O Professor Celso Ribeiro Bastos ensinava que “(…) em linhas gerais, o precatório é uma requisição judicial expedida ao Presidente do Tribunal pelo juiz da execução da sentença em que a Fazenda Pública foi condenada a pagamento de quantia certa, a fim de que sejam expedidas as necessárias ordens de pagamento às respectivas repartições competentes” (Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 4º v., T. III, p. 47)
Quando da promulgação da Constituição Federal, a sistemática aplicável aos precatórios estava prevista no artigo 100 da CF, que determinava que quando houvesse sentença judicial transitada em julgado contra a Fazenda Pública, o pagamento seria realizado através de precatórios, por ordem cronológica de sua apresentação.
Além disso, estabelecia que os precatórios requisitados pelo Presidente do Tribunal onde o processo transitou em julgado até o dia 30 de junho de cada ano, deveriam ser pagos até o final do exercício seguinte, devidamente corrigidos.
Com o advento da Emenda Constitucional 30, de 13 de setembro de 2000, foi modificado o artigo 100 da Constituição Federale incluído o artigo 78 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT. As novidades trazidas pela EC 30/2000 podem ser assim resumidas:
a) aos precatórios pendentes de pagamento em 13/09/2000 (aqueles (i)já devidamente inscritos no Tribunal competente; (ii) os que Fazenda deixou de honrar a modo e tempo próprios e (iii) os regularmente inscritos que aguardam o momento de serem pagos) e aos que decorrem de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, vencidos e não pagos, foi conferida autorização para sua utilização na quitação de tributos da entidade devedora;
b) a concessão para decomposição de parcela do precatório, a critério do credor, ou seja, o vencedor de ação contra a Fazenda Pública pode escolher entre receber o crédito do precatório em uma parcela anual, ou em número maior de parcelas ao ano;
c) a permissão para a cessão de créditos decorrentes dos precatórios;
d) a estipulação do prazo máximo de dez anos para pagamento dos créditos, ou de dois anos quando se tratar de precatório original de desapropriação de único imóvel residencial do credor;
e) a determinação para que os precatórios sejam liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas.
Posteriormente foi editada a Emenda Constitucional nº 62/2009 que mudou novamente o sistema de pagamento de precatórios pelos entes políticos.Pela nova Emenda Constitucional foram modificadas novamente as normas que tratam dos pagamentos de tributos, visto que foi inserido um método de compensação automático e obrigatório entre o credor originário (parte da ação) e a Fazenda Pública, que ocorre antes da própria expedição do precatório (tratada adiante).
Em vista disso, a Constituição Federal em vigor atualmente estabelece que: (i) os pagamentos das dívidas fazendárias serão feitos por meio de precatórios; (ii) estes obedecerão a ordem cronológica; (iii) quando da expedição dos precatórios, deles deverá ser abatido a título de compensação, valor correspondente aos débitos constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, (iv) aos precatórios pendentes de pagamento em 13/09/2000 e aos que decorrem de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, vencidos e não pagos, foi conferida autorização para sua utilização na quitação de tributos da entidade devedora;(v) os valores devidos devem ser corrigidos monetariamente no lapso temporal que transcorrer entre a data da expedição do precatório de do efetivo pagamento; (vi) o credor pode ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor.
Poder Liberatório para Pagamento de Tributos
Como já se viu acima, pela dicção das normas constitucionais depreende-se que estas autorizam o sujeito passivo de tributo a extinguir o débito por meio de precatório. Contudo, não são todos os precatórios que tem poder liberatório para pagamento de tributos. Referida qualidade é atribuída apenas aos precatórios pendentes em 14/09/2000 (data de promulgação da EC 30/2000) e aos precatórios que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 vencidos e não pagos pela Fazenda devedora.
Assim, para o precatório tenha poder liberatório para pagamento de tributo, condição essencial é que tenha sido descumprido. Considera-se descumprido o precatório se a prestação anual a ser paga não tenha sido liquidada até o final do exercício (artigo 78, § 2º do ADCT).
Contudo há que se atentar que o pagamento do precatório ocorre em diversas parcelas anuais. Nesse aspecto, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que, não satisfeita alguma das parcelas do precatório judicial, opera-se o poder liberatório para pagamento de tributos da Fazenda devedora no limite das parcelas vencidas. Ou seja, o vencimento de apenas uma parcela, não faz vencer toda a dívida e, assim, somente tem qualidade de liberar o pagamento de tributo a parcela que efetivamente não foi paga no seu vencimento.
