A queda de arrecadação da União e dos Estados no primeiro bimestre resultou em redução nos repasses obrigatórios aos municípios. Em São Paulo, a queda real das transferências globais a municípios no primeiro bimestre foi de 9,07%, na comparação com o mesmo período de 2008, levando em conta o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA). Em Santa Catarina, o repasse total registrou perda real de 7,85%.
As prefeituras também sentem a diminuição nos recursos recebidos da União. A arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) teve queda real de 5,97% e 26,25%, respectivamente. São esses os dois tributos recolhidos pelo governo federal e repassados a Estados e municípios.
O impacto desta queda da arrecadação já está sendo sentido. Segundo a Confederação Nacional de Municípios, entre o fim de dezembro e 20 de março os repasses do governo federal caíram 12,57% em termos reais, se comparados ao mesmo período de 2008. Em Minas Gerais, o total de recursos obrigatórios da União para os municípios, em março, deverá ser 11,9% nominais menor do que o do mesmo mês do ano passado.
O efeito da queda de arrecadação da União e Estados nas prefeituras é quase instantâneo. O ICMS, principal tributo repassado pelos Estados, é transferido aos municípios na semana seguinte em que entra nos cofres estaduais. A União demora um pouco mais: transfere os recursos do IR e do IPI no decêndio seguinte ao recolhimento.
Paulo Ziulkoski, presidente da confederação de municípios, diz que os repasses obrigatórios da União e dos Estados respondem por 60% das receitas tributárias das prefeituras. Cerca de 77% dos municípios, diz, têm nas transferências do governo federal recursos que representam entre 40% e 95% das receitas totais.
Com recursos menores que o planejado, a primeira reação das prefeituras tem sido reduzir a folha salarial ou investimentos. Em Minas Gerais, 34 mil vagas de servidores municipais deixaram de ser repostas desde o começo do ano, e em Paulínia o corte de horas extras é uma das soluções mais imediatas caso a queda nos repasses resulte em perdas maiores de receitas. Em Santa Catarina, nos municípios atingidos pelas enchentes, a queda de receitas levou ao contingenciamento de recursos e os investimentos foram cortados, mantendo-se as obras para reconstrução.
“Vamos esperar até o fim do primeiro quadrimestre. Dependendo do desempenho, faremos cortes de custeio, como nas horas extras dos servidores”, diz Carolina Bordignon, secretária de rendas da prefeitura de Paulínia, interior de São Paulo. Nele, o efeito da transferência de recursos foi mais perverso porque, além do recuo na transferência total do ICMS paulista, a cidade acabou perdendo, de 2008 para 2009, uma parte de seu índice de participação no repasse estadual. Ou seja, sua fatia diminuiu no momento em que o bolo do ICMS ficou menor. Com isso, o tombo dos repasses totais do Estado ao município foi de 12,47% no primeiro bimestre, em relação ao mesmo período de 2008.
Carolina diz que o impacto ainda não resultou em medidas emergenciais em razão de dois fatores a favor do município. O primeiro, o superávit financeiro da prefeitura no ano passado, que terminou com receita R$ 150 milhões superior ao orçado, em função de um desempenho melhor do que o esperado de repasse de ICMS e de arrecadação própria.
O outro fator a favor do município é o recolhimento de ISS que, segundo Carolina, continua forte, em função de obras de reforma efetuadas pela Petrobras, que mantém na cidade a Refinaria do Planalto (Replan), grande responsável pelo valor adicionado que gera repasse de ICMS à prefeitura. “Com isso a construção civil tem mantido a arrecadação de ISS.” Segundo Carolina, a ideia num primeiro momento é manter os investimentos planejados para o ano.
“A primeira medida dos municípios nessa hora costuma ser o corte de horas extras, o congelamento de vagas ou um reajuste menor nos salários dos servidores. São cortes com efeitos imediatos, diferentes de uma reforma administrativa, cujos resultados são lentos”, diz Amir Khair, especialista em contas públicas.
Em Minas Gerais, a queda na receita do FPM deve levar, a curto prazo, a uma onda de desemprego nas prefeituras do Estado. Segundo o presidente da Associação Mineira dos Municípios (AMM), o ex-prefeito de Mariana Celso Cota (PMDB), o poder municipal era responsável nas 853 cidades de Minas por 978 mil postos de trabalho, sendo o maior empregador do Estado. Já na troca de administrações, como medida de contenção, 34 mil postos de funcionários contratados não foram preenchidos.
“Nossa avaliação é que esta queda no FPM leve a que o total de postos fechados chegue a 90 mil até junho”, disse. Segundo dados da AMM, o total de FPM a ser repassado em março deverá ser de R$ 343 milhões, ante R$ 389 milhões em março de 2008, queda de 11,9%. Em fevereiro, mês de repasse tradicionalmente mais forte, o recuo é ainda maior. No mês passado, o FPM para Minas foi de R$ 429 milhões, ou 20,1% superior. Um dado ainda mais significativo, levando em conta que 57% dos municípios mineiros contam com menos de dez mil habitantes e dependem majoritariamente do FPM.
