O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra xxxxx pela prática do delito tipificado no art. 168-A, § 1º, do Código Penal, crime de apropriação indébita previdenciária. Segundo narra a denúncia, recebida em 18/09/2003, o denunciado, na qualidade de sócio-gerente da empresa xxxxxxx, deixou de recolher ao INSS, no prazo legal, as contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados nos meses de fevereiro/2000 a março/2001, num total, consolidado em 06/08/2001, de R$ 238.867,89 (duzentos e trinta e oito mil, oitocentos e sessenta e sete reais e oitenta e nove centavos). Devidamente instruído o feito, sobreveio sentença, publicada em 31/01/2006, julgando procedente a ação para condenar réu, no crime de apropriação indébita previdenciária, como incurso nas sanções do art. 168-A, § 1º, I, do Código Penal, às penas de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, e multa de 11 (onze) dias-multa, à razão diária de 1/2 (meio) salário mínimo vigente em março de 2001.
Houve ingresso de apelação, do advogado Dr. ÉDISON FREITAS DE SIQUEIRA, alegando preliminarmente, a nulidade do processo, porque não foi considerada que a empresa é optante do REFIS, o que poderia vir a ser causa de extinção ou suspensão da punibilidade, porque indeferida a prova pericial para comprovação das dificuldades financeiras, bem como face a ocorrência DE PRESCRIÇÃO RETROATIVA, uma vez que entre a data do recebimento da denúncia e a data da sentença o fato delituoso já estava prescrito o que acarreta na extinção da punibilidade do crime, ou seja, absolvição do acusado.
O Nobre relator Des. Federal NÉFI CORDEIRO, do TRF 4º, analisou a questão preliminarmente, tendo em vista o decurso do lapso prescricional, e declarou extinta a punibilidade do crime de apropriação indébita previdenciária, absolvendo o acusado, face a existência de prescrição retroativa, conforme parte do voto abaixo descrito:
“Compulsando os autos, verifico que a pretensão punitiva do Estado encontra-se fulminada pela prescrição, que, nos termos do art. 61 do Código de Processo Penal, pode ser declarada de ofício em qualquer fase do processo. Cumpre frisar, que a prescrição penal, na ausência de recurso da acusação, regula-se pela reprimenda em concreto, conforme disposto na Súmula 146 do Supremo Tribunal Federal. No caso dos autos, ante a inexistência de recurso ministerial, verifica-se o trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, tendo a pena privativa de liberdade sido fixada em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. Consoante disposição da Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal, exclui-se do cômputo prescricional o montante referente à continuidade delitiva. Assim sendo, fixada a pena provisória em 02 (dois) anos de reclusão – não-computado o acréscimo pela continuidade -, essa é a pena a ser considerada como baliza determinante do prazo prescricional. Os fatos narrados na denúncia ocorreram entre fevereiro/2000 e março/2001, o recebimento da denúncia se deu em 18/09/2003 (fl. 197 do IP em apenso) e a publicação da sentença condenatória ocorreu em 18/12/2006 (fl. 248). Ocorre que o réu é nascido em 28/10/1928 (Documento de Identidade da fl. 192 do IP em apenso), e na data em que prolatada a sentença condenatória contava com 77 anos de idade, fazendo incidir a regra prevista no art. 115 do CP. Assim, observado o prazo de prescrição em dois anos para o crime (art. 109, V, c/c art. 115 ambos do CP), e tendo em vista que a pena provisória – sem a incidência do acréscimo pela continuidade delitiva -, foi fixada em 2 (dois) anos de reclusão, é de se apontar que embora tal prazo não se verifique entre a data do recebimento da denúncia e da publicação da sentença condenatória, está ele consumado entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, impondo-se a extinção da punibilidade, pelo reconhecimento da prescrição retroativa.
ANTE O EXPOSTO, apresento a presente questão de ordem para declarar, de ofício, extinta a punibilidade de xxxxxxxxx, pela prescrição retroativa, e julgar prejudicado o recurso”.
EMENTA:
PENAL E PROCESSO PENAL. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. OCORRÊNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. Transcorrido o prazo prescricional de dois anos (art. 109, V, c/c art. 115, ambos do CP) entre as datas dos fatos e a data do recebimento da denúncia, impõe-se a extinção da punibilidade pela prescrição retroativa. APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2002.72.04.008023-0/SC. Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, declarar, de ofício, extinta a punibilidade de xxxxxxx, pela prescrição retroativa, e julgar prejudicado o recurso, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 05 de junho de 2007. Des. Federal NÉFI CORDEIRO.
Tal questão consolida a tese esposada pelo escritório Édison Freitas de Siqueira, abaixo descrita, da existência de prescrição retroativa e prescrição retroativa antecipada nos crimes contra a ordem tributária.
PRESCRIÇÃO RETROATIVA ANTECIPADA
A prescrição penal é a extinção do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo (Frederico Marques, Tratado de Direito Penal, vol. 03, pg. 497, 1999). Em decorrência dessa classificação, existem duas espécies de prescrição no ordenamento jurídico brasileiro: a prescrição da pretensão punitiva, que ocorre antes da do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, e a prescrição da pretensão executória, que ocorre após o trânsito em julgado, para ambas as partes, da sentença penal condenatória, não sendo executada a pena imposta.