Eis algumas ementas proferidas pelo STF nesse sentido:
“PRECATÓRIO JUDICIAL. PODER LIBERATÓRIO. 1. O benefício constante do § 2º do art. 78 do ADCT, na redação da EC 30/2000, incide apenas sobre as prestações não liquidadas e não sobre o total do débito constante do precatório. Precedente: ADI 2.851. 2. Agravo improvido.(SS 2589 AgR, Relator(a):Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 09/08/2006, DJ 22-09-2006 PP-00028 EMENT VOL-02248-01 PP-00166 LEXSTF v. 28, n. 335, 2006, p. 308-310)
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM DÉBITO DO ESTADO DECORRENTE DE PRECATÓRIO. C.F., art. 100, art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30, de 2002. I. – Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de Rondônia, que autoriza a compensação de crédito tributário com débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o art. 78, ADCT/CF, introduzido pela EC 30, de 2000. II. – ADI julgada improcedente.(ADI 2851, Relator(a):Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 28/10/2004, DJ 03-12-2004 PP-00012 EMENT VOL-02175-01 PP-00187 RIP v. 6, n. 29, 2005, p. 243-248 RDA n. 239, 2005, p. 463-467 RF v. 101, n. 378, 2005, p. 255-259 RTJ VOL-00193-01 PP-00106).
Cessão de Crédito
A Constituição Federal permite a cessão de créditos decorrentes dos precatórios independentemente da concordância do devedor, bem como autoriza também a cessão total ou parcial do crédito a terceiros, esta última por meio da decomposição de parcelas.
A legislação tributária infra-constitucional não trata especificamente da cessão de crédito, contudo a Resolução/CNJ 115/2010 reitera os termos da Constituição Federal afirmando que “o credor de precatório poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos a terceiros, independentemente da concordância do devedor”.
Contudo, deve se atentar que o fisco somente considera válida a cessão, depois de proferida decisão transitada em julgado em relação ao valor devido pela Fazenda. A Receita Federal tem desconsiderado as cessões de precatórios, quando não há certeza em relação ao quantum devido (Acórdão nº 03-32573 de 14 de Agosto de 2009 – Segunda Turma, DRJ/BSB)
No caso a cessão dever ser feita preferencialmente por instrumento público, nos termos do artigo 288 do Código Civil, que estabelece ser “ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1o do art. 654”.
A cessão de precatórios somente produzirá efeitos após comunicação, por meio de petição protocolizada, ao juízo de origem e à entidade devedora, antes da apresentação da requisição ao Tribunal (art. 16, § 3º da Resolução/CNJ 115/2010).
DIFICULDADES E CUIDADOS QUE DEVEM SER OBSERVADOS
Da Aplicação Imediata do Artigo 78 § 2º do ADCT
Não obstante previsto na Constituição Federal, ainda não existe lei no âmbito federal regulando o poder liberatório para pagamento de tributos dos precatórios.
No nosso entendimento, o poder liberatório do precatório não necessita de regulamentação por lei infra-constitucional para ser aplicado imediatamente. A Constituição Federal não autorizou o legislador ordinário a limitar ou exigir outras condições para que se perfaça o poder liberatório do pagamento de tributos pela Fazenda Pública devedora. A norma constitucional em questão se insere naquelas que não necessitam de complementação para surtir efeito.
Por outro lado, há que se atentar que a Receita Federal não tem entendimento unânime quanto à possibilidade de utilização imediata do precatório para pagamento de tributos. Algumas soluções de consultas e decisões administrativas consignam que apesar da Constituição Federal prever tal possibilidade, a matéria precisa ser regulamentada por norma infra-constitucional.
Abaixo seguem duas soluções de consulta. A primeira contrária e a segunda favorável ao detentor do precatório:
“Solução de Consulta nº 57 de 01 de Outubro de 2008- DISIT 04
EMENTA: COMPENSAÇÃO. TÍTULOS PÚBLICOS. TÍTULOS REPRESENTATIVOS DA DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL. OBRIGAÇÕES DA ELETROBRÁS. PRECATÓRIOS. PRESTAÇÕES ANUAIS. TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES FEDERAIS
As prestações anuais dos precatórios pendentes na data da promulgação da Emenda Constitucional nº 30, de 2000, ou decorrentes de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, caso não sejam liquidadas até o final do exercício a que se referem, poderão, em princípio, ser utilizadas na compensação de tributos da entidade política devedora, permitida a cessão dos créditos. No entanto, o direito à utilização das citadas prestações anuais dos precatórios da União, na compensação de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, somente poderá ser exercido após a regulamentação do art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias pelo Congresso Nacional e/ou pelo Poder Executivo Federal”.
