Sem dinheiro para pagar em dia os servidores estaduais ou manter os repasses para as áreas de saúde e educação das prefeituras, o governo de Minas deixou de arrecadar R$ 4,76 bilhões no ano passado por causa de renúncias fiscais de ICMS. O montante da renúncia neste ano, em que a crise continua travando os cofres do estado, deve ser ainda maior, chegando a R$ 6 bilhões. Esse dinheiro seria suficiente para quitar os R$ 4,8 bilhões devidos pelo estado às secretarias de Saúde dos 853 municípios mineiros, que sofrem com uma das piores epidemias de dengue da década.
De acordo com levantamento da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), renúncias fiscais nos 19 estados que concentram 92% do total arrecadado via ICMS no Brasil ultrapassaram os R$ 83 bilhões. Minas Gerais não está entre os estados que mais abre mão de sua receita, ainda assim o volume que poderia ser recebido representa 9,7% do total arrecadado com o imposto.
O Amazonas é o que mais concede benefícios tributários, abrindo mão de 69% de sua arrecadação via ICMS para conseguir atrair empresas. Em seguida, vem Goiás, que renuncia a 50% de sua arrecadação. Na outra ponta, Rio Grande do Norte e Ceará são os estados que menos concedem benefícios fiscais para o setor privado, deixando de arrecadar 7,3% e 7,7% dos impostos, respectivamente.
“Vivemos uma guerra fiscal brutal. Os estados estão entrincheirados, cada um tentando oferecer mais benefícios para atrair empresas. Só que o privilégio fiscal nada mais é do que uma transferência de recursos da sociedade para as empresas. Vamos pensar que o estado é um grande condomínio e que as despesas são rateadas pelos moradores. Se 10 moradores deixam de pagar as taxas, as contas do condomínio não vão diminuir, mas o valor será rateado e a taxa dos outros moradores vai aumentar”, diz Juracy Braga Soares, presidente da Febrafite.
No entanto, os auditores responsáveis pelo estudo apontam que o montante de renúncia que Minas deixa de arrecadar com ICMS representa apenas 30% do recurso total que o estado abre mão de receber via impostos. Uma grande parte dos benefícios fiscais que esvaziam os cofres públicos está prevista em lei federal de 1996, a chamada Lei Kandir. Setores como a mineração e o agronegócio, que compõem mais de dois terços da economia mineira, recebem isenção tributária chamada “imunidade constitucional”.
“A maior parte da renúncia em Minas transcende a vontade do governo estadual. É uma imunidade constitucional, começou com isenção do ICMS para a exportação de produtos primários e semielaborados. Sobre ela o governo não recebe nenhum centavo. Para mudar essa situação será preciso uma proposta de emenda Constitucional (PEC) ou a aprovação de uma reforma tributária no Congresso”, explica Maria Aparecida Meloni, auditora fiscal da Secretaria de Fazenda de Minas Gerais e vice-presidente da Febrafite.
A cobrança ao governo de Minas é por mais transparência sobre os favores tributários concedidos às empresas e quais contrapartidas são devolvidas à população. “Se o estado explicasse o motivo de conceder benefício a determinada empresa é porque ela gera uma quantidade xis de empregos; tudo bem, acho que as pessoas avaliaram se vale ou não a pena. Mas nada é divulgado. Não existe transparência”, cobra Juracy.
Em meio à grave crise econômica que os estados atravessam nos últimos anos, os auditores apontam que a discussão sobre as renúncias é fundamental na busca pelo reequilíbrio das contas públicas. No entanto, o interesse dos governos em conseguir atrair investimentos para seus territórios pode ser um entrave no diálogo em busca de um aumento geral nas arrecadações estaduais. “Já percebemos uma união maior dos governadores na briga pelo fim da Lei Kandir, mas será preciso ver os resultados em Brasília”, aponta o presidente da Febrafite.
A renúncia fiscal também é discutida pelo Poder Legislativo mineiro, onde deputados questionaram neste ano as isenções fiscais concedidas às mineradoras e a outros setores da indústria mineira. “Entendemos que o contexto é de guerra fiscal e que o governo ouve das empresas que se não houver renúncia ela será instalada em outro estado. Mas é preciso enfrentar esse debate nacionalmente. Enquanto isso, é fundamental tratar as isenções com transparência, explicando porque um setor recebe benefícios e outro não”, diz o deputado André Quintão (PT), líder do bloco de oposição na Assembleia de Minas (ALMG).
O parlamentar compara a economia prevista no projeto de reforma administrativa apresentado pelo governador Romeu Zema (Novo) com o montante que poderia ser arrecadado com o fim de algumas renúncias. “A reforma do governador aprovada na Assembleia prevê economia de R$ 80 milhões por ano. Se houvesse uma revisão de 10% nos regimes especiais tributários, o estado arrecadaria cerca de R$ 400 milhões a mais. Na situação em que Minas está, é necessário que cada setor dê sua contribuição”, afirma o petista.
Um projeto apresentado pelo vice-líder do governo na Assembleia, deputado Guilherme da Cunha (Novo), tem como objetivo aumentar a transparência nos critérios de concessão ou revogação dos benefícios fiscais e determinar igualdade de acesso para os contribuintes se informarem sobre as renúncias. Segundo o parlamentar, o tema ainda não foi discutido pelo governador Zema.
A reportagem do Estado de Minas procurou a Secretaria de Estado de Fazenda e pediu detalhamento sobre quais os setores e empresas mais beneficiados por meio das renúncias fiscais de ICMS, mas a pasta não quis se manifestar. O governo também não respondeu se estuda alguma maneira de reduzir os benefícios fiscais como forma de aumentar a arrecadação estadual.
A renúncia fiscal é um instrumento que autoriza o poder público a abrir mão de receber parte dos impostos devidos em prol de um estímulo da economia ou de programas sociais, que serão desenvolvidos pela iniciativa privada ou entidades não governamentais. Pode ser feita por meio de incentivos fiscais, isenções ou imunidade. Os incentivos fiscais ocorrem quando o estado abre mão de uma porcentagem de determinado tributo; na isenção o governo deixa de cobrar imposto de um público específico; na imundade não há a incidência de cobrança de determinado imposto.