A política fiscal adotada pelas autoridades administrativas
brasileiras possui características bastante conhecidas dos contribuintes, no
sentido de que a altíssima carga tributária e a complexidade das leis que
regulam tal arrecadação, aliadas às ilegalidades perpetradas pela fiscalização,
dificultam ou mesmo obstam a atividade produtora nacional.
Assim, a economia não cresce, gerando desemprego e outras
mazelas sociais dele decorrentes. O conjunto de fatores que comprometem a
competitividade e a eficiência da indústria nacional, dentre os quais
destacam-se a elevada carga tributária, a complexa legislação fiscal, e os
elevados encargos trabalhistas, dentre outros, constituem o denominado “custo
brasil”.
Dentro desse cenário desanimador, aqueles poucos corajosos
que ousam investir em um negócio próprio contam com obstáculos diversos, e, por
vezes, intransponíveis, o que determina que expressiva parcela dos
empreendimentos não prospere. Acossado pelas dívidas, o empresário que logrou
manter o seu negócio procura priorizar o pagamento dos salários de seus
funcionários e das dívidas com os fornecedores, pois a inadimplência desses
valores invariavelmente leva ao encerramento da atividade produtiva; neste
cenário, os débitos fiscais acabam somando-se ao passivo das sociedades
empresariais.
Nesse sentido, o Fisco tem por medida reiterada o
redirecionamento dos executivos fiscais contra os sócios das pessoas jurídicas,
buscando garantir a execução quando não existe patrimônio próprio da entidade
devedora apto a saldar o débito existente. Seu entendimento baseia-se na teoria
dualista das obrigações, segundo a qual existem dois fatores inerentes ao
vínculo obrigacional: o conceito de débito e o conceito de responsabilidade ou
garantia. Seguindo esse raciocínio, podem existir débitos sem responsabilidade
(como as dívidas de jogo), e responsabilidade sem débito (exemplo do fiador),
embora a regra seja a de que o devedor responde com seu patrimônio por suas
dívidas. Importante transcrever o trecho abaixo, eis que determina o cerne da
questão:
I – O princípio da responsabilidade patrimonial, no processo
de execução, origina-se da distinção entre débito (Schuld) e responsabilidade
(Haftung), admitindo a sujeição dos bens de terceiro à excussão judicial, nos
limites da previsão legal.
II – A responsabilidade pelo pagamento do débito pode recair
sobre devedores não incluídos no título judicial exeqüendo e não participantes
da relação processual de conhecimento, considerados os critérios previstos no
art. 592, CPC, sem que haja, com isso, ofensa à coisa julgada.[1]
Assim, a dívida pode ser garantida por patrimônio de
terceiro, desde que respeitados os ditames legais. Nesse ponto, o CPC esclarece
que estão sujeitos à execução os bens do sócio nos limites do determinado na
lei[2]. Tal limite é fixado
pelo art. 135 do CTN[3], o qual é extremamente
claro ao admitir a responsabilização dos sócios somente nos casos em que
comprovada a infração a lei, contrato social ou estatuto, ou o excesso de
poderes.
Com isso, o legislador quer dizer que não há confusão de
patrimônios entre pessoa jurídica e pessoas físicas que a compõem, salvo as
exceções acima indicadas. Portanto,
no momento da constituição da sociedade comercial, com a integralização do capital
social, nasce a pessoa jurídica, com autonomia, vontade e patrimônio próprios,
não havendo confusão com a personalidade civil dos sócios.
Também
o CPC, por meio de seu artigo 596, salienta a separação de patrimônio entre
sócios e pessoa jurídica, ao determinar que “os bens particulares dos sócios
não responderão pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei”. Em
se tratando de sociedade limitada, o Código Civil estabelece que a
responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, conforme
redação do artigo 1.052.