“Solução de Consulta nº 230 de 25 de Setembro de 2001- DISIT 08
ASSUNTO: Normas Gerais de Direito Tributário
EMENTA: As prestações anuais dos precatórios pendentes na data de promulgação da Emenda Constitucional nº 30, de 2000, e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, terão poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora, permitida a cessão dos créditos. A compensação deverá ser requerida conforme disposto nas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal”.
Compensação de Precatórios com Débitos Constituídos Contra o Credor Original
A Constituição Federal permitiu que no momento da expedição dos precatórios o Poder Público abatesse unilateralmente o valor dos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em Dívida Ativa constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, inclusive parcelas vincendas de parcelamentos (art. 100, § 9º, da CF/88).
Somente não podem ser objeto de abatimento os débitos tributários cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.
A regra foi criada para resguardar os créditos fazendários. Trata-se de direito do Fisco e o particular sequer participa do trâmite prévio à expedição do precatório, que ocorre apenas entre o Executivo e o Judiciário. Vale dizer, a Fazenda informa ao Tribunal sobre a existência de débitos, dentro do prazo decadencial de 30 dias, para que se efetive a compensação.
De se salientar que mesmo que tenha ocorrido cessão de créditos, será realizada eventual compensação de dívidas tributárias do credor originário.
Na prática ocorre o seguinte:
a) O juiz profere decisão garantindo ao titular original do crédito o pagamento através de um precatório, mas antes encaminhamento do precatório ao Tribunal, intimará a Fazenda Pública (ou outro ente devedor) para que informe, em 30 dias, sobre a existência de débitos constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010);
b) Na hipótese da Fazenda não se manifestar ou deixar de apontar débitos do credor original, perderá o direito de abatimento (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010);
c) Se a Fazenda apontar algum débito do credor original de natureza tributária constituído em seu favor o juiz decidirá a questão, após ouvir a parte contrária, decidindo em seguida (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010);
d) Caso a decisão entenda que a Fazenda realmente tem um crédito tributário contra o vencedor da ação, ou seja, caso se apure que o particular e a Fazenda são ao mesmo tempo credor e devedor um do outro, as duas obrigações serão extintas, até onde se compensarem e o juiz emitirá certificado de compensação para fins de controle orçamentário e financeiro, juntando-os ao processo de expedição do precatório (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010);
e) A compensação se operará no momento da efetiva expedição do certificado de compensação, quando cessará a incidência de correção monetária e juros moratórios sobre os débitos compensados (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010 com a redação da Resolução/CNJ n° 123/2010);
f) O procedimento de compensação, quando realizado no âmbito do Tribunal, não impedirá a inscrição do precatório apresentado até 1º de julho de um ano no orçamento do ano seguinte da entidade devedora, deduzindo-se o valor compensado, caso reconhecida posteriormente a compensação (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010 com a redação da Resolução/CNJ n° 123/2010);
g) A cessão de créditos não alterará a natureza comum ou alimentar do precatório e não prejudicará a compensação, sendo considerado, para esse fim, o credor originário (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010).
Isto faz com que os riscos da compra de precatórios sejam grandes, pois o cessionário pode vir a sofrer uma compensação forçada em decorrência de débito do cedente. E mesmo que o crédito do precatório tenha sido cedido a terceiro pelo credor, a Fazenda pode impugnar a cessão que o credor fez, opondo ao cessionário a compensação do crédito.
Em razão da possibilidade de compensação deve-se atentar quando da compra dos precatórios se o cedente tem dívidas junto ao fisco, pois se for o caso, provavelmente será realizada a compensação entre créditos e débitos, não podendo ser obstada a pedido do particular/credor. O dispositivo constitucional é claro no sentido de garantir a compensação contra o credor original (cedente).
Cabe ressaltar que a autorização para compensação trazida pela EC 62 pode causar inúmeros transtornos, pois na prática, existem muitos lançamentos realizados pela Fazenda com o desconhecimento do devedor.
Precatórios Oriundos de Outras Entidades
Há que se atentar também se o precatório objeto da cessão é originário de ações em que a Fazenda Nacional é parte, ou se outro ente federal é que compõem um dos pólos da ação (ex: autarquia federal). E isto porque a possibilidade de compensação de débito tributário com crédito decorrente de precatório de pessoa jurídica que não seja a Fazenda Nacional é matéria controvertida.
