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18 de abril de 2024Novato na política, o vereador de Belo Horizonte Cláudio Duarte (PSL) foi preso esta semana em investigação que aponta desvio de R$ 1 milhão do Legislativo. O parlamentar, que está em seu primeiro mandato, é suspeito de prática ilegal que é velha conhecida dos políticos, a chamada “rachadinha” – a exigência de que funcionários repassem a eles parte dos salários.
As investigações indicam que o caso não é o único na Câmara Municipal de BH. Uma vez confirmadas essas práticas vão se somar a dezenas ocorridas no país. Somente em Ipatinga, no Vale do Aço, cinco vereadores foram presos e afastados em fevereiro por causa da “rachadinha”.
O termo ficou em voga no país desde o fim do ano passado, quando veio à tona investigação do Ministério Público na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que viu movimentações suspeitas de 27 deputados estaduais, incluindo o filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o agora senador Flávio Bolsonaro, do mesmo partido do pai e do vereador de BH Cláudio Duarte.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou 48 depósitos em dinheiro numa conta de Flávio Bolsonaro, em um mês. Também indicou movimentação atípica de R$ 7 milhões na conta de Fabrício Queiroz, assessor dele, em três anos.
Em BH, as investigações apontam que os funcionários de Duarte recebiam os salários e, ao sacarem o dinheiro, devolviam parte do vencimento. De acordo com a polícia, somente um dos servidores, que ganhava R$ 11 mil, devolvia R$ 10 mil, ficando apenas com R$ 1 mil. A estimativa é de que Cláudio Duarte tenha ficado com R$ 1 milhão desde o início de seu mandato, em 2017.
Apesar de preso, ele continua recebendo o salário de R$ 17,6 mil. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) dá sequência às investigações e não está se pronunciando sobre o processo.
Em Ipatinga, no Vale do Aço, mais de um quarto dos parlamentares foi punido com prisão e afastamento do cargo por exigir parte do salário de seus assessores. Cinco dos 19 vereadores são acusados da prática. Quatro continuam presos e um está usando tornozeleira eletrônica. “Outras investigações estão em curso”, ressalta o promotor de Justiça Francisco Ângelo Silva Assis, do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), regional do Vale do Aço.
O grupo de investigadores, composto por MPMG e polícias Civil e Militar, identificou mais de 60 crimes associados à prática, entre eles peculato, lavagem de dinheiro, concussão – exigir vantagem usando do cargo público – e integração de organização criminosa. Se aplicadas ao pé da letra, as penas ultrapassam um século de prisão. “A maioria dos vereadores já contratou o funcionário com essa condição”, diz Francisco Ângelo.
O promotor explica que o dinheiro era usado para diversas finalidades. “Houve parlamentar que contratou terceiros que não poderia, outros que pagaram despesas pessoas. Há casos de pagamento de publicidade”, enumera. Os recursos públicos também foram usados para a compra de apoio político. “A justificativa era que o dinheiro era distribuído para o povo”, diz. Os vereadores foram imediatamente afastados do cargo e não recebem salários desde então.
O diretor e cofundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o advogado Luciano Santos, afirma que a rachadinha é uma “prática habitual no Legislativo”.
Segundo ele, é difícil haver prevenção para as práticas desse tipo. Uma das possibilidades é a diminuição do número de cargos comissionados, com a substituição por servidores concursados. No Judiciário, por exemplo, há maior número de efetivos, ainda que nos gabinetes particulares dos magistrados.
“Essa é uma medida efetiva para diminuir esse tipo de barganha, porque reduz o poder que o político tem de contratar pessoas”, afirma. Na Câmara de BH, um vereador pode contratar até 18 funcionários, sendo que os salários vão de R$ 1.133,77 a R$ 15 mil, a depender do acúmulo de atribuições do servidor.
A Lei da Ficha Limpa, que começou a valer em 2012, é um dos instrumentos para barrar corruptos e criminosos no poder, mas Santos reconhece que nem sempre esse filtro é o suficiente. “É uma questão de caráter, de ética. O que não pode deixar é reeleger essas pessoas”, afirma.
O presidente da Associação Brasileira de Câmaras Municipais (Abracam), Rogério Rodrigues da Silva, que por seis mandatos foi vereador no município de Coromandel, no Alto Paranaíba, reconhece que há muitas conversas de que a prática exista no Legislativo – municipal, estadual e federal, mas não trata o crime como recorrente. “A gente escuta, teve até a suspeita do filho do Bolsonaro. Mas não se pode uniformizar porque um comete um desvio de conduta. Acredito ser fato isolado”, diz.
Não há levantamento da entidade que dê a medida do problema nas câmaras municipais. Somados os 5.570 municípios brasileiros, o país têm 57.377 vereadores. Segundo a Abracam, um vereador custa, em média, R$ 170 mil por ano aos cofres públicos. O salário é de 20% a 75% da remuneração do deputado estadual.
Rodrigues observa que a prática contradiz o papel de um parlamentar. “Temos o poder de fiscalizar. Temos que ser exemplo pra que possamos desenvolver nosso trabalho com mais credibilidade. Como um vereador que faz ‘rachadinha’ vai fiscalizar o poder público?”, afirma. “Espero que esses maus exemplos não respinguem em outras câmaras”, completa.