O Supremo Tribunal Federal (STF) aguardará o voto do ministro Celso de Mello para finalizar o julgamento de liminar em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2362 e 2356) contra o artigo 2º da Emenda Constitucional (EC) 30, que em 2000 determinou o pagamento de precatórios de forma parcelada.
O dispositivo contestado acrescentou o artigo 78 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Na prática, ele possibilitou o parcelamento de precatórios em até dez prestações anuais, iguais e sucessivas. Isso tanto para créditos pendentes de pagamento na data de promulgação da EC 30, em 13 de setembro de 2000, quanto para créditos que viessem a ser gerados por ações judiciais iniciadas até o fim do ano de 1999.
Nesta quarta-feira (10), formou-se uma maioria de seis votos para suspender a parte do dispositivo (caput do artigo 78 do ADCT) que incluiu no parcelamento os precatórios decorrentes de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, ou seja, de créditos que sequer tinham sentença na época da promulgação da Emenda Constitucional.
Os ministros que se posicionaram dessa forma são o relator das ações, Néri da Silveira, já aposentado, e os ministros Ellen Gracie, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Cármen Lúcia e Marco Aurélio.
Com relação à parte do dispositivo que trata do parcelamento de precatórios pendentes de pagamento na data de promulgação da EC 30, houve empate de cinco votos pela concessão da liminar e, portanto, suspensão do dispositivo, e outros cinco votos pela manutenção da norma até o julgamento final das ações.
Os cinco votos pela suspensão dessa parte do dispositivo são dos ministros acima, com exceção da ministra Ellen Gracie. Nesse ponto, ela se alinhou aos outros quatro ministros que indeferiram o pedido de liminar nas ações e, portanto, votaram pela manutenção da Emenda Constitucional: Eros Grau, Joaquim Barbosa, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.
O voto do ministro Celso de Mello será aguardado para desempatar essa parte do julgamento.
Oito anos
O julgamento da matéria começou há oito anos, em fevereiro de 2002, quando o relator votou pela concessão da liminar pedida pelas autoras das ações, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na ocasião, a ministra Ellen Gracie pediu vista.
Ela retornou com o processo em setembro de 2004, quando deferiu a liminar em parte. Nessa mesma sessão, o ministro Ayres Britto acompanhou o relator. Já os ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa indeferiram integralmente o pedido de liminar.
Nesta tarde, o julgamento foi retomado com o voto do ministro Cezar Peluso, que havia pedido vista em 2004. Ele também acompanhou integralmente o relator.
“A Emenda Constitucional 30 aboliu direitos e garantias individuais de certas classes de cidadãos”, afirmou o ministro. Segundo ele, “a inadimplência sistemática das Fazendas Públicas, cuja evocação é a única coisa concebível como escusa desse excesso do constituinte derivado, era e é fruto não de dificuldades financeiras súbitas e imprevisíveis, senão do permanente descaso administrativo e da rotineira prevalência de outros interesses sobre o dever de cumprir as decisões judiciais e a Constituição mesma”. E ele completou: “Não pagar precatórios sempre foi entre nós apanágio da má política”.
Na mesma linha votaram hoje os ministros Cármen Lúcia Antunes Rocha e Marco Aurélio. “Esses precatórios que hoje somam valor altíssimo, e que eu reconheço que as entidades públicas nem sempre podem pagar de uma vez, não foram acrescentados apenas em razão de problemas de ordem financeira”, disse Cármen Lúcia. Para ela, o problema foi causado, em grande parte, “por absoluta falta de responsabilidade e de compromisso” em se cumprir as decisões judiciais sobre precatórios remetidas ao Poder Executivo. “Não há democracia que possa sobreviver sem a confiança do cidadão no Estado, sobretudo no Estado-juiz”, avaliou.
O ministro Marco Aurélio destacou a segurança jurídica como um direito básico do cidadão violado pela Emenda Constitucional 30/00, incluindo ainda a dignidade do homem frente ao Estado. Segundo ele, a nova forma liquidação dos débitos de precatórios criada pela emenda foi “imposta goela abaixo”, sem se preservar a autonomia dos credores.
“A lei não poderá, e aqui a lei é tomada em sentido abrangente, prejudicar o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido”, disse ele, acrescentando que a emenda constitucional tem “contornos fascistas”, de um “Estado que tudo pode”. “É hora de caminhar-se para um basta, de caminhar-se para se ter a submissão à Carta Federal, que a todos indistintamente submete.”
Divergência
Nesta quarta, a divergência ficou com os ministros Dias Toffoli e Lewandowski, que se alinharam integralmente aos ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa, no sentido de negar a concessão da liminar.
Lewandowski ressaltou que a norma já tem quase dez anos de vigência. “Se nós, agora, através de uma medida cautelar, revertemos o processo, vamos instaurar o absoluto caos nas finanças públicas”, alertou.
Para o ministro Toffoli, além de os requisitos necessários para a concessão de liminar (o perigo de lesão na demora da decisão e o juízo de probabilidade do bom direito) não estarem presentes no caso, a norma também não ofende a garantia do acesso à jurisdição e à coisa julgada, como alegam os autores das ações. Ele acrescentou que também não vê, no caso, “nenhuma irrazoabilidade” no prazo fixado para o parcelamento ou violação à divisão dos Poderes da República. “O que se está a falar aqui é de dívida do Estado e o Estado é um só”, afirmou.