De fato, o Superior Tribunal de Justiça pela sua Primeira Turma firmouentendimento no sentido de que “é ilegítima a pretensão de se compensar débito tributário (devido à administração direta) com crédito de precatório adquirido de terceiros (por cessão) e da responsabilidade de entidade da administração indireta” (RMS 27.706/MG), conforme ementa que abaixo se transcreve a título exemplificativo:
“TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. PRECATÓRIO. DÉBITO DE ICMS. CRÉDITOS DECORRENTES DE AUTARQUIA. DER. AUSÊNCIA DE NORMA ESTADUAL. DÉBITOS TRIBUTÁRIOS DO ESTADO. PRECATÓRIO DE NATUREZA ALIMENTAR. INADMISSIBILIDADE. ART. 78, § 2º, DO ADCT. DECRETO ESTADUAL Nº 418/07. PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE.
1. A compensação de débito fiscal estadual (ICMS) com crédito de precatório de natureza distinta e entre pessoas jurídicas diversas não é possível quando não previsto em legislação especial. Precedentes: RMS 26802/DF, Rel. p/ Acórdão Ministro Castro Meira, DJe 18/02/2010; RMS 31184/PR, Rel. MinistroCastro Meira, DJe 29/04/2010; RMS 30.229/PR, Rel. MinistroHumberto Martins, DJe 18/02/2010; EDRMS 29.806/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 28.10.09; AgRMS 30.347/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 26.11.09; RMS 24.450/MG, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 8/4/2008, DJe 24/4/2008. (AgRg no RMS 31.592/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/08/2010, DJe 27/08/2010).
No mesmo sentido: AgRg no RMS 31672, AgRg no RMS 31885 PR, AgRg no RMS 31962, AgRg no RMS 31123, AgRg no RMS 31137 PR, AgRg no RMS 31172 PR, AgRg no RMS 31443 PR, AgRg no RMS 31545 PR, RMS 31109 PR.
O Supremo Tribunal Federal ainda não tem jurisprudência consolidada quanto à possibilidade, ou não, de utilização de precatório para pagamento de tributos cedido por terceiro e oriundo de outro ente, que não as Fazendas Públicas.
Contudo, já existe precedente do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a circunstância de o devedor do precatório ser diferente do credor dos tributos que se pretende compensar, não é relevante para impedir a utilização de precatório para quitação de tributos, desde que ambos integrem a mesma esfera política. Assim, se o devedor do precatório for, por exemplo, uma autarquia federal, pode o precatório ser utilizado para quitar tributos federais.
Eis o precedente mencionado:
“DECISÃO:
1. Discute-se no presente recurso extraordinário o reconhecimento do direito à utilização de precatório, cedido por terceiro e oriundo de autarquia previdenciária do Estado-membro, para pagamento de tributos estaduais à Fazenda Pública.
2. O acordão recorrido entendeu não ser possível a compensação por não se confundirem o credor do débito fiscal — Estado do Rio Grande do Sul — e o devedor do crédito oponível — a autarquia previdenciária.
3. O fato de o devedor ser diverso do credor não é relevante, vez que ambos integram a Fazenda Pública do mesmo ente federado [Lei n. 6.830/80]. Além disso, a Constituição do Brasil não impôs limitações aos institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo resulta da própria lei VOLTAR
A Legalidade é a questão central para o desenvolvimento do nosso país. Afora discussões doutrinárias relevantes, há questões de fato que demonstram a existência de uma Legalidade em crise. Trata-se de um desafio que necessitamos enfrentar.
As mudanças na forma de pensar o Direito Tributário vêm sendo incentivadas por diversos doutrinadores, desde Alfredo Augusto Becker, há 45 anos atrás. Juntamente com a importante contribuição para apontar a necessidade de cientificidade no estudo do Direito Tributário e a importância da necessária separação entre conceitos financeiros e tributários, a ruptura entre Direito Tributário e Financeiro incentivou o fortalecimento da legalidade, que deve ser corretamente interpretada para evitar o seu uso de acordo com os interesses, feita com poder político e sem qualquer referência.
O Direito é autônomo, existe dentro de um mundo social, histórico, econômico, e a sua autonomia não deve ser confundida com esses setores, mas como instrumento de mudanças. A interdisciplinaridade entre essas áreas, tão importante, pressupõe a disciplinaridade. É importante que ocorra a conexão adequada entre esses saberes, para que cada um faça a sua função.
A Economia, por exemplo, deve permitir mais eficiência econômica, mais resultados. O Direito deve permitir que tenhamos regras objetivas, para que possamos ter uma economia \"institucionalizada\", em que os players econômicos tenham clareza, saibam quanto pagam de tributos e como funciona o contencioso, por exemplo.
