O aumento da percepção de risco provocada pela crise financeira internacional e o crescimento dos questionamentos judiciais e administrativos sobre os atos dos diretores e conselheiros das companhias intensificaram a busca pelos mecanismos de proteção para esses executivos. Os volumes de receitas dos seguros de responsabilidade de administradores e diretores, conhecido como D&O (Directors&Officers, em inglês), vêm crescendo no país, e os prêmios apurados em outubro de 2008 superaram a cifra de R$ 19 milhões, o valor mais alto já registrado num mês desde que a Superintendência de Seguros Privados (Susep) começou a contabilizar os dados, em 2003. Para este ano, a perspectiva é que esse nicho continue aquecido.
As apólices desses seguros, em geral, cobrem os custos com advogados e outros do processo de defesa do executivo, além de valores negociados em eventuais acordos. Mas não cobre multas recebidas, por exemplo. Isso porque não pode haver cobertura em caso de culpa. Caso contrário, poder ser um estímulo para más condutas, inclusive.
De acordo com especialistas, a crise contribuiu para aumentar a demanda pelo produto, já que os riscos ficaram mais evidentes, o que ficou nítido porque mais apólices passaram ser acionadas. Além disso, surgiram as primeiras ações coletivas de investidores estrangeiros (chamadas de \”class actions\” em inglês) contra empresas e executivos do Brasil, após as perdas com derivativos da Aracruz e da Sadia, o que também acendeu os alertas para os administradores de forma geral.
Outro aspecto que reforça essa demanda é o aperto do Judiciário e dos reguladores. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está cada vez mais enfatizando a responsabilidade não apenas da empresa, mas do administrador, individualmente.
Não à toa, dizem especialistas, o movimento de procura pelo seguro de responsabilidade do administrador começou por aqui pelas grandes companhias abertas, principalmente as que possuem ações negociadas nos Estados Unidos. Desde o ano passado essa busca voltou a se intensificar, não só pelas principais companhias abertas, como por outras médias e até pelas fechadas.
\”Em outubro, novembro e dezembro ocorreu não só um aumento da procura, mas também dos valores dos prêmios nos seguros de D&O\”, disse Leandro Martinez, gerente da Chubb Seguros. Ou seja, não só a demanda, mas os custos de fazer esses seguros ficaram maiores.
O seguro é utilizado especialmente no exercício da atividade em companhias abertas. Roberto Faldini, conselheiro de cinco empresas, sendo uma delas a Sadia, só possui o serviço de seguro nas duas abertas em que atua. Trabalhando como conselheiro desde a década de 80, Faldini já participou do conselho de 15 companhias no Brasil e no exterior desde então. Até hoje, nunca usou o serviço dos seguros, mas acredita que é um ferramenta importante. \”É natural que haja crescimento, pois as fragilidade ficaram evidentes.\”
Para Eduardo Pitombeira, diretor da seguradora Zurich, o aumento dos volumes de prêmios está parcialmente relacionado com a crise, principalmente por terem surgido as primeiras ações conjuntas de investidores estrangeiros contra companhias abertas e administradores locais. \”Isso de fato reforçou a necessidade de uma proteção maior, principalmente para companhias listadas fora do país\”, disse.
Já o diretor executivo da Unibanco Seguros, Ney Dias, concorda que a demanda está aquecida, mas pondera que o número de outubro também foi influenciado por um volume atípico de renovações antecipadas de apólice, uma vez que muitos estavam temerosos em perder a possibilidade de contar com alguns resseguradores eventuais em seguros de grande porte, como é o caso do D&O. \”Esse mercado teve a entrada de muitos novos \’players\’, o que tinha reduzido os preços dessas apólices. Isso vem se modificando\”, disse ele. Para 2009, a perspectiva do executivo é que a demanda continue forte e as taxas também fiquem nesses níveis mais altos.
Os especialistas lembram que a preocupação com esse tipo de seguro ficou mais nítida no início da década, após os casos Enron e WorldCom e também depois do novo código civil, que passou a valer em 2002, e da intensificação do uso do mecanismo chamado de penhora eletrônica. Os riscos foram ficando progressivamente mais visíveis para os administradores das companhias, que passaram a reforçar a preocupação com a blindagem contra ações judiciais e administrativas e o risco de ter os bens bloqueados.
\”Os executivos começaram a se dar conta de que um dia podem acordar com os bens bloqueados por conta de um cargo de administrador que exerceram há muito tempo numa companhia, à qual já nem estão mais ligados\”, explica Pedro Paulo Cristófaro, sócio do escritório Motta, Fernandes, Rocha Advogados. Ele lembra que não apenas questionamentos societários, mas também tributários e trabalhistas, acabam hoje resvalando o administrador.
O diretor de participações da Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil (BB), Joilson Rodrigues Ferreira, concorda. Ele, que coordena um batalhão de cerca de 130 conselheiros titulares (entre membros de órgãos de administração e fiscal) – representantes do fundo nas companhias em que a Previ investe – diz que a preocupação com esse aspecto é crescente. \”Geralmente, o seguro é feito pelas companhias de maior porte, mas nas que não possuem buscamos outros mecanismos, como o chamado contrato de indenidade\”, explica. Segundo ele, esses contratos buscam assegurar que a empresa vai oferecer algum tipo de respaldo ao conselheiro, como um advogado para defesa, caso ocorra algum tipo de questionamento.
Com a abertura do resseguro, as apólices locais de responsabilidade de administradores puderam também ficar maiores, sendo que hoje chegam a alcançar cerca de R$ 200 milhões a R$ 250 milhões (contando um contrato para vários administradores de uma empresa), de acordo com informações das seguradoras.
O advogado Paulo Aragão, sócio do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão, acredita que as perdas locais com derivativos colocaram em evidência os riscos de ser administrador de uma companhia aberta, especialmente para os membros do conselho de administração. \”A diretoria tem maior controle sobre o que acontece na empresa do que o conselheiro.\” Na opinião dele, o problema de um cenário como este é tornar o risco elevado demais a ponto de reduzir a disposição de pessoas competentes para a função. É nesse ponto que os seguros cumprem um papel importante.
Na opinião de Mauro Rodrigues da Cunha, presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o seguro D&O tem função estratégica. \”Ser administrador de empresa aberta é uma equação de custo e benefício para o conselheiro.\” Dessa forma, é preciso que as ferramentas a serviço desse profissional sejam bem montadas para garantir que continue sendo uma função interessante.