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18 de abril de 2024Por trás da crise política no Peru está a rivalidade entre o Poder Executivo — exercido pelo presidente, Martín Vizcarra — e o Congresso, que em maioria se opõe a ele e é fiel ao ex-presidente Alberto Fujimori.
Na última semana, Vizcarra dissolveu o Congresso e convocou novas eleições. Os congressistas chegaram a votar uma suspensão do líder executivo e nomearam a vice, a parlamentar Mercedes Aráoz, para ocupar seu cargo. Aráoz, entretanto, renunciou ao posto na noite de terça (1º) e também defendeu novas eleições.
O vizinho andino tem um sistema político com pontos importantes diferentes do Brasil — e da maior parte da América Latina.
Por que o Peru tem um Congresso com uma só câmara?
Diferentemente do Brasil, o Peru não tem o chamado sistema bicameral — em que o Poder Legislativo é exercido por Senado e Câmara dos Deputados. No Peru, o Congresso é composto por apenas uma delas, em que atuam 130 parlamentares.
Mas nem sempre foi assim. Até 1992, o país tinha Câmara de Deputados e Senado. Naquele ano, o então presidente Alberto Fujimori deu um “autogolpe”: entre outras medidas, fechou o Congresso, enviou militares às ruas e promulgou uma nova Constituição no ano seguinte.
No texto, que foi aprovado por um referendo, ficou determinado que o país não teria mais um Senado — e a regra vigora até hoje.
“Fujimori tinha um discurso e uma prática de crítica forte às instituições — que eram lentas, inoperantes, ineficientes. Para ele, os políticos peruanos eram uma desgraça para o país — então, para que ter duas Câmaras?” aponta o professor Jorge Aragón Trelles, um dos pesquisadores principais do Instituto de Estudos Peruanos, em Lima.
Um dos motivos para o texto nunca ter sido alterado desde 1993 continua sendo, segundo explica Aragón, a opinião pública.
“Há uma desconfiança e um aborrecimento da opinião pública com o Congresso e os congressistas – nenhum presidente quis levar a cabo a reforma porque é muito impopular. As pessoas não querem mais congressistas”, afirma Aragón.
Mesmo assim, o governo de Vizcarra tentou recriar o sistema bicameral. Em agosto do ano passado, o presidente enviou um projeto ao Congresso que previa a recriação do Senado. Quando o texto chegou ao parlamento, foi modificado pelos congressistas. As alterações feitas “desvirtuavam o espírito da reforma, na opinião de Vizcarra, e por isso não passou”, explica Aragón.
Outras mudanças, entretanto, foram emplacadas: em dezembro de 2018, o país aprovou, por referendo, uma reforma que acabava com a reeleição para os parlamentares.
No que reflete o sistema unicameral na prática? Ele é uma boa ideia?
O fato de o Congresso do Peru só ter uma câmara legislativa significa, na prática, que um projeto só precisa ser aprovado — ou não — por uma única casa antes de ir à sanção presidencial.
O professor Jorge Aragón acredita que seria melhor para o país ter um sistema bicameral.
“Como não temos duas câmaras, há certas coisas que não funcionam bem. Não temos uma segunda instância que possa revisar a qualidade das leis”, avalia.
“Se tivéssemos duas Câmaras, poderíamos ter uma representação por partidos e uma representação territorial. Poderíamos organizar melhor o trabalho do Congresso — a Câmara Baixa [dos Deputados] poderia fazer algumas coisas e o Senado poderia fazer outras. Tudo isso simplesmente se perde quando não há um sistema bicameral”, explica.
Por outro lado, o Peru não é o único país com esse sistema, lembra o professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo Oliver Stuenkel. Venezuela, Equador, Portugal, Dinamarca e Nova Zelândia são outros exemplos de países que só têm uma Câmara legislativa.
“Basicamente, todos os sistemas políticos são imperfeitos. Não dá pra dizer que um sistema é melhor que o outro — depende de muitos fatores, é ligado ao processo político do país. Não há uma decisão clara sobre qual sistema é superior ao outro”, avalia Stuenkel. \”Com uma Câmara só, costuma-se tomar decisões mais rapidamente\”.
Por outro lado, pondera, \”ter as duas Câmaras aumenta a complexidade dos sistemas, mas, ao mesmo serve como mecanismo de freio — limita a possibilidade de radicalização rápida porque, muitas vezes, há uma distribuição de poder que difere. É como no caso americano, em que o Senado é de maioria republicana e o Congresso, de maioria democrata”, avalia Stuenkel.
Ele lembra, também, que o Senado, ao ser composto por uma representação territorial, acaba dando maior peso a regiões que têm menor população.
O que o sistema político peruano tem a ver com as investigações de corrupção e a crise atual?
A resposta está na escolha dos membros do Tribunal Constitucional do país, autoridade máxima da interpretação da Constituição peruana. O Congresso é o responsável por escolher os 7 integrantes da corte, que têm mandatos de 5 anos sem reeleição imediata.
O problema é que a maioria dos parlamentares — apoiadores do ex-presidente Alberto Fujimori — queria evitar as investigações por corrupção, principalmente as referentes às delações da Odebrecht. O tribunal tem o poder de reverter várias decisões nesses casos — entre elas, por exemplo, a da prisão da filha de Fujimori, Keiko.