O Direito é um instrumento fundamental para o desenvolvimento. É ele que deixa as regras claras e permite o controle das relações societárias nas quais, empresas constituídas como sociedades anônimas possibilitem que o investidor saiba que retorno terá de seu investimento, qual é a política de dividendos, etc. Isso é importante para que tenhamos a sustentação, a transparência que a sociedade necessita.
É o Direito que estabelece inclusive regras contábeis. Fato curioso que merece registro é o novo modelo de demonstrações contábeis, instituído recentemente, permitindo uma flexibilização na avaliação dos ativos, um dos eixos da recente crise internacional. Em vez de uma contabilidade mais conservadora, esse sistema permitiu que os dados fossem superdimensionados e o reflexo contábil ficou mais distante da realidade. Aqui uma questão importante: o que é a realidade? É possível manipular informações e obter outras realidades econômicas que não dizem respeito à própria realidade da Ciência Econômica.
Voltando para a questão do Direito para o desenvolvimento, o que se propõe hoje não é a abordagem do Direito para o próprio Direito/Justiça, mas sim uma Justiça que funciona para permitir o desenvolvimento econômico, uma Justiça que se preocupa em institucionalizar a economia e a política com regras claras. A palavra-chave aqui é \"transparência\", fazer com que as instituições funcionem. É o que os norte-americanos denominam accountability.
Ao analisarmos o processo legislativo no Brasil, é possível perceber um certo segredo - promovido pelo próprio Estado - em relação aos projetos e por consequência em relação às mudanças institucionais. A afirmação a respeito da abertura para a sociedade participar da discussão sobre as leis, na prática não acontece. Essa circunstância é grave, se considerarmos que do lado de fora da tecnocracia estatal existem pessoas que podem ajudar a pensar, a refletir, para melhorarmos a qualidade das nossas leis.
A Legalidade é a chave para resolvermos esses problemas. Não podemos esperar que o Governo proponha as reformas da maneira como vem fazendo. Hoje pagamos tributos porque a lei determina, ao contrário do que deveria ser: o tributo é pago para termos retorno em políticas públicas. Deveríamos ter o direito de saber como é gasto nosso dinheiro e decidirmos se vamos aceitar certas exigências em razão de determinados gastos públicos.
O Brasil encontra-se estável economicamente e tem condições fantásticas de desenvolvimento. Mas nós temos sérios desafios institucionais. Necessitamos de um regime que permita \"transparência\" para enfrentarmos esses desafios estruturais e conceituais.
Quando falamos em Estado, o tratamos como um ser estranho, abstrato, para cujas instituições atribuímos pouco valor. Existe um problema moral por trás dessa constatação, visto que o brasileiro não entende qual o efeito terá se respeitar as leis, se recolher os tributos. Não temos a noção da eficácia que as leis têm por falta de transparência das instituições e, também, porque não temos uma fiscalização que faça com que elas funcionem.
A Constituição Federal foi inflada de direitos e garantias fundamentais, com parte significativa ainda sem efetividade. Os tributos são introduzidos por lei e, se a lei não aceita, o governo trabalha para instituir por lei complementar e, se não for possível por lei complementar, articula-se para introduzir por emenda constitucional. Assim, há uma escalada da legalidade, uma captura dos agentes públicos pelos interesses privados. O governo, então, utiliza-se da \"máxima legalidade\", a Constituição Federal.
Somente a título ilustrativo, sem esgotar os exemplos do Governo, há uma grande quantidade de tributos cuja instituição foi levada a efeito através de emendas constitucionais: a EC n. 3 instituiu o IPMF, a EC n. 12 instituiu o CPMF, a Cofins surgiu pela EC n. 20, o ICMS sobre importação pela EC n. 33, a contribuição de iluminação pela EC n. 39, a EC n. 41 trouxe a contribuição dos inativos e a EC n. 42 alterações para Pis e Cofins.
Os políticos falam em nome da democracia, do bem comum, do interesse publico e, na prática, fazem o que querem. Um exemplo dessa ineficiência é a PEC 233, que propõe uma quantidade enorme de dispositivos para modificar a Constituição, institui a unificação das regras acerca do imposto sobre valor agregado, cobrado no destino, sem base empírica de dados para verificar o quanto os Estados irão perder. Cria um fundo de compensação abstrato, que na prática não funciona, sem sentido, sem fundamentação. Outros exemplos de problemas criados pela legislação: a Lei n. 9.718/98, e a Lei n. 10.637/02 exemplos de invalidade e imprecisão nos conceitos de faturamento, receita bruta, de insumo para efeitos de PIS e Cofins. A conclusão é a seguinte: através das leis estão sendo criados problemas em vez de soluções.