A primeira espécie de prescrição se subdivide em: prescrição em abastrato (art. 109, caput, do CP), prescrição superveniente à sentença condenatória recorrível (art. 109, caput, c/c o art. 110, § 1º, ambos do CP) e prescrição retroativa (art. 109, caput, c/c o art. 110, §§ 1º e 2º, ambos do CP).
A prescrição antecipada, também denominada de prescrição virtual ou prescrição em perspectiva, encontra-se inserida no âmbito da prescrição retroativa.
Consoante dispõem os dispositivos legais supracitados, ocorre a prescrição retroativa da pretensão punitiva quando: “transitada em julgado a sentença condenatória para a acusação ou improvido o recurso desta, haja ou não recurso da parte ré, e detectado o prazo prescricional no artigo 109 do CP de acordo com a pena aplicada, retroage-se ao termo inicial da prescrição e se verifica, entre as causas de interrupção da prescrição, se houve o decurso de tal prazo”.
A prescrição retroativa antecipada, por sua vez, criação da doutrina e jurisprudência brasileiras, consiste na possibilidade de se aplicar à prescrição retroativa antes mesmo do recebimento da denúncia; queixa ou da prolação da sentença, eis que se analisando as circunstâncias do crime, se consegue prever uma pena a ser aplicada pelo Juiz, tendo-se uma pena hipotética.
Assim, com o cálculo da pena hipotética, se verifica se quando da prolatação da sentença não terá ocorrido a prescrição retroativa antecipada. Se constatar-se isso, torna-se, pois, imperiosa a promoção de arquivamento do processo penal pelo dominus litis da ação penal, seja o Ministério Público.
Os argumentos utilizados para fundamentar a prescrição retroativa antecipada é que há a economia processual e a efetividade da tutela jurisdicional, pois, além de dispendioso para o Estado, seria um desperdício temporal submeter alguém a um processo criminal que, ao final, o sabe-se será absolvido pelo advento da prescrição.
A promoção de arquivamento com fulcro na prescrição retroativa antecipada não obsta, em momento algum que o Poder Judiciário aprecie lesão ou ameaça de Direito, pois caso o magistrado não concorde com as razões do órgão ministerial, poderá utilizar-se do art. 28 do CPP, remetendo os autos ao Procurador-Geral de Justiça.
Há discricionariedade na dosimetria da pena, sendo que limitada por parâmetros objetivos fixados no art. 68 e ss do Código Penal, pelo que se demonstra a pequena margem de erro possível na pena hipoteticamente aplicada e que servirá de base para a apuração da ocorrência ou não da prescrição retroativa antecipada.
Pelos defensores da prescrição retroativa antecipada a certeza de que o processo penal será inútil constitui falta de justa causa para o início da ação penal, pois, inexistindo interesse de agir para tanto, faltaria uma das condições da ação, o que ensejaria o arquivamento com fulcro no art. 43, I, do CPP.
O interesse de agir assenta-se na premissa de que, tendo o Estado o interesse no exercício da jurisdição, não lhe convém acionar o aparato judiciário sem que dessa atividade se possa extrair algum resultado útil. Logo, como dito anteriormente, o Direito Penal só pode ser aplicado em último caso, não há que se tirar proveitos políticos do Direito Penal, fazendo com que a vida de cidadãos se torne insuportável, em função de processos inúteis e desgastantes.
Nos dias de hoje é sabido que a quantidade de processos que são instaurados a cada dia, faz com que àquele cidadão que muita vez está desempregado, poderá continuar da mesma maneira, pois, em função da demora da resposta do Estado ao seu processo, a sua não culpabilidade, pode ser colocada em dúvida, por aquele que iria lhe oferecer um emprego, justamente por ficar sabendo que o cidadão está respondendo a um processo interminável por causa da inércia do Estado.
Nestes casos, conforme ementa abaixo descrita, vem se entendendo pela prescrição antecipada retroativa.
PENAL. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 168-A, § 1º, I, DO CP. RÉUS COM MAIS DE 70 ANOS NA DATA DA SENTENÇA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO RETROATIVA. ARTIGOS 109, V; 110, § 1º, E 115, DO CÓDIGO PENAL.
1. Consumado o prazo prescricional de 2 anos entre a data do recebimento da denúncia e a da publicação da sentença condenatória, impõe-se a extinção da punibilidade dos réus pela prescrição retroativa. Incidência, na hipótese, dos artigos 109, V; 110, § 1º e 115, todos do Código Penal.
2. Apelações providas. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,dar provimento às apelações para declarar extinta a punibilidade dos réus pela prescrição retroativa, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 20 de março de 2007. Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE Relatora APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2003.72.06.000335-9/SC RELATORA : Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE .
Entretanto, se o julgador, observando as peculiaridades do caso concreto, vislumbra a total implausibilidade de se chegar à sanção suficiente para manter a pretensão punitiva do Estado, pode aplicar excepcionalmente, de forma antecipada, o art. 107, IV, do CP tão logo se assegure da situação delineada, a prescrição retroativa antecipada.
