Em recente decisão, datada do mês de março/2008, o Juiz Federal da 3ª Vara Federal da Circunscrição de Brasília/DF acolheu pedido formulado na Ação Ordinária nº 2006.34.00.031439-6, proposta pela Édison Freitas de Siqueira Advogados, e declarou a inconstitucionalidade material do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, que ampliou a base de cálculo do PIS e da COFINS ao alterar o conceito de faturamento. Na mesma decisão, o Magistrado condenou a União a restituir os valores recolhidos a maior pelo contribuinte e autorizou a compensação destes montantes.
A COFINS constitui contribuição que incide sobre o faturamento, cujo conceito havia sido atribuído pela Lei Complementar nº 70/91, a qual o designava como a receita bruta das vendas de mercadorias e serviços de qualquer natureza. Com o advento da Lei nº 9.718/98, o conceito de faturamento foi ampliado, passando a abranger a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas. Assim, os recursos auferidos por investimentos outros não diretamente relacionados ao objeto social da empresa estariam sujeitos ao pagamento de COFINS.
A ampliação da base de cálculo da aludida contribuição revelou-se, contudo, inconstitucional, pois a alínea b do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal dispunha que a COFINS incidiria apenas sobre o faturamento, sem qualquer referência à \”totalidade das receitas\”. A fim de sanar a afronta ao texto constitucional, o legislador, após a publicação da Lei nº 9.718/98, promulgou a Emenda Constitucional nº 20, incluindo a expressão \”receita\” no artigo 195 da Carta Magna e, assim, fazendo a mencionada contribuição incidir sobre uma base de cálculo ampliada.
Veja-se aqui o conteúdo da sentença em comento quanto à declaração de inconstitucionalidade:
\”Relativamente à existência de vício de inconstitucionalidade material, porquanto a multicitada lei ordinária alterou a base de cálculo da COFINS e PIS ao ampliar o conceito de receita bruta, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Recursos Extraordinários ns. 357,950, 390.840, 358.273 e 346.084, declarou a inconstitucionalidade tão-somente do § 1º do art. 3º da Lei 9.718/98, porque ampliou indevidamente a base de cálculo da COFINS e PIS, ao alterar o conceito de faturamento, a fim de abranger a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica. Vejamos o aresto abaixo:
‘O Tribunal, por unanimidade, conheceu dos recursos e, por maioria, deu-lhes provimento para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei 9.718/98. Entendeu-se que esse dispositivo, ao ampliar o conceito de receita bruta para toda e qualquer receita, violou a noção de faturamento pressuposta no art. 195, I, b, da CF, na sua redação original, que equivaleria ao de receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza, conforme reiterada jurisprudência do STF. Ressaltou-se que, a despeito de a norma constante do texto atual do art. 195, I, b, da CF, na redação dada pela EC 20/98, ser conciliável com o disposto no art. 3º, do § 1º da Lei 9.718/97, não haveria se falar em convalidação nem recepção deste, já que eivado de nulidade original insanável, decorrente de sua frontal incompatibilidade com o texto constitucional vigente no momento de sua edição. Afastou-se o argumento de que a publicação da EC 20/98, em data anterior ao início de produção dos efeitos da Lei 9.718/97 – o qual se deu em 1º.2.99 em atendimento à anterioridade nonagesimal (CF, art. 195, § 6º) -, poderia conferir-lhe fundamento de validade, haja vista que a lei entrou em vigor na data de sua publicação (28.11.98), portanto, 20 dias antes da EC 20/98. Reputou-se, ademais, afrontado o § 4º do art. 195 da CF, se considerado para efeito de instituição de nova fonte de custeio de seguridade, eis que não obedecida, para tanto, a forma prescrita no art. 154, I, da CF (‘Art. 154. A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;\’). (Informativo STF n. 408/2005)\’
Prevalece, então, para o fim de determinação da base de cálculo da COFINS e PIS, o art. 2º da Lei Complementar nº 70/91 e Lei nº 7/70, que consideram faturamento somente a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e serviços de qualquer natureza.
A declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal fundamentou-se no fato que o advento da Emenda Constitucional nº 20/98 não convalidou o art. 3º, § 1º da Lei 9.718/98.
É que o Supremo Tribunal Federal adota a teoria das nulidades no controle de constitucionalidade. Quer significar que a decisão de inconstitucionalidade é meramente declaratória, porquanto desde a origem a lei já possuía vício insanável, daí o efeito ex tunc (retroativo) conferido às decisões controle concentrado. Assim, o art. 3º, § 1º da Lei 9.718/98 que ampliou a base de cálculo do PIS e da COFINS, não foi convalidado pelo advento da Emenda Constitucional nº 20/98\”
Quanto ao direito de restituição/compensação, ficou decidido que : \”O Superior Tribunal de Justiça (Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 78.301/BA) firmou orientação no sentido de que é possível reconhecer ao contribuinte a compensação entre créditos tributários decorrentes de pagamentos indevidos com débitos originários de outros tributos, com fundamento na artigo 66 da Lei n. 8.383/(!, no caso de tributos sujeitos a lançamento por homologação. Cabe ao Judiciário declarar o direito à compensação, desde que demonstrado nos autos o recolhimento indevido. Incumbe à Administração controlar e fiscalizar a liquidez e certeza dos créditos e débitos a serem compensados, cuja determinação do valor depende apenas de simples cálculos aritméticos. A compensação deve ocorrer nos termos do art. 74 da Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996.\”
Com base neste entendimento, o Magistrado julgou \”(…) parcialmente procedente o pedido para declarar a inexistência da relação jurídico tributária referente ao PIS e à COFINS apurados no que concerne à diferença entre a base de cálculo estabelecida pela Lei n°. 9.718/98 e as Leis complementares n°s. 7/70 e 70/91, (…) e condenar a União a restituir os valores da COFINS e entre a base de cálculo estabelecida pela Lei n°. 9.718/98 e as Leis complementares n°s. 7/70 e 70/91, (…), atualizados a partir do trânsito em julgado da presente sentença somente pela taxa selic; e, declarar o direito da autora à compensação dos valores retromencionados, nos termos do art. 74 da Lei 9.430/96. (…)\”
Decisões como esta apenas fortalecem o Estado Democrático de Direito, pois permitem aos cidadãos ter os seus direitos reconhecidos ainda que contra o Poder Estatal.
Prof. Dr. Édison Freitas de Siqueira