Nesse sentido, a Édison Freitas de Siqueira Advocacia
Empresarial possui destacada atuação junto aos Tribunais na defesa dos
interesses dos contribuintes. Em recente decisão exarada pela Justiça Estadual
de São Paulo, a EFS obteve significativa vitória ao lograr a exclusão dos
sócios de sociedade empresária do pólo passivo de execução fiscal de tributos
federais. A decisão, cujos trechos mais relevantes transcrevemos, acolheu
embargos à execução fiscal interpostos com o fito de obter a exclusão dos
sócios do pólo passivo do feito, afastando, portanto, sua responsabilidade no
caso concreto:
Trata-se de cobrança de contribuições sociais (SAT, salário
educação, INCRA, SESI, SEBRAI e SENAI), cujo fato gerador ocorreu até o ano de
2006. Na época vigorava o art. 13, da Lei 8620/1993, que previa a
responsabilidade solidária dos sócios quotistas, com relação a débitos junto à
Seguridade Social. Ocorre que, o referido dispositivo legal deve ser
interpretado em consonância com o art. 135, III do Código Tributário Nacional,
o que gera a necessidade de se provar a fraude ou infração à lei. Nesse sentido
é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em especial no julgamento do
RECURSO ESPECIAL Nº 953.993 – PA: “TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS – REDIRECIONAMENTO – ART. 13 DA LEI N. 8.620/93 –
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – INTERPRETAÇÃO DO ART. 135, III, DO CTN 1. O
Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que, mesmo em
relação aos débitos para com a Seguridade Social, a responsabilidade pessoal
dos sócios, prevista no art. 13 da Lei n. 8.620/93, configura-se somente quando
atendidos os requisitos estabelecidos no art. 135, III, do CTN.2. Recurso
especial não provido.” E na espécie, o simples inadimplemento não é motivo
suficiente para redirecionar a execução contra os sócios. Portanto, a exclusão
deles é medida a ser adotada, permanecendo na lide apenas a pessoa jurídica.[4]
A regra é, portanto, a separação patrimonial,
cabendo somente em casos muito específicos a desconsideração da personalidade
jurídica. Esta não tem lugar, repita-se, em eventos de mera inadimplência por
ausência de recursos financeiros.
O Fisco persevera na tentativa de colocar em marcha seus
expedientes ilegais, contrariando até mesmo a recentíssima Súmula n.º 430 do
STJ, publicada em 13.05.2010, a qual dispõe literalmente que “o inadimplemento
da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade
do sócio-gerente”.
Por fim, ressalte-se que o artigo 13 da Lei n.º 8620/93,
restou revogado pelo art. 79, VII, da Lei n.º 11.941/2009[5].
O dispositivo revogado aduzia que quanto aos débitos junto à Seguridade Social,
eram responsáveis solidários o titular
da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade
limitada. Igual situação se aplicava aos acionistas controladores,
administradores, gerentes e diretores, os quais estavam obrigados a responder solidariamente
e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das
obrigações para com a Seguridade Social. Tal obrigação se dava nos casos de
inadimplemento doloso ou culposo.
Neste
cenário de grande insegurança jurídica, proporcionada principalmente pela desleal
atuação do Fisco e pela produção de normas legais contrárias ao texto
constitucional, o trabalho desempenhado pela Édison Freitas de Siqueira
Advocacia Empresarial destaca-se por militar na defesa intransigente das prerrogativas
dos contribuintes, garantindo, assim, o rigoroso cumprimento dos direitos e
garantias albergados pela Constituição Federal.
Dra. Julia Fiorese Reis
[1] STJ, 4.ª Turma, REsp 225.051/DF, Rel. Ministro Sálvio
de Figueiredo Teixeira, 18/12/2000.
[2] Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens:
I –
do sucessor a título singular, tratando-se de execução de sentença proferida em
ação fundada em direito real;
I – do sucessor a título singular, tratando-se de
execução fundada em direito real ou obrigação reipersecutória;
II
– do sócio, nos termos da lei;
III
– do devedor, quando em poder de terceiros;
IV
– do cônjuge, nos casos em que os seus bens próprios, reservados ou de sua
meação respondem pela dívida;
V –
alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução.
[3] Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos
correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com
excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I –
as pessoas referidas no artigo anterior;
II
– os mandatários, prepostos e empregados;
III
– os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado.
[4] Processo n.º 462.01.2009.009691-7, Setor Anexo Fiscal da Comarca de Poá – SP,
01.09.2010.