migração recorde entre legendas na Câmara: 90 cadeiras trocaram de mãos, o maior número desde a era Collor. Este número equivale a 17,6% dos deputados. Eleita em 2014, a nova legislatura terá um recorde histórico de agremiações representadas: 28.
Mudanças significativas no quadro partidário nacional estão sendo costuradas nos corredores de Brasília, com o apoio silencioso do PT. Mentores intelectuais do PSD e do Pros, respectivamente, os ministros Gilberto Kassab (Cidades) e Cid Gomes (Educação) têm projetos de criar novos partidos para fazer frente ao PMDB. A direção do PR, que controla o Ministério dos Transportes, também se movimenta para atrair nanicos e insatisfeitos, por meio de uma nova legenda. Já o DEM aguarda o fim da Operação Lava Jato para reiniciar tratativas de fusão com outras legendas de oposição.
Kassab tenta desde o ano passado refundar o Partido Liberal (PL). A ideia seria criar um partido para atrair insatisfeitos e, depois, fundi-lo ao seu PSD. Estima-se que o ministro possa conseguir montar uma bancada de cerca de 70 deputados com essa manobra – que deve ser contestada na Justiça Eleitoral por DEM, PSDB e PPS. O partido já conseguiu 400 mil das 500 mil assinaturas necessárias.
Já Gomes visa fundir o Pros com outros partidos da base de apoio do governo – principalmente PDT e PCdoB, mas também com eventuais insatisfeitos dos oposicionistas PSB, PSol e do próprio PMDB. Por fim, o PR trabalha nos bastidores para criar o Muda Brasil, que serviria como uma espécie de “partido satélite”, agregando alguns nanicos.
Ainda que por vias diferentes, os três têm um fim comum: roubar o posto do PMDB de parceiro prioritário do PT no governo. Ao mesmo tempo, eles pretendem criar uma grande bancada que possa se contrapor aos 71 deputados peemedebistas, atraindo eventuais insatisfeitos. De longe, o PT vê com bons olhos as movimentações, visto que as rebeliões internas do PMDB são uma fonte de preocupação antiga do governo.
No outro lado da trincheira, chegou a ser especulada a fusão do DEM com outros partidos de oposição. Entretanto, as negociações esfriaram. Segundo o deputado paranaense Abelardo Lupion, uma das principais lideranças do partido, é preciso aguardar o desfecho da Operação Lava Jato. “Há o risco de fazer uma aliança com um partido envolvido [com as irregularidades na Petrobras]. Se isso acontece, você arrebenta com toda uma história [do DEM]”, afirma.
A precaução de Lupion faz sentido. Um dos partidos que poderiam se aliar ao DEM, o SD, tem uma de suas principais lideranças acusadas de envolvimento com o caso – o deputado baiano Luiz Argôlo.
As mudanças não devem parar por aí. Nos corredores de Brasília, três novos partidos estão sendo construídos por apoiadores do governo Dilma Rousseff para abarcar parlamentares que, mesmo sem tomar posse, já estão insatisfeitos com as legendas pelas quais foram eleitos.
A regra da fidelidade partidária foi estabelecida em resolução pelo TSE, em 2007. Após consulta realizada pelo DEM, o tribunal entendeu que os mandatos pertencem aos partidos, e não aos parlamentares. Logo, quando um parlamentar trocasse de legenda, ele deveria perder o mandato. Esperava-se, na época, que essa regra reduzisse o número de políticos que “viram a casaca” no meio de seu mandato – o que, de fato, aconteceu naquela legislatura, quando apenas 35 cadeiras trocaram de dono, número mais baixo desde a redemocratização.
Mas havia uma brecha na decisão: em caso de fusão ou criação de novos partidos, a regra não valeria. A partir de 2010, isso gerou uma nova modalidade de agremiação: o “partido-barca”. Para atrair opositores para a base de apoio, ou vice-versa, bastava criar uma nova legenda.
Em quatro anos, cinco novas agremiações passaram a compor a sopa de letrinhas da política brasileira: PSD, Pros, SD, PEN e PPL. Juntas, as três primeiras terminaram a legislatura com 87 deputados – 16,9% da Câmara. Desde 1995, quando o PPR e o PP se uniram para formar o PPB, não ocorriam mudanças tão relevantes no cenário partidário brasileiro.
O total de mudanças de cadeiras entre partidos na Câmara, considerando também trocas de deputados que renunciaram ou faleceram, chegou a 90. A última vez que isso havia ocorrido foi durante os governos de Fernando Collor e Itamar Franco – no total, 104 cadeiras trocaram de legenda.
Cada “partido-barca” teve uma função específica, mas ainda assim servindo como uma forma de driblar a regra da fidelidade partidária. Em 2011, o PSD foi criado por Gilberto Kassab para aglutinar insatisfeitos do DEM, seu partido original, e de outras legendas de oposição e migrar para a base de apoio ao governo.
Já em 2013, o Pros e o SD surgiram com funções exatamente opostas. O Pros, liderado pelos irmãos Ciro e Cid Gomes, foi formado por dissidentes do PSB que discordavam da candidatura de Eduardo Campos e queriam se manter no governo – e serviu, também, para abrigar outros insatisfeitos com suas legendas. Já o SD, liderado por Paulinho da Força, então no PDT, foi formado sob medida para aqueles que queriam fazer o inverso: cerrar fileiras com a oposição.
O resultado dessa explosão de novas legendas, somado ao crescimento de alguns nanicos, resultou no Congresso mais fragmentado da história: 28 partidos elegeram representantes para a Câmara em 2014.
Tradicionalmente períodos mais “mornos” para quem gosta de acompanhar a movimentação política, os anos ímpares ganharam um novo atrativo desde 2011. Desde que a regra da fidelidade partidária passou a valer, estes anos viraram a temporada de corrida para a criação de novos partidos. Em 2011, dois novos foram criados: PSD e PPL. Em 2013, outros dois saíram do forno: Pros e SD. A Rede, da ex-ministra Marina Silva, acabou ficando pelo caminho, mas pode ressurgir em 2015.
O motivo para essa corrida ocorrer nestes anos é o prazo para a troca de partido antes das eleições. Pelas regras, só pode se candidatar quem estiver filiado a um partido político devidamente registrado há pelo menos um ano. Portanto, se uma legenda consegue registro a menos de um ano das eleições, seus filiados têm de esperar até a eleição seguinte para participar – foi o que aconteceu, por exemplo, com o PEN, fundado no primeiro semestre de 2012. Como a legislação só protege políticos que trocam de partido até um mês depois de sua fundação, a nova legenda se torna pouco atrativa – o PEN, por exemplo, atraiu apenas dois deputados federais quando fundado.