Em recente decisão exarada em sede de Agravo de Instrumento, a 7ª Câmara de Direito Público do TJSP acolheu pedido de contribuinte para fins de determinar o afastamento da penhora sobre créditos da empresa recorrente junto a seu parceiro comercial.
Entendeu o Desembargador Relator que:
É de se ressaltar que o numerário que se quer penhorar equivale a penhora sobre o faturamento. A questão central é encontrar um meio termo entre a inadmissibilidade da constrição e sua possibilidade, sob pena, de um lado, tornar o processo de execução ineficaz, e de outro, inviabilizar a continuidade da própria existência das atividades da pessoa jurídica devedora, com verdadeira quebra do estabelecimento comercial.
É evidente a ilegalidade da medida pretendida pela Fazenda Estadual de São Paulo, uma vez que a penhora dos ditos “créditos comerciais” possui procedimento e efeitos idênticos aos da penhora sobre o faturamento. Caso determinada a medida pelo Juízo, o parceiro comercial da empresa executada estaria obrigado a destinar 30% do montante a ela devido – em decorrência da comercialização de produtos fabricados pela executada – à satisfação de débitos tributários, devendo depositar em favor do Fisco esses valores. A empresa executada, portanto, receberia somente 70% do valor referente à venda de seus produtos. O prejuízo, neste caso, é enorme, podendo prejudicar a continuidade das atividades da empresa.
Por tais razões, é evidente que tal medida assemelha-se à penhora do faturamento da empresa; ademais, esta modalidade somente é autorizada mediante o preenchimento de requisitos obrigatórios, quais sejam, a não-localização de outros bens e o não-comprometimento da atividade empresarial.
A decisão do TJSP ora em comento obedece à linha interpretativa fixada pelo STJ, o qual determina que a penhora sobre o faturamento da empresa inviabiliza seu funcionamento e somente deve ser adotada em casos excepcionais:
É possível a penhora recair sobre percentual do faturamento ou rendimento de empresa, apenas em caráter excepcional, ou seja, após a tentativa frustrada de constrição dos bens arrolados nos incisos do artigo 11 da Lei nº 6.830/80.
(AgRg no REsp 1085409/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 27/03/2009)
A penhora sobre percentual do movimento de caixa da empresa-executada configura penhora do próprio estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, hipótese só admitida excepcionalmente (§ 1º do art. 11 da Lei n. 6.830⁄80), ou seja, após ter sido infrutífera a tentativa de constrição sobre os outros bens arrolados nos incisos do art. 11 da Lei de Execução Fiscal.
(EREsp 48.959⁄SP, relatado pelo Ministro Adhemar Maciel).
O que pode acontecer é a penhora em dinheiro. Nunca em renda. Renda é o que acontece durante o funcionamento do estabelecimento o que se apura de acordo com a mercadoria repassada a terceiros. Nessa hipótese só na previsão do art. 678.
(Ministro Demócrito Reinaldo, no julgamento do Recurso Especial nº 163.549)
Está claro que impedir a empresa de receber valores de créditos comerciais, ou seja, o pagamento oriundo da comercialização de seus produtos, irá impedi-la de honrar determinadas dívidas, tais como o pagamento de funcionários, fornecedores e tributos. E, como se sabe, o inadimplemento destes obsta o prosseguimento da atividade empresarial.
Por outro lado, importante frisar que a penhora do faturamento afeta o capital de giro da empresa, assemelhando-se à penhora do estabelecimento comercial, eis que o capital de giro integra o fundo de comércio. Assim, embora o dinheiro ocupe o primeiro lugar na escala de preferências para a penhora, conforme redação da Lei de Execuções Fiscais, não se tolera sua constrição quando esteja ele representando pelo capital de giro da empresa devedora.
No que pertine à matéria ora em comento, o Código Tributário Nacional reserva às hipóteses em que não encontrados bens ou inadimplemento a autorização para que o Juiz determine a efetuação da penhora on-line¹. Possibilitar a efetivação da penhora dos ativos financeiros do contribuinte antes de efetuadas as diligências a fim de encontrar bens passíveis de penhora viola os princípios que regem o processo de execução fiscal, e, em última análise, atenta contra o direito ao trabalho, garantido constitucionalmente.
Por direito ao trabalho entende-se não somente a proteção ao trabalhador e a garantia de seus direitos mais básicos, como também o amparo ao próprio direito de trabalhar, e, por extensão, ao direito de empreender. Por outro lado, a ingerência do Poder Judiciário nas contas bancárias do contribuinte representa inaceitável interferência do Estado na propriedade privada, o que também é vedado pelo direito brasileiro.
Percebe-se também que a penhora sobre créditos comerciais configura sanção política, ao ser aplicada contra o contribuinte devedor que, no mais das vezes, é inadimplente por razões que refogem à sua vontade. Expedientes desse estilo são rechaçados pela doutrina e pela Jurisprudência pátria:
Os governos federal, estaduais e municipais devem preocupar-se, sim, em entrar em juízo, cobrar, penhorar, em fazer valer os seus direitos de arrecadação, mas nunca devem execrar o contribuinte, nunca devem humilha-lo ou ameaça-lo como está sendo feito. Inclusive, isso já foi matéria de discussão no Supremo Tribunal Federal.
É preciso compreender que a sanção política se dá por meio da invasão dos poderes públicos na esfera das riquezas privadas. Isso está totalmente regulado na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional. Então, basta fazer valer esses direitos existentes. ²
Importa destacar que o texto constitucional comporta diversos outros princípios que servem de argumento para rejeitar os abusos e ilegalidades cometidos pelo Poder Público em detrimento do contribuinte: trabalho e livre iniciativa elevados à condição de fundamentos da República (art. 1.º, IV); trabalho como direito social (art. 6.º); consagração do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos da ordem econômica do Brasil (art. 170).
Com efeito, os exemplos acima transcritos harmonizam-se com o restante do texto constitucional que, em última análise, busca congregar esforços a fim de concretizar os objetivos fundamentais da República expressos no artigo 3.º da Constituição Federal.
Portanto, a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é acertada ao coadunar-se com as normas constitucionais e infraconstitucionais, buscando proteger o empresário contribuinte das táticas desleais e ilegais utilizadas pelo Fisco. Por outro lado, urge ao Administrador Público empreender esforços a fim de afastar o uso das más práticas, de forma a tornar a relação entre fisco e contribuinte mais leal, justa e transparente.
Dra. Julia Fiorese Reis
1. Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.
2. SIQUEIRA, Édison Freitas de. Débito Fiscal: análise crítica e sanções políticas. Porto Alegre : Sulina, 2005, p. 57.