Empresa que se dedica ao ramo de beneficiamento e industrialização de carne bovina ingressou com ação ordinária que tramita sob o n.º 025/1.03.0008250-9 com o fim de ver declarada a imunidade no recolhimento do ICMS, a contar da promulgação da Lei Complementar 65/91, sobre as operações de exportação de Carne Maturada face a constatação de que o produto sofre processos de Industrialização que alteram a sua natureza química, entre a data da aquisição da Matéria-Prima “in natura” e a data que é exportada, o que afasta a cobrança de ICMS.
Ao longo do processo restou verificado que, para viabilizar suas operações de exportação de carne, entre outras, a empresa adquire o gado vivo ou recém abatido dos criadores. Esta matéria-prima não gera crédito de ICMS, conforme previsto no Regulamento do ICMS. Para industrializar a carne com o fito de atender as exigências do Mercado Comum Europeu e as normas do Ministério da Agricultura Brasileiro, a empresa realiza diversos processos industriais que são comuns a todas as empresas deste setor.
Dentre os processos industriais destaca-se as seguintes etapas da industrialização:
a) Maturação;
b) Estimulação Elétrica e
c) Colapso Circulatório Induzido, sendo que, todos esses processos alteram a natureza química da matéria prima, de forma que, considera-se o produto exportado pela empresa como um produto industrializado e, portanto, imune de ICMS.
Neste caso, aplica-se o disposto na alínea “a” do inciso X do parágrafo 2º do art.155 da Constituição Federal/88: “Que não incidirão impostos sobre as operações que destinem ao exterior produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em Lei Complementar”
O dispositivo suso referenciado cuida da imunidade dos produtos industrializados, sendo defeso ao Estado tributá-los em razão de operações de exportação, não cabendo legislar sobre tal respeito, por expressa vedação constitucional.
Complementando o dispositivo constitucional, vem a Lei Complementar nº 65 de 15/04/91, através do seu art.1º, que define o que é produto semi-elaborado e produto industrializado, vejamos:
“(…) são considerados produtos semi-elaborados aqueles que …
I – Que resulte de matéria-prima de origem animal, vegetal ou mineral sujeito ao imposto quando exportada “in natura”.
II – Cuja matéria-prima de origem animal, vegetal ou mineral que não tenha sofrido qualquer processo que implique modificação na natureza química originária;
III – Cujo o custo da matéria-prima de origem animal …
(…)”
Por conseguinte, por incidência do Inciso “II” do art.1º da referida Lei Complementar, por negação inversa, considerar-se-á produto industrializado aquele que tenha sofrido qualquer processo que implique modificação na natureza química originária, exatamente como entendeu a MMa. Julgadora de Primeiro Grau no caso in comento.
Corolário lógico, é de se concluir, então, que a Lei Complementar reclamada pelo art.155, parágrafo 2º, X, “a”, sob hipótese alguma poderia abranger na definição de produto semi-elaborado, produto industrializado, sob pena de contrariar tal dispositivo constitucional.
A referida Lei Complementar não definiu o que seria propriamente produto Industrializado e semi-elaborado, mas sim, indicou qual a fórmula de identificá-los. Pelo prisma constitucional, então, a lei complementar deveria ter definido de forma precisa o que seria produto semi-elaborado, indicando-os de forma taxativa, tal como pode se verificar com os serviços de qualquer natureza não atingidos pelo ICMS e, segundo a Carta Maior, definidos em Lei Complementar, ou seja, arrolados de forma taxativa.
Ora, se a Constituição Federal determinou que tanto os serviços de qualquer natureza quanto os produtos semi-elaborados fossem definidos em Lei Complementar e, em já havendo Lei Complementar (DL 406/68; LC 56/87), listando os serviços de qualquer natureza, há que se fazer interpretação extensiva a referida Lei Complementar 65/91.
A lei complementar em questão se avulta na medida em que pelo seu artigo 2º delegou ao Conselho Nacional da Política Fazendária – CONFAZ, órgão este formado por representantes dos Estados-Membros, a atribuição para definir os produtos semi-elaborados através de listagem. Em decorrência dessa incumbência, os Estados estão autorizados, através da CONFAZ, a determinar quais os produtos que devem ou não ser considerados semi-elaborados.
A toda evidência, os Estados em razão dessa outorga disciplinadora, só têm interesse em elencar uma gama de produtos a serem considerados como semi-elaborados, quando isso deveria ocorrer por Lei Complementar, e não, por delegação.
Em assim sendo, o disposto no artigo 2º da Lei Complementar nº 65/91 contraria a Constituição Federal, por delegação indevida de matéria que deveria ser veiculada e explicitada pela própria lei complementar (art.155, parágrafo 2º, X, a CF/88), se somado ao fato de que transferir atribuições que seriam exclusivas do Congresso Nacional para o CONFAZ, ofendendo claramente o art. 48 da Carta Magna de 1988.
Para elucidar a questão, vejamos trecho da decisão comentada:
“(…)
Feitas tais colocações, sendo a carne maturada um produto industrializado sobre a mesma não pode incidir o ICMS. Procede, portanto, a pretensão de reconhecimento da imunidade a partir da promulgação da Lei Complementar n.º 65/91, ou seja, a parti de 15 de abril de 1991.
(…)
Isto posto, rejeito a argüição de prescrição e julgo procedente o pedido para: 1) declarar, com base no artigo 1º, inciso II da Lei Complementar n.º 65/91, art. 46, § único e 110 do Código Tributário Nacional, e artigo 155, inciso X, alínea “a” da Constituição Federal, a imunidade de ICMS nas operações de exportação de carne maturada realizadas pela autora a partir de abril de 1999, data da promulgação da Lei Complementar n.º 65/91; 2) condenar o requerido a restituir os valores relativos a ICMS pagos pela autora nas exportações de carne maturada, realizadas a partir de 15/04/1991, devidamente corrigidos pelo mesmo índice de atualização de tributos praticado pelo Estado do RS, a contar da data de cada recolhimento, com o acréscimo de juros moratórios de 0,5% ao mês, desde a citação; 3) reconhecer o direito da autora de utilizar o valor a ser apurado, no todo ou em parte, na liquidação de qualquer débito de ICMS, parcial ou total, mediante compensação, e utilizar o que não for satisfeito em dinheiro, como crédito fiscal para estruturação fiscal e lançamento de guias.
(…)”
Desta sorte, sendo o produto comercializado pelo contribuinte um produto industrializado é imune ao ICMS na exportação, o que restou reconhecido pela Juíza de Direito Dra. Mirtes Blum no julgamento do processo supra citado.
Prof. Dr. Édison Freitas de Siqueira