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18 de abril de 2024Quanto ao tema \”grupo econômico\”, após quase duas décadas de jurisprudência pacífica e uniforme, firmada com o cancelamento da Súmula nº 205, em 2003, pelo TST, a Justiça do Trabalho enfrenta a revisitação da sua jurisprudência por força de uma série de ações que tramitam, hoje, no Supremo Tribunal Federal.
Isso porque tramitam na Suprema Corte duas arguições de descumprimento de preceito fundamental — ADFPs nºs 488 e 951.
A ADPF nº 488 foi proposta contra \”atos praticados pelos tribunais e juízes do trabalho consistentes na admissão no polo passivo de demandas trabalhistas, em fase de execução ou cumprimento de sentença, de pessoas físicas e jurídicas que não participaram da fase de conhecimento e que não constaram dos títulos executivos judiciais, sob a alegação de que fariam parte de um mesmo grupo econômico\”.
Nesta ADPF, já há parecer da Procuradoria-Geral da República, pelo não conhecimento da ação e, no mérito, pela improcedência do pedido. Após os votos dos ministros Rosa Weber (relatora) e Alexandre de Moraes, que não conheciam da arguição, pediu vista dos autos o ministro Gilmar Mendes.
A ADPF nº 951 foi proposta contra \”o conjunto de decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem responsabilidade solidária às empresas sucedidas, diante de simples inadimplemento de suas sucessoras ou de indícios unilaterais de formação de grupo econômico, a despeito da ausência de efetiva comprovação de fraude na sucessão e independentemente de sua prévia participação no processo de conhecimento ou em incidente de desconsideração da personalidade jurídica\”.
Nesta ADPF, o processo foi remetido à PGR, mas ainda não foi proferido o parecer; o relator é o ministro Alexandre de Moraes.
Aqui, há duas teses conflitantes.
De um lado, a tese que agora toma força — e subverte a iterativa, atual e notória jurisprudência da Justiça do Trabalho — de que o responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução, tão somente em razão do §5º do artigo 513 do CPC de 2015, que trouxe regra até então inexistente no CPC anterior.
De outro, a tese ainda prevalente na Justiça do Trabalho, de que: 1) existe regra trabalhista específica a respeito do grupo econômico, no artigo 2º, §2º, da CLT, que impede a aplicação da regra genérica trazida no §5º do artigo 513 do CPC de 2015, em razão do princípio da especialidade e do próprio artigo 769 da CLT; 2) a regra do CPC desprotege o crédito trabalhista, que se reveste de natureza alimentar e superprivilegiada; e 3) na execução trabalhista, a primeira fonte subsidiaria não é o CPC, mas a Lei nº 6.830/1980, na forma do artigo 889 da CLT, sendo que o artigo 4º, V, da Lei nº 6.830/1980 autoriza a execução do patrimônio do responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que não consta no título executivo judicial como devedor.
Com efeito, a regra trabalhista específica, extraída do artigo 2º, §2º, da CLT, é a de que os integrantes do mesmo grupo econômico compõem um empregador único, autorizando-se, portanto, a persecução patrimonial das empresas componentes deste grupo; tanto é que o TST considera, consoante Súmula nº 129, que salvo ajuste expresso em sentido contrário, a prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de emprego.
Por esse entendimento, a responsabilização de empresa componente de grupo econômico não está sujeita sequer a procedimento da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no artigo 855-A da CLT, que manda aplicar ao processo do trabalho o previsto nos artigos 133 a 137 do CPC, pois, em razão do artigo 2º, §2º, da CLT, todas as empresas que integram o grupo econômico já respondem por seus débitos.
A discussão chegou ao ponto-limite, na Justiça do Trabalho, na recente publicação da decisão no AIRR-10023-24.2015.5.03.0146, na qual a ministra Dora Maria da Costa, ministra vice-presidenta do TST, ao reconhecer \”o caráter extremamente controvertido da matéria e a sua relevância, a justificar o enfrentamento da questão constitucional que a permeia pelo Pretório Excelso\”, determinou a suspensão da tramitação de todos os processos pendentes que tratem da inclusão, na qualidade de sujeito passivo, na execução, do responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor.
Entretanto, a par da relevantíssima discussão, extrai-se de um elemento aparentemente periférico o que realmente importa para a democracia. Explico.
Segundo o artigo 97 da Constituição da República, somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público.
Em razão deste dispositivo, o STF editou a Súmula Vinculante n. 10, segundo a qual \”viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte\”.
De um lado, temos a corrente encabeçada pelo ministro Gilmar Mendes — em tese, à revelia da iterativa, atual e notória jurisprudência do próprio STF —, que, a meu ver, consagra uma perniciosa e perigosa interpretação do artigo 97 da Constituição da República e traz em si infinitas possibilidades de controle judicial; de autoritarismo; de admoestação à atividade judicial e à capacidade interpretativa do juiz; de constrangimento à interpretação judicial, como se somente fosse possível adotar uma interpretação literal da norma-regra (como quis a \”Reforma Trabalhista\”); de mitigação da força normativa dos princípios.
Isso porque, no ARE 1.160.361, o relator, ministro Gilmar Mendes, em decisão monocrática, decidiu que a Justiça do Trabalho, ao \”desconsiderar\” o §5º do artigo 513 do CPC, violou a cláusula de reserva de plenário, pois não aplicou o comando normativo sem declarar expressamente a sua inconstitucionalidade.
Em verdade, \”desconsideração\” não houve. A Justiça do Trabalho apenas fez uma interpretação, das tantas possíveis, inclusive com base em normas-princípios constitucionais. A prevalecer o entendimento do ministro Gilmar Mendes, o STF, com base na mera interpretação judicial, e sob o pálio de afronta à Súmula Vinculante nº 10, poderá cassar qualquer decisão judicial, na forma do artigo 103-A, §3º, da Constituição.
E esse é um grande perigo para a democracia e para as instituições.
Do outro lado, temos a outra corrente, representada, mais recentemente, por uma decisão da 1ª Turma do STF — e não monocraticamente, como o fez o ministro Gilmar Mendes —, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, na qual a Suprema Corte entendeu que o reconhecimento da responsabilidade solidária, decorrente de grupo econômico, estribada no artigo 2º, §2º, da CLT e em \”entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que permeiam a temática\” (textuais), não viola a Súmula Vinculante nº 10.
Isso porque, ao assim decidir, a Justiça do Trabalho não se manifestou, explícita ou implicitamente, sobre suposta inconstitucionalidade do artigo 513, §5º, do CPC, e que para a caracterização de ofensa ao artigo 97 da Constituição da República, é necessário que a norma aplicável à espécie seja efetivamente afastada por alegada incompatibilidade com a Constituição da República.
As decisões da Justiça do Trabalho, portanto, ao interpretarem que, no caso do grupo econômico, não incide o artigo 513, §5º, do CPC, a simples aplicação do artigo 2º, § 2º, da CLT não é suficiente para caracterizar a violação à Súmula Vinculante 10.
Como se vê, o desfecho desse julgamento interessa a todo o Poder Judiciário — e não apenas à Justiça do Trabalho — e, ainda, a toda a sociedade. Isso se ainda for relevante a manutenção do Estado democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício de direitos sociais e individuais e a justiça como um dos valores supremos da sociedade brasileira.