Esses fatos, essas conseqüências práticas que foram ressaltadas, somam-se ao questionamento de aspectos teóricos da Legalidade, a norma descreve comportamentos a serem adotados pelo Poder Legislativo (regras), bem como estabelece o dever de buscar um ideal de \"previsibilidade e determinabilidade\" (princípio) para o exercício da atividade do contribuinte frente ao poder de tributar.
Os tributaristas são quase unânimes em afirmar que o Princípio da Legalidade é o mais importante no Direito Tributário. De fato, ele tem uma importância muito grande. De uns tempos para cá, no entanto, a significação desse princípio vem sendo questionada, especialmente tendo em vista duas questões: a impossibilidade de a Legalidade abarcar toda a realidade e as suas condições atuais de aplicação.
De início devemos considerar que os fundamentos teóricos da Legalidade vêm sendo questionados, porque sustentaram, durante muito tempo (e ainda se faz isso), que a Legalidade significa que \"todos\" os elementos da obrigação tributária devem estar previstos na lei. Com o avanço dos estudos em hermenêutica, os teóricos chamaram a atenção para a impossibilidade dessa afirmação, ou seja, a lei nunca vai poder conter tudo, ela vai conter uma estrutura significativa, mas \"tudo\", em linguagem, é virtualmente impossível.
A outra questão diz respeito às condições atuais de aplicação da Legalidade. Doutrinadores, como Ricardo Lobo Torres, têm chamado a atenção para o fato de que hoje experimentamos o surgimento das inovações tecnológicas com muita rapidez, bem como constatamos que os valores são muito pulverizados. Nessas circunstâncias, o entendimento que a lei deva prever todos os elementos e que os conceitos legais são fechados, significaria \"engessar\" a aplicação do Direito.
Dessa forma, devemos reinterpretar a Legalidade para entender que a lei não tem que prever tudo, considerando que devemos interpretar conceitos com uma certa maleabilidade. Caso contrário, nós teríamos uma compreensão da legalidade \"incompatível\" com a sociedade de risco (que evolui muito rapidamente) e que só pode ser normatizada através de conceitos mais flexíveis.
Serão tratados aqui apenas dois exemplos das questões atuais relativas à Legalidade, para demonstrar a sua relevância e ressaltar que as condições de interpretação da Legalidade devem ser repensadas.
Um exemplo dessa constatação é o conceito de prestação de serviços de comunicação. Se for muito rígido, não abrangerá provedor de internet, estação de celular, entre muitas outras realidades, porque a inovação tecnológica é muito mais veloz do que a evolução dos conceitos. Não há discordância a respeito da necessidade de evolução dos conceitos, o problema é saber se a evolução será feita pelo intérprete ou pelo Supremo Tribunal Federal.
Há duas correntes de interpretação sobre o conceito de serviço de comunicação: a primeira pressupõe a existência de um emissor e um receptor determinado, ou seja, a bilateralidade e um conteúdo determinado. A segunda admite a troca de informação entre emissor e receptor, sendo que esse último não necessariamente precisa ser determinado, nem mesmo precisa pagar pelo serviço (exemplo: o outdoor).
Assim, entre os muitos pontos referentes à Legalidade que estão em pauta atualmente, o poder dos Estados de instituir o ICMS para prestação de serviços de comunicação envolve a discussão sobre o conceito, a forma como este conceito foi construído e qual das justificativas está mais fortemente suportada pelo Direito.
Outra questão interessante, relativa à correta aplicação da Legalidade, trata da hierarquia entre lei complementar e lei ordinária. A discussão, ora comentada, iniciou a partir das demandas judiciais sobre a isenção de recolhimento da Cofins para as sociedades civis de prestação de serviços profissionais, instituída no artigo 6º, II, da Lei Complementar n. 70/91, e posteriormente revogada pelo artigo 1º da Lei n. 9.430/96.
Ao estabelecer o Princípio da Legalidade na Constituição Federal, o legislador quis determinar que somente fontes normativas \"primárias\" podem estabelecer tributos e instituir isenção. Essas fontes são as leis ordinárias (atualmente também a medida provisória), que são aprovadas pelo Poder Legislativo por maioria simples de votos, ou seja, o primeiro número inteiro acima da metade dos presentes na sessão. A lei complementar, relativamente ao seu procedimento, requer a maioria absoluta, devendo ser considerados todos os membros do Congresso Nacional.