Em Taquaruçu de Minas, com 4 mil habitantes, a prefeitura depende em 60% do FPM para compor seu orçamento projetado inicialmente para R$ 10 milhões ao longo deste ano. Em fevereiro, o FPM local foi de R$ 360 mil. Em março, a previsão é que seja de R$ 235 mil, uma queda de 34,8%. “Vou ter que reduzir o pessoal empregado em plantões médicos, serviços na área escolar e limpeza urbana”, disse o prefeito Marcilio da Cruz (PSDB). Só de funcionários contratados, passíveis de demissão, a prefeitura de Taquaruçu de Minas emprega 150 pessoas. O maior empregador privado no município responde por 45 postos de trabalho. A cidade é a menor da região metropolitana de Belo Horizonte, a 60 quilômetros da capital mineira.
Em cidades maiores e com a economia lastreada em comércio e serviços, o tombo foi menor. Em Governador Valadares, com 260 mil habitantes, a redução do FPM foi de 7,14% em fevereiro, em relação ao previsto no orçamento. Segundo o secretário municipal de Planejamento, Jaider Batista, esse recuo, caso persista ao longo do ano, significará uma perda de receita anual de R$ 25 milhões, sobre um orçado de R$ 308 milhões.
Em Santa Catarina os municípios localizados no Vale do Itajaí foram duplamente afetados no primeiro bimestre deste ano. Além da queda de repasses de impostos estaduais, cidades como Itajaí e Ilhota ainda sentiram a diminuição do seu movimento econômico por conta dos estragos causados pelas enchentes de novembro. Para esses municípios, a redução nos repasses veio justamente no momento em que precisam fazer obras de reconstrução.
Em Itajaí, no primeiro bimestre deste ano, os repasses totais de impostos estaduais caíram de R$ 19,8 milhões para R$ 19,6 milhões. O município sofreu perdas principalmente no ICMS, uma vez que a principal fonte deste imposto no município, o Porto de Itajaí, teve dois de seus três berços de atracação destruídos pelas águas. O porto ficou no primeiro bimestre com sua operação a 30% da normalidade.
“Esses recursos fazem falta especialmente agora que estamos em um momento de recuperação da economia local. É difícil buscar em outro lugar uma compensação para a queda desses repasses”, explica o secretário da Fazenda de Itajaí, Julio de Sá.
Uma das medidas tomadas recentemente pela prefeitura para fazer frente à redução de ICMS foi incentivar o pagamento de devedores do IPTU, imposto sobre propriedade de imóveis, e que vai diretamente para o cofre do município. A prefeitura permite que o morador inadimplente pague somente 20% da multa referente ao atraso. Por enquanto, contudo, Sá diz que a queda nos repasses estaduais não é algo “desesperador”. Além disso, Itajaí também está contando com auxílio do governo do Estado e do governo federal, cuja principal aplicação de recursos se dá na reconstrução do porto, orçada em R$ 350 milhões.
O município fez um provisionamento de 20% da receita total, que ficará em R$ 328 milhões neste ano, e não fará investimentos, apenas orçou gastos com recuperação, que envolvem calçamento, tubulações e drenagem pluvial. Sá espera que em breve o recuo nos repasses seja revertido, justamente com o fim das obras de dragagem do canal de acesso ao porto, condição necessária para ampliar o movimento de cargas. Mas essas obras ainda estão sem previsão de conclusão. Os berços devem ser reconstruídos até o meio do ano.
Já em Ilhota, cidade conhecida pelo Morro do Baú, onde houve uma série de deslizamentos durante as enchentes, os repasses totais do Estado caíram de R$ 556,8 mil para R$ 544,4 mil no primeiro bimestre na comparação com o mesmo período do ano passado. Só o ICMS recuou de R$ 483,9 mil para R$ 469,6 mil. “A diminuição veio em péssimo momento porque estamos com despesas maiores por causa da reconstrução”, disse a secretária de Administração de Finanças de Ilhota, Ana Lúcia Wilvert, acrescentando que a continuidade da redução de arrecadação poderá comprometer parte das obras do município. Nas contas da prefeitura, são necessários R$ 5 milhões só para recuperar ruas, pontes e pontilhões. “E não há esse valor no caixa do município. Ainda estamos pleiteando ajuda do governo estadual e federal.”
As enchentes destruíram não só boa parte da infraestrutura, mas também fizeram com que algumas empresas, afetadas pelas águas, não mais abrissem as portas e isso também resultasse em um impacto negativo sobre a movimentação econômica de Ilhota. “Fora o desemprego que gerou, afetando o consumo das famílias”, afirmou.