As empresas já podem contar com um aliado de peso no Poder Judiciário ao tentarem acordos com seus funcionários diante de dificuldades financeiras provocadas pela crise, desde que o contexto da negociação seja bem fundamentado. O novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Moura França, adiantou ao Valor que seus votos serão favoráveis à negociação entre as partes no julgamento de casos de acordos coletivos firmados no contexto da crise atual, desde que não haja nenhum vício formal e que eles não atentem contra a segurança, higiene e saúde do trabalhador. Segundo o ministro, “a negociação é saudável e tem como finalidade a manutenção do emprego dos trabalhadores”, o que, diz, ajudaria a movimentar a economia, sendo benéfico para todas as partes.
Ainda que o julgamento de acordos coletivos no TST dependa de votos de vários outros ministros, se depender da influência do ministro Moura França, a negociação será mais bem aceita. Na prática, já é possível confirmar a mudança. Há apenas 20 dias na presidência da instância máxima da Justiça trabalhista no Brasil, o magistrado já demonstrou força ao argumentar de forma favorável à negociação aos colegas do TST. Seu posicionamento foi decisivo em um caso que começou a ser julgado no fim de fevereiro e concluído na semana passada pela Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1). Por uma votação apertada, de sete votos a seis, a seção reconheceu a validade de uma cláusula de um acordo coletivo firmado em 1998 entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a Volkswagen do Brasil que, em meio a uma crise econômica iniciada em 1997 nos países asiáticos, permitiu o parcelamento de parte da participação nos lucros e resultado (PLR) em 12 meses, ainda que a lei não autorize que o pagamento seja feito em uma periodicidade inferior a seis meses.
Durante o julgamento, o relator do caso no TST, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, manteve em seu voto uma decisão da terceira turma do tribunal que tinha rejeitado os termos do acordo entre a empresa e o sindicato e garantido aos trabalhadores o direito de terem reconhecida a natureza salarial da parcela, e consequentemente, seus reflexos sobre os encargos trabalhistas. O ministro Moura França, no entanto, abriu a divergência, que, pela primeira vez, foi seguida pela maioria.
Em agosto do ano passado, dois outros processos semelhantes, também contra a mesma cláusula do acordo coletivo da empresa, já haviam sido analisados – e o dispositivo havia sido derrubado pela seção. Durante o julgamento deste ano, no entanto, o ministro Carlos Alberto e o ministro João Oreste Dalazen – agora vice-presidente do TST, e que não tinha participado dos demais julgamentos que tratavam do tema – acompanharam a corrente de Moura França, até então minoritária. A maioria dos ministros acabou por reconhecer a validade da cláusula mesmo com as disposições da Lei nº 10.101, de 2000, que veda a distribuição de participação de lucros por períodos inferiores a seis meses.
O caso, segundo Moura França, vai além do que estabelece a lei, já que o acordo foi estabelecido de forma regular, em negociação coletiva entre o sindicato e a empresa em um momento de crise, onde foi até a cogitada a demissão de funcionários. “O acordo evitou um problema maior que é o desemprego e foi religiosamente cumprido pela empresa”, disse o ministro ao Valor. Para ele, a negociação é sempre a melhor via nesses momentos de dificuldade financeira, já que as partes têm mais conhecimento sobre a situação econômica da companhia. “Nesse momento de crise, tem que haver negociação à exaustão para que as partes possam ajustar temporariamente sua situação dentro da realidade existente, enquanto não há uma legislação moderna que atenda a essas necessidades”, afirma.
A advogada trabalhista Camila Dantas Borel, do escritório Martinelli Advocacia Empresarial, no entanto, alerta para o cuidado necessário em negociações como essas. No caso do parcelamento da participação dos lucros, por exemplo, é necessário que haja um contexto comprovado da crise enfrentada pela empresa. Isso porque a lei que instituiu o PLR vedava justamente a distribuição em mais de duas vezes ao ano para que empresas não usem esse meio para pagar salário indireto. “A empresa deverá demonstrar, como no caso, que não houve má-fé e que o valor foi parcelado somente devido à crise”, diz. A aprovação de uma reforma sindical – que ainda não saiu do papel – poderia contribuir para que a negociação coletiva fosse mais utilizada no Brasil, segundo o advogado Marcus Kaufmann, do escritório Paixão Côrtes Advogados Associados. Isso porque países como Portugal, Espanha e França, que possuem leis fortes nesse sentido, há, por norma, o direito de acesso de sindicatos a informações da empresa, o que, segundo ele, facilita a negociação. “O Brasil, porém, ainda não tem essa cultura e nem uma lei que fortaleça essa via. Por isso, a importância de decisões como essa que prestigiam a negociação”, diz.