Além dessa diferença, que é formal, temos a diferença material entre a lei ordinária e a lei complementar: relativa ao conteúdo. Enquanto a lei ordinária é a fonte escolhida pela Constituição para instituir tributos, a lei complementar é a escolhida pela Constituição para realizar determinados fins específicos (de várias formas: estabelecer normas gerais, estabelecer impostos residuais, definir serviços tributáveis, regime de não cumulatividade do ICMS, limitações ao poder de tributar, etc.).
Diante disso, devemos verificar se existe hierarquia, em que medida e quais os efeitos gerados por ela. Conforme o professor Paulo de Barros Carvalho, hierarquia é uma relação de dependência entre fontes normativas, de tal forma que uma estabelece, em relação à outra, os requisitos procedimentais (procedimento de aprovação) ou os requisitos materiais (conteúdo determinado)[1][1].
No ordenamento jurídico brasileiro não há somente uma espécie de lei complementar, são diversas as funções cumpridas pelas leis complementares. Existem leis complementares que exercem eficácia direta, como a lei complementar federal para instituir impostos da competência residual da União Federal (art. 154, I, CF), exemplo no qual a lei atua sozinha, diretamente. Há casos em que a lei complementar exerce eficácia indireta, ao estabelecer forma ou conteúdo de outras leis (art. 59, par.único, CF). O Código Tributário Nacional é lei complementar que estabelece o conteúdo (hierarquia material) das lei ordinárias, prevê base de cálculo, fato gerador, cobrança mediante inscrição de crédito tributário, o que deve ser obedecido pelos Municípios, Entes Federados e a União Federal.[1][2]
Dessa forma, a questão não está em considerar apenas o quorum para aprovação de uma lei, devemos verificar o que a Constituição estabelece ao regular a matéria. Para verificar se existe ou não hierarquia, primeiro se verifica que tipo de lei complementar (de eficácia direta ou indireta) se trata. No caso da LC n. 70/91, a Constituição havia reservado a matéria para lei ordinária. O legislador escolheu a via da lei complementar, mas, apesar disso, ela tem eficácia de lei ordinária. Se não fosse assim, teria ocorrido alteração de competência de forma elíptica, ou seja, a alteração de requisitos constitucionais sem emenda constitucional.
A discussão foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça, que adotou o entendimento no qual o quorum era relevante, para depois verificar que teoricamente estava errado. Para não precisar mudar de entendimento logo após a edição da Súmula n. 276, passou a interpretar que se tratava de matéria constitucional e o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a lei complementar valeu como ordinária, conforme a Ação Direta de Constitucionalidade n. 1, julgada pelo Tribunal Pleno em 01.12.1993, cujo Relator foi o Ministro Moreira Alves.
As relevantes questões apontadas, no que diz respeito à Legalidade, demonstram que hoje temos a oportunidade e o dever de contribuir para o processo de amadurecimento de nossas instituições, visto que os fatos indicam a falta de transparência necessária e a ineficácia dos legisladores ao produzirem as nossas leis.
Por outro lado, os exemplos referentes às discussões conceituais nos indicam que o caminho desse amadurecimento deve passar pelo estudo das normas, resultado da interpretação de um objeto: os dispositivos legais[1][3]. O significado não é algo incorporado ao conteúdo das palavras, mas algo que depende de seu uso e interpretação[1][4]. O intérprete não atribui o significado correto aos termos legais, ele tão-só constrói exemplos de uso da linguagem ou versões de significado (sentidos), já que a linguagem nunca é algo pré-dado, mas algo que se concretiza com o uso.
[1][1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário.São Paulo, Saraiva, 2005, p. 208/215.
[1][2] O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a validade do CTN como documento portador de normas gerais de Direito Tributário, no RE n. 106.217 e RE 136.215. Também o STJ reconhece essa validade, no Resp n. 36.311, Resp n. 140.172, Resp n. 88.999, Resp n. 111.611.
[1][3] GUASTINI, Ricardo. Teoria e Dogmática delle Fonti. Milano, Giuffrè Editore, 1998, p.16.
[1][4] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Malheiros, São Paulo, 2006, p. 31.
(…)
Dou provimento ao recurso extraordinário, com fundamento no disposto no art. 557, § 1º-A, do CPC. Custas ex lege. Sem honorários”. (RE 550400, Relator(a): Min. EROS GRAU, julgado em 28/08/2007, publicado em DJ 18/09/2007 PP-00080 REPUBLICAÇÃO: DJe-108 DIVULG 21-09-2007 PUBLIC 24-09-2007 DJ 24/09/2007 PP-00119).