Para Stuenkel, o impacto das delações no Peru é, talvez, até maior do que as repercussões da Lava Jato no Brasil.
“O Peru foi muito impactado pelas delações, tem instabilidade política constante. Vários presidentes foram presos, um se suicidou — com muitas pessoas poderosas condenadas ou em vias de serem condenadas”, explica.
Em uma tentativa de impedir o controle político da corte, Vizcarra apresentou ao Congresso, na sexta-feira (27), um projeto de mudança na forma de escolher os membros do Tribunal Constitucional.
Entre as mudanças pedidas estavam, segundo a rede de televisão peruana RPP, que os debates e entrevistas de seleção dos candidatos passassem a ser públicos.
O governo apresentou ao Congresso o projeto de mudança atrelado a uma questão de confiança. Por esse mecanismo, o Executivo pode consultar o parlamento, em relação ao assunto que julgar apropriado, se ainda tem confiança dos parlamentares para continuar governando.
Só que os líderes da casa seguiram com a sessão de escolha dos membros do tribunal como ela estava prevista — primeiro elegeriam os magistrados e depois avaliariam a questão de confiança.
Durante a sessão, foi eleito um magistrado. Porém, uma congressista de esquerda afirmou que seu voto foi fraudado e apareceu como favorável na contagem (o oposto do que ela disse ter votado). Ela cobrou uma investigação. Protestos obrigaram ao adiamento da escolha dos demais.
Vizcarra decidiu, então, dissolver o Congresso por considerar que os parlamentares ignoraram sua proposta. A Constituição do Peru prevê em seu artigo 134 a possibilidade de o presidente dissolver o Legislativo caso \”este tenha censurado ou negado duas questões de confiança do Conselho de ministros\” (veja no quadro abaixo como funciona o mecanismo). Essa foi a terceira medida do tipo apresentada em menos de um ano.
Por ter um \’primeiro-ministro\’, o sistema do Peru se assemelha ao parlamentarismo?
Vicente Zeballos, presidente do Conselho de Ministros do Peru, em imagem de julho desta ano, quando era ministro da Justiça — Foto: Guadalupe Pardo/Reuters Vicente Zeballos, presidente do Conselho de Ministros do Peru, em imagem de julho desta ano, quando era ministro da Justiça — Foto: Guadalupe Pardo/Reuters
Vicente Zeballos, presidente do Conselho de Ministros do Peru, em imagem de julho desta ano, quando era ministro da Justiça — Foto: Guadalupe Pardo/Reuters
Além do presidente, o Peru tem em seu governo uma figura rara na América Latina: uma espécie de premiê, o recém-empossado Vicente Zeballos. Seu cargo oficialmente se chama \”presidente do Conselho de Ministros\” e, na prática, ele atua como chefe dos ministros, uma espécie de chefe de gabinete, segundo o professor Jorge Aragón.
É também o presidente do Conselho de Ministros quem expõe no Congresso os motivos de o governo apresentar uma questão de confiança.
Algumas pessoas dizem que o sistema politico peruano é \”presidencial parlamentarizado\”, mas não é para tanto. \”O \’primeiro-ministro\’ é como um aliado que o presidente tem. O sistema peruano é fortemente presidencial e tem a figura do premiê como coordenador dos ministros. Mas não mais que isso\”, explica.
Como a opinião pública vê a dissolução do Congresso?
Oliver Stuenkel lembra que, assim como na época em que Fujimori fechou o Congresso, não houve, dessa vez, mobilização significativa por parte da população. A ideia de Vizcarra de adiantar as eleições também traz simpatia ao presidente, avalia o especialista.
\”Ele é antipolítico. A nova eleição que ele quer acaba com a presidência dele – e os peruanos gostam muito disso. É muito fácil contar uma história de que faz isso por amor à pátria. É muito popular – é muito mais popular que o Congresso\”, diz.
O país é uma exceção em vários aspectos em relação ao resto da América Latina, avalia.
\”Existe há 3 anos uma corrente muito forte que enxerga todo o sistema como podre, que quer uma renovação completa. O debate político tem pouco a ver com o resto da região. O Peru nunca teve uma esquerda como a gente conhece aqui no Brasil – ou na grande maioria dos outros países latinoamericanos. Teve ameaças terroristas ao longo dos anos 90, o que não é um tema [no resto da América Latina]. Acaba sendo um caso muito sui generis\”, diz Stuenkel.
Para os especialistas, o fato de que os congressistas não poderão ser reeleitos em janeiro e que Vizcarra não deve concorrer ao cargo em 2021 faz com que o futuro político do país seja difícil de prever.
\”Vamos eleger 130 congressistas – neste minuto é difícil saber que grupos vão ter maior respaldo\”, avalia Aragón.
\”Vai ser um período muito excepcional. É um Congresso para um ano e oito meses. Creio que o que aconteceu é o melhor para o país, mas acredito que haverá muitas complicações mais adiante: outra vez eleger 130 pessoas sem muita experiência, não poder eleger os que foram os melhores congressistas e, finalmente, quem sabe que tipo de recrutamento que os partidos vão fazer\”, pontua.