Logo, a princípio, não há falar em extinção da punibilidade, pela aplicação do instituto da prescrição antecipada, por ausência de previsão legal, mas o que se verifica é à análise detalhada de cada caso.
Sinala-se que nos termos da Súmula (Súmula 497 do STF), no cálculo da prescrição deve ser desprezado o acréscimo decorrente da continuidade delitiva.
Seguem algumas decisões acerca da aceitação da prescrição retroativa antecipada:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO ‘EM PERSPECTIVA’.
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. A prescrição pela pena em perspectiva, embora não prevista na lei, é construção jurisprudencial tolerada em casos excepcionalíssimos, quando existe convicção plena de que a sanção aplicada não será apta a impedir a extinção da punibilidade. 2. Na hipótese dos autos, há elementos corroborando tal inteligência eis que o período transcorrido entre o fato (17/11/1995) e o recebimento da denúncia (03/05/2005) supera nove anos. A prescrição, nos termos do art. 109, IV, do CP, fatalmente incidirá sobre a pena aplicada em eventual sentença condenatória, porquanto dificilmente ultrapassará 04 (quatro) anos de reclusão. Dessarte, a extinção da punibilidade certamente restará caracterizada. 4. Em resumo, falece interesse processual (art. 43, inc. II, CPP) na continuidade do feito, ocasionando, assim, ausência de justa causa face à prescrição antecipada. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Federal da 4ª Região, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que integram o presente julgado. Porto Alegre, 21 de junho de 2006. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro Relator “HABEAS CORPUS” Nº 2006.04.00.016900-8/SC .
Inclusive o Superior Tribunal de Justiça em Acórdão da lavra do eminente Ministro Edson Vidigal, não destoou da ordem de idéias aqui defendida, veja-se:
“PENAL E PROCESSUAL. RECEPTAÇÃO. RESSARCIMENTO. ARREPENDIMENTO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA EM PERSPECTIVA . REDUÇÃO NO GRAU MÁXIMO. HABEAS CORPUS. 1. (omissis). 2. Sendo o acusado primário e de bons antecedentes, considerando que houve, antes da ação penal, por ato voluntário, ressarcimento da coisa, hipótese em que se reduz a pena a grau máximo, decreta-se a prescrição da pretensão punitiva em perspectiva . 3. Habeas corpus conhecido; pedido deferido.” (HC nº 4795/SP, 5ª Turma, public. no DJU de 29/10/96, p. 41670).
“PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. HABITUALIDADE. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. 1. Aplica-se o princípio da insignificância ao crime de descaminho quando o valor do tributo não recolhido mostra-se irrelevante, justificando, inclusive, o desinteresse da Administração Pública na sua cobrança. 2. Verificado que o acusado possui procedimentos administrativos posteriores à data dos fatos em crimes de mesma natureza, não podem estes ser considerados como antecedentes para caracterização da habitualidade na conduta delituosa. 3.Admite-se a rejeição da denúncia naqueles casos em que a pena que seria aplicada ao acusado ensejaria a extinção da punibilidade pela prescrição, tomada em perspectiva, situação em que se reconhece a ausência de interesse em agir à acusação.” (RSE nº 2005.70.02.004602-9/PR, Oitava Turma, Rel. Des. Luiz Fernando Wowk Penteado, public. no DJU de 19/04/2006, p. 788).
“PENAL. DESCAMINHO. ARTIGO 334 DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRITÉRIO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. EXCEPCIONALIDADE. 1. O limite de R$ 10.000,00 para o ajuizamento de execuções fiscais, instituído pela Lei 11.033/04, não merece aplicação na esfera criminal, para efeito de reconhecimento do princípio da insignificância, eis que destoante da realidade social. Mantido o parâmetro de R$ 2.500,00 fixado nos precedentes desta Corte. 2. A prescrição pela pena em perspectiva, embora não prevista na lei, é construção jurisprudencial tolerada em casos excepcionalíssimos, quando existe convicção plena de que a sanção aplicada não será apta a impedir a extinção da punibilidade.3. Na hipótese dos autos, há elementos corroborando tal inteligência eis que, considerando o período transcorrido desde o fato delituoso (mais de 04 anos) sem que a peça acusatória tenha sido recebida, a prescrição fatalmente incidirá sobre a pena aplicada em eventual sentença condenatória – que, provavelmente, muito não se afastará do mínimo legal cominado ao delito por que responde o acusado (01 ano de reclusão). 4. Na espécie, tal causa extintiva da pretensão punitiva certamente restará caracterizada, na medida em que já decorrido o lapso temporal inscrito no art. 109, inciso V, do CP. 5. Em resumo, falece interesse processual (art. 43, inc. II, CPP) na continuidade do feito, ocasionando, assim, ausência de justa causa face à prescrição antecipada.” (RSE nº 2003.70.02.010083-0/PR, Oitava Turma, Rel. Des. Élcio Pinheiro de Castro, public. no DJU de 05/10/2005, p. 1014/1015).