Precatórios de Natureza Alimentar
A Constituição Federal define precatório de natureza alimentar no seu artigo 100, § 1º nos seguintes termos: “os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo”
Os precatórios de natureza alimentar têm a vantagem de ter preferência de pagamento sobre os precatórios comuns. Contudo, estes precatórios têm a seguinte desvantagem, não existe ainda consenso nos Tribunais Superiores a respeito da possibilidade de se utilizá-los para compensação com débitos tributários (art. 16 da Resolução/CNJ 115/2010).
O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência consolidada no sentido de afastar pretensão de empresas utilizarem precatórios com o intuito de compensar tributos.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, não obstante o § 2º do artigo 78 do ADCT determinar que os precatórios relacionados no caput terão poder liberatório do pagamento de tributos, o caput do mesmo artigo 78 exclui os créditos de natureza alimentar e de pequeno valor. Assim, a compensação tributária com precatórios de natureza alimentar é hipótese não prevista no art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que não a permite.
Eis algumas ementas da jurisprudência mencionada:
“CONSTITUCIONAL – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – ART. 78, § 2º, DO ADCT – PODER LIBERATÓRIO DO PAGAMENTO DE TRIBUTOS – CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR.
1. As parcelas do precatório submetido à moratória do art. 78 do ADCT, se não liquidadas até o final do prazo previsto, passam a ter poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora, nos moldes do § 2º do mesmo dispositivo constitucional.
2. À luz do referido enunciado normativo, ressalvados os créditos de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os previstos no art. 33 do ADCT e suas complementações e ainda os que já tiverem os recursos liberados, os precatórios que forem objeto de parcelamento e cujas parcelas não forem pagas até o final do prazo constitucional, terão eficácia liberatória do pagamento de tributos .
3. Hipótese em que os créditos contidos no precatório objeto de compensação originam-se de honorários de sucumbência em ação indenizatória, qualificando-se como créditos alimentares.
4. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido”.
(RMS 31.160/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 08/09/2010)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO NO MANDADO DE SEGURANÇA. COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS COM CRÉDITO DE PRECATÓRIO VENCIDO, E NÃO PAGO. NATUREZA DAS AÇÕES DE ONDE ORIGINADOS OS PRECATÓRIOS. ART. 78, § 2º, DO ADCT. CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ.(…)
2. A atual jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que não há falar em poder liberatório do pagamento de tributos, nos termos do art. 78, § 2º, do ADCT, quanto aos precatórios de natureza alimentar. Esse entendimento decorre da literalidade do art. 78, § 2º, do ADCT, cujo teor, explicitamente, ressalva os créditos de natureza alimentícia.
3. Agravo regimental não provido. (AgRg no RMS 29.544/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/04/2010, DJe 27/04/2010)
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADIN 1.662/SP, decidiu pela inaplicabilidade do artigo 78 do ADCT aos precatórios alimentares. Em vista disso, em tese os precatórios de natureza alimentar não teriam poder liberatório para pagamento de tributos, visto que este poder é conferido pelo artigo 78, § 2º do ADCT.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral dos temas relativos à aplicabilidade imediata do art. 78, § 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT e à possibilidade de se compensar precatórios de natureza alimentar com débitos tributários (RE 566349 RG). Assim, é possível que o Supremo venha a entender que os precatórios de natureza alimentar adquiridos de terceiros podem ser cedidos e utilizados com efeito liberatório para pagamento de tributos, mas ainda não há qualquer segurança quanto a isso.
Descontos com honorários de advogado, perito e retenções de tributos
Deve se atentar que, parte dos créditos decorrentes de uma ação judicial podem pertencer à outras pessoas, que não o vencedor da ação, tais como advogados, peritos, dentre outros.
Com efeito, além dos honorários de sucumbência que normalmente já estão especificados no processo, ainda pode haver um fator surpresa, pois antes da expedição do precatório, o advogado que participou da ação tem o direito de juntar aos autos o contrato de honorários firmado com o seu cliente e, nesta hipótese, o juiz irá determinar que lhe sejam pagos diretamente os valores a que faz jus, por dedução da quantia a ser recebida pelo seu cliente.Esta possibilidade afeta diretamente o montante a ser pago no precatório, pois pode alterar consideravelmente o valor do crédito constante do precatório.
Além disso, quando do pagamento do crédito decorrente do precatórios, são retidos valores a título de imposto de renda na fonte, bem como os valores a título de contribuição previdenciária.
Finalmente se esclarece que os precatórios serão expedidos individualizadamente, por credor, ainda que exista litisconsórcio.