Árido, a 5.058 metros do nível do mar e sem poluição luminosa, Atacama fascina astrônomos
Llano de Chajnantor, Chile —Caminhões empacam na estrada para este platô 5.058 metros acima do nível do mar, no Deserto de Atacama, onde cientistas estão instalando um dos maiores projetos astronômicos em solo de todo o mundo. Cabeças doem. Narizes sangram. A tontura toma conta dos pesquisadores que trabalham à sombra do vulcão Licancabur.
— Também há o que nós chamamos de ‘pernas bambas — disse Diego Garcia-Appadoo, astrônomo espanhol que estuda a formação das galáxias. — Você fica exausto, como se tivesse acabado de correr uma maratona.
No entanto, as mesmas condições que tornam tão inóspito o Atacama, o deserto mais seco do mundo, também o tornam fascinante para a astronomia. Longe das grandes cidades, o Atacama tem uma escassez de poluição luminosa. Seu clima árido impede que os sinais de rádio sejam absorvidos por gotículas de água. A altitude, igual à dos campos de base do Himalaia, onde os escaladores se preparam para subir o Monte Everest, deixa os astrônomos mais perto do céu.
Aberta em outubro do ano passado, a Matriz Atacama de Largo Milímetro/submilímetro, conhecida como ALMA, terá espalhado 66 antenas de rádio perto da espinha dorsal dos Andes quando estiver completa, no ano que vem. Atraindo mais de US$ 1 bilhão em financiamentos, especialmente dos Estados Unidos, de países europeus e do Japão, a ALMA ajudará os cientistas desprovidos de oxigênio que estão correndo para esta região para estudar as origens do universo.
O projeto também fortalece a posição do Chile na vanguarda da astronomia. Já existem observatórios espalhados por todo o Atacama, entre eles o Observatório de Cerro Paranal, onde cientistas descobriram, em 2010, a maior estrela já observada até hoje, e o Observatório Interamericano de Cerro Tololo, que foi fundado em 1961 e sobreviveu ao tumulto da revolução e contrarrevolução dos anos 1970.
Mas a ALMA é o início de uma nova era para a astronomia no Chile, que é favorecido por organizações internacionais de pesquisa por causa da estabilidade de seus sistemas econômico e legal. Como outros radiotelescópios, a ALMA não detecta luz óptica, mas ondas de rádio, permitindo que os pesquisadores estudem partes do universo que são escuras, como as nuvens de gases frios de onde as estrelas são formadas.
Com a ALMA, astrônomos esperam descobrir onde as primeiras galáxias foram formadas, e talvez até detectar sistemas solares capazes de suportar vida, com planetas que contêm água. Mas os cientistas daqui exercem cautela em relação às suas chances de encontrar vida em outros lugares do universo, explicando que as provas definitivas provavelmente continuarão a ser um mistério.
— Não conseguiremos ver formas de vida, mas talvez sinais de vida — disse Thijs de Graauw, astrônomo holandês que é o diretor da ALMA.
Apesar disso, cientistas acreditam que a ALMA possibilitará saltos transformacionais na compreensão do universo, permitindo a busca pelos chamados traços de gás frio — as cinzas de estrelas que explodiram cerca de algumas centenas de milhões de anos depois do Big Bang, uma era que astrônomos chamam de “aurora cósmica”.
Segundo Jesus Mosterin, importante filósofo espanhol que escreve sobre a fronteira entre a ciência e a filosofia, e que visitou o observatório no ano passado, a construção da ALMA está ocorrendo “no único momento da história no qual as janelas para o universo estão sendo escancaradas”.
O Chile não é o único país que atrai grandes investimentos com projetos astronômicos. A África do Sul e a Austrália estão competindo para receber um radiotelescópio ainda maior, a Matriz de Quilômetro Quadrado, que pode estar completamente operacional em 2024. A China já começou a construir seu próprio radiotelescópio gigante em um local parecido com uma cratera, na província sulista de Guizhou.
