O Conselho Monetário Nacional (CMN) deverá, na reunião do dia 25, manter a meta de inflação em 4,5% para 2011. Será o sétimo ano consecutivo com a mesma meta. Não há no governo, pelo menos até agora, disposição para ousar numa gradual redução da inflação, a despeito da avaliação de vários economistas oficiais de que a crise mundial, ao jogar o crescimento da economia brasileira para um patamar bem abaixo do seu potencial, criou uma oportunidade de ouro para a taxa de inflação doméstica se aproximar da dos países ricos, sem que isso imponha custos adicionais à política monetária.
Inflação menor, para esses economistas, significa juros mais baixos e maior crescimento – desde, é claro, que a meta de inflação seja plenamente crível – o que é uma visão distinta dos que enxergam na meta mais frouxa uma possibilidade de juros módicos e aumento do PIB. Os analistas econômicos privados apontam inflação de 4,33% em 2009 e de 4,30% para 2010, abaixo, portanto, da meta de 4,5% definida para esse par de anos. As expectativas só não estão em percentuais mais baixos pela insistência do próprio governo em optar por metas mais flexíveis para ancorá-las, acreditam técnicos oficiais mais alinhados com o Banco Central.
Na verdade, desta vez o assunto meta de inflação não está sequer sendo objeto de acalentadas discussões entre BC e Fazenda. A falta de apetite para tratar do tema e a ausência de ambição do governo nessa área têm estreita relação com a política monetária de 2010 – são grandes as possibilidades de se ter que aumentar os juros em meados do ano que vem – e suas consequências no debate político-eleitoral às vésperas da escolha do sucessor de Lula. Não se deve subtrair do elenco de explicações para o silêncio, também, o fosso que separa o Ministério da Fazenda do BC e as aspirações políticas do presidente Henrique Meirelles.
Embora alguns técnicos da Fazenda até considerem viável uma diminuição pequena da meta, eles assinalam que tratar da inflação de 2011 não é prioridade agora. O que interessa, a essa altura, é buscar o crescimento econômico e é bom notar, nesse aspecto, que esses economistas estão achando a recuperação da atividade economica muito lenta para quem ainda almeja crescer 1% este ano, conforme declaração recente do ministro Guido Mantega. “Meta de inflação não é uma questão decisiva neste momento. Não é isso que vai levar o país para frente ou para trás “, disse um influente assessor do ministério.
Ao contrário de 2007, quando advogou a redução da meta de inflação de 2009 para algo abaixo de 4,5%, desta vez Meirelles também não está demonstrando muita disposição para entrar na disputa.
Por trás dessa aparente apatia está uma questão bastante delicada: para que patamar deve ir a taxa Selic de agora em diante e quais as perspectivas para 2010? Visto pela fotografia de hoje, em meados do próximo ano a economia deverá estar novamente em ritmo de crescimento acelerado, a taxa de câmbio tende a se depreciar como costuma ocorrer no Brasil em períodos pré-eleitorais (mas nada parecido com 2002) e os preços das commodities estarão em alta. Uma confluência de eventos que indicam pressões inflacionárias daqui a um ano e juros, portanto, mais elevados que os atuais. Adicionar a isso uma meta mais restrita para 2011 pode ser um equívoco, alegam assessores mais afinados com Mantega.
Tal argumento poderia ser confrontado por outro: subir e baixar juros conforme os ciclos econômicos é coisa da vida. Pode-se muito bem reduzir os juros de forma mais acentuada agora e, em meados de 2010, se necessário, vir a aumentá-los, mas a partir de um patamar menor.
A visão de fontes encarregadas de municiar o Copom de informações para que o comitê decida sobre o tamanho do corte da Selic é, entretanto, bem diferente. A gordura que havia para cortar a taxa de juros já está acabando, dizem. “Agora, a política monetária tem que ser regida pela sintonia fina”, explica um assessor. “Estamos chegando a uma fase em que a gestão da política monetária deixará de ser só cortar a Selic. É preciso olhar a curva de juros. Uma decisão mal tomada na Selic hoje fará empinar a curva de juros, aumentando a taxa de um ano e comprometendo todo o o estímulo monetário dado para o país voltar a crescer”, explicou outro economista do governo, que compartilha da visão do BC.
Para essa vertente, mais importante do que cortar a Selic em 100 pontos-base na reunião do Copom de abril foi ter introduzido na ata daquela reunião uma referência aos juros futuros, com o seguinte texto: “O Comitê entende também que a melhora do cenário prospectivo para a inflação em 2009 e em 2010 não foi, até o momento, incorporada na estrutura a termo da taxa de juros”. Tal comentário teria sido decisivo para o mercado reduzir em 50 pontos-base os juros de um ano. Essa modesta redução foi lida pela autoridade monetária como um claro recado do mercado de que a gordura para grandes baixas dos juros básicos estaria acabando. Razão que justificaria a disposição do BC de , agora, ir mais devagar no processo de redução dos juros.
A sintonia fina se justifica, segundo essa ala de economistas, porque o juro real, hoje na casa de 5% ao ano, já está aquém do que seria uma taxa de juros neutra (nível de juros que faz com que a trajetória de crescimento do produto coincida com o crescimento potencial, ou seja, uma taxa que não exerce influência sobre a oferta e a demanda da economia). Essa taxa se justifica agora pela deterioração das condições financeiras pós-crise global, mas não parece sustentável quando essas voltarem à normalidade, avaliam essas fontes.
Para a Fazenda, que quer uma ajuda dos juros para frear a apreciação cambial, essa é uma conversa de quem não está lá muito afeito ao diálogo. E se esse já não era fácil antes, hoje o espaço para um debate sobre meta de inflação, política monetária e cambial é minúsculo, principalmente entre as equipes.
Essa não é uma situação nova. As diferenças de visão macroeconômica entre Fazenda e BC vêm de 2006. O que há de novo, desta vez, é que nunca se teve juro real tão baixo num regime de estabilidade da inflação. E há economistas qualificados, no governo e fora dele, dizendo que os juros podem cair mais e a meta de inflação pode sair do lugar e iniciar uma trajetória de queda gradual a partir de 2011. Trata-se de uma oportunidade que deveria ser avaliada com mais empenho, à margem das vaidades e das questões político-eleitorais.