Ao encerrar nesta segunda-feira (07) a audiência pública sobre a atuação de advogados estrangeiros no pais, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, disse que foi atendida a expectativa de se ampliar o debate, de maneira democrática e transparente, e fornecer elementos para que a entidade possa se posicionar em torno das propostas sobre uma possível mudança nas regras vigentes. Ainda não há data prevista para exame da matéria, que tem como relator o conselheiro federal Marcelo Zarif (BA).
A audiência teve início com a exposição do ex-conselheiro federal Sérgio Ferraz, integrante da Comissão criadora do Provimento 91/200, que dispõe sobre o exercício da atividade de consultores e sociedades de consultores em Direito estrangeiro no país. Ferraz lembrou que no ano 2000 já era intensa a afluência de grandes bancas de advocacia interessadas em atuar no Brasil e exercer a advocacia no contexto da globalização.
“À época, o Ministério das Relações Exteriores mostrava-se bastante sensível aos reclamos internacionais de liberação do mercado para as bancas internacionais. Hoje nota-se um respeito muito maior e uma grande expectativa sobre qual será a posição da OAB quanto à presença estrangeira”, afirmou Ferraz, para quem o Provimento 91 é cauteloso ao disciplinar as formas de atuação da advocacia estrangeira no Brasil.
O vice-presidente do Conselho Geral da Advocacia Espanhola, Joaquim Garcia-Romanillos, defendeu o aprofundamento das relações e acordos entre sociedades de advogados espanholas e brasileiras. Para ele, respeitando-se o princípio da reserva da habilitação, esse tipo de relacionamento seria “conveniente” para os clientes. “Na regulamentação espanhola não existe obstáculo à colaboração entre sociedades de advogados. Essa relação não resultou no desaparecimento de nenhum tipo de escritório espanhol, nem grandes nem pequenos”, afirmou Romanillos, para quem parcerias entre advogados de distintas jurisdições redundam em benefícios.
André de Almeida, presidente da Federação Interamericana de Advogados (FIA) – que representa 44 organizações profissionais da advocacia – sustentou que os advogados brasileiros não deixarão de ser protagonistas da advocacia no país mesmo diante de um possível reajuste no mercado. “Não acredito que um sócio brasileiro que firme parceria com uma sociedade estrangeira estará fadado a perder sua independência. Os estereótipos de invasão do país pelas sociedades estrangeira são, para mim, um grande equívoco”. Ao descrever a realidade da advocacia no BRICs – agrupamento do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – Almeida criticou a decisão da Índia, de encerrar a advocacia nas mãos de poucos grupos profissionais indianos, e ressaltou que tanto a China quanto a Rússia, que permitiram a abertura de seu mercado, tem convivido de forma harmônica com grandes escritórios americanos e ingleses.
O representante da União Internacional dos Advogados (UIA), Paulo Lins e Silva, afirmou que a entidade que congrega mais de 200 Ordens e Colégios de Advogados em todo o mundo, posiciona-se de forma neutra em relação à abertura do mercado aos estrangeiros para não colidir com a atividade escolhida por cada país. No entanto, Lins e Silva afirmou que a UIA segue caminho diverso da cultura adotada por grandes escritórios, com filiais em vários países do mundo. “A arte de advogar, sob a nossa concepção, deve ser a de receber o cliente pelo nome, conhecendo a sua vida ou a vida de sua empresa, e não tratá-lo como um número. Essa é a política adotada no Brasil e a qual a UIA adota”, afirmou o representante da UIA em defesa do que chamou de “artesania” na advocacia e da preservação da cultura advocatícia brasileira.
O diretor executivo do Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, Alfredo de Assis Gonçalves Neto, classificou como “condenável” estender às associações estrangeiras o que o provimento 92 define como permitido para facultar a atuação desregrada de escritórios estrangeiros no Brasil. Para o dirigente, nunca haverá a recíproca esperada, porque os escritórios estrangeiros que virão ao Brasil são, normalmente, de países nos quais o Brasil jamais terá condições de entrar. “Não podemos permitir que, sob o manto do nome ´associações’, acabem acontecendo fatos que retirem das sociedades brasileiras os limites que nosso Estatuto e o Regulamento Geral estabeleceram”, afirmou Neto, criticando o que chamou de “simbioses perigosas” e a possibilidade de mercantilização da advocacia a partir da atuação estrangeira na advocacia nacional.
Para o representante do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA) José Luiz Freire, o que está em debate é a estrita observância das leis e ressaltou que a lei federal brasileira que rege a profissão é extremamente liberal. “O estrangeiro pode validar seu diploma no Brasil, pode se inscrever na OAB e assim, ficar apto a praticar sob as normas do direito brasileiro. Podem também os advogados estrangeiros atuar no Brasil como consultores em Direito estrangeiro. Nossas normais tem, pois, caráter essencialmente liberal”, afirmou o membro do CESA – que reúne mais de mil sociedades de advogados brasileiras –, ressaltando a importância da preservação do principio da legalidade e do Estatuto da Advocacia, bem como suas normas regulamentadoras.
O membro da Comissão Nacional de Direitos Difusos e Coletivos da OAB Nacional, Augusto Aras, defendeu que não se pode tratar de um assunto tão importante no contexto do simples sim ou não. Em sua avaliação, é preciso construir um novo caminho que preserve a independência e a autonomia dos advogados. “Esse é o grande desafio. Num regime democrático e num sistema capitalista de mercado, o que nos cabe é o caminho do meio: preservar a atividade fim da advocacia e facultar a atividade meio naquilo em que for possível, com a compreensão de que nada é melhor do que o princípio da razão para evitar que a advocacia brasileira seja usada para associações embusteiras”.
Na avaliação do presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB, o membro honorário vitalício Cezar Britto, esse é um dos temas mais importantes para o futuro da advocacia brasileira e deverá ser decidido sob a ótica da reciprocidade. Por essa razão, Britto lembrou que a Comissão de Relações Internacionais compreendeu que o Provimento 91 cumpre o seu papel no que se refere à consultoria. “O que temos a discutir agora é como o advogado brasileiro pode crescer com as empresas que estão crescendo com o Brasil. É preciso compreender esse novo país que vivemos e que deve ter a melhor e mais organizada advocacia do mundo”, ressaltou Britto.
Após a apresentação dos convidados, vários conselheiros federais apresentaram questionamentos e pontos de vista sobre a matéria.