Ao mesmo tempo, a crise financeira em países ricos e industrializados tem levantado preocupações de que o financiamento para alguns projetos astronômicos ambiciosos possa sofrer cortes. Nos Estados Unidos, um painel no congresso no ano passado propôs o cancelamento do Telescópio Espacial James Webb, da NASA, antes que um plano de compromisso de gastos salvasse o projeto.
— Seria muito triste para a humanidade se fossemos tão espiritualmente decadentes que abandonássemos os prazeres da consciência e do conhecimento — disse Mosterin, refletindo sobre as escolhas de financiamento que os políticos precisam fazer. — Essas coisas tornam o ser humano um animal realmente interessante.
A Unidade de Apoio Operacional da ALMA, um posto avançado construído para os cientistas no Atacama, oferece um vislumbre dos esforços que o ser humano faz por descobertas astronômicas. De Chajnantor, onde redemoinhos de poeira dançam sobre a planície e o clima extremo geralmente inclui chuvas e tempestades de areia, uma estrada de terra segue até a unidade, passando por cactos gigantes e manadas de burros selvagens e vicunhas.
A unidade, a 2.900 metros de altitude, abriga cerca de 500 pesquisadores e outros funcionários em containers transformados em abrigos. Em um sistema parecido com o das plataformas de petróleo em alto mar, os cientistas se alternam em turnos de até 12 horas por oito dias seguidos. Muitos deles viram a noite trabalhando.
Uma placa na área de containers para os cientistas da ALMA que dormem durante o dia diz: “Zona de Silêncio”.
Os supervisores aplicam outras regras, garantindo um ambiente de trabalho quase tão austero quanto a paisagem ao redor, que lembra a de Marte. Bebidas alcoólicas são proibidas, e os que são encontrados bebendo depois de visitas à cidade de San Pedro de Atacama, a 30 minutos de carro da unidade, devem esperar no posto de segurança até que os efeitos do álcool desapareçam, antes de entrar no complexo futurista.
Na sala de controle, onde astrônomos passam horas estudando monitores que exibem a matriz de antenas, um certo tipo de humor negro prevalece.
“Estamos bem, na sala de controle, os 17”. diz uma mensagem escrita em um pedaço de telha, presa à parede depois que o alarme de incêndio disparou na unidade, em 2011, prendendo as pessoas que estavam dentro da sala de controle, até que eles conseguiram derrubar a porta.
O bilhete é um piada com o acidente de mineração ocorrido em 2010 e o subsequente resgate de 33 mineiros no deserto chileno, durante o qual os homens presos enviaram um bilhete para a superfície dizendo: “Estamos bem, no refúgio, os 33”.
Acontecimentos em outros lugares do Chile ocasionalmente causam alguma preocupação na unidade, como os protestos antigovernamentais que se espalharam por algumas regiões remotas do país este ano e, em março, alcançaram a cidade mineira vizinha de Calama.
— Os protestos não representam uma preocupação direta — disse de Graauw, o diretor da ALMA. — Eles são parte de um processo democrático, e não uma revolução.
Apesar disso, às vezes parece que os astrônomos que trabalham na unidade estão tão afastados do mundo ao seu redor quanto os mineiros que trabalham abaixo de outras partes do Atacama. O inglês prevalece como idioma principal do observatório, unindo cientistas de dezenas de países diferentes.
Uma sensação de deslumbramento ainda acompanha a instalação de cada nova antena. Dois enormes veículos transportadores, fabricados na Alemanha, cada um com 28 pneus e motores equivalentes a dois carros de corrida da Fórmula 1, são usados para transportar as antenas. Chamados de Otto e Lore, eles parecem enormes centopeias mecânicas atravessando a paisagem árida.
— Há uma quietude que toma conta de você em Chajnantor — disse Lutz Stenvers, engenheiro alemão que chegou ao local em 2008 para liderar uma equipe da General Dynamics, que está construindo as antenas. — Dá para entender por que eles escolheram este lugar.