Prestes a completar 30 anos no poder e ser reeleito, o presidente angolano José Eduardo dos Santos prometeu a seu eleitorado a construção de um milhão de casas populares durante sua campanha. No entanto, deparou-se com um grande problema – a falta de uma estrutura legislativa que pudesse dar segurança ao sistema habitacional. A saída encontrada pelo Ministério de Urbanismo e Habitação de Angola foi encomendar um estudo a instituições brasileiras – dentre eles, o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (Irib) – para sugerir reformas na legislação. O grupo tem um prazo de 60 dias para apresentar as propostas ao governo angolano. O pedido não é incomum. Há anos equipes de advocacia brasileira auxiliam governos africanos na elaboração de leis para regular licitações e o setor energético – e essa atuação tem se intensificado. O escritório Emerenciano Baggio Advogados, por exemplo, está elaborando uma legislação para propiciar o transporte coletivo em Kinshasa, a capital da República Democrática do Congo, enquanto o Approbato Machado Advogados prepara uma lei de falências para Moçambique, nos moldes da lei brasileira.
Com um ritmo de crescimento acelerado, esses países da África, arrasados por guerras que duraram anos, agora demandam a expertise de juristas e advogados para construir suas bases jurídicas – e o trabalho não é pouco. No caso de Angola, envolvida em uma guerra civil que durou 27 anos, cabe ao Irib, juntamente com uma equipe de consultores imobiliários e advogados, a elaboração de um plano emergencial que abarque mudanças na legislação imobiliária e bancária, além da sugestão de uma reforma tributária. Segundo Carlos Eduardo Duarte Fleury, diretor executivo do Irib, o grupo irá propor um modelo de lei de registro de imóveis para agilizar esse procedimento – em Luanda, capital do país, há cerca de seis milhões de pessoas e um único cartório de imóveis, o que leva a uma demora de meses para que um proprietário obtenha uma escritura. Não existe, por exemplo, uma lei de condomínios – ou seja, formalmente não há a obrigação de rateio de taxas em comum nos empreendimentos imobiliários. Há ainda a necessidade de regularização das áreas e de classificação dos bairros, além de um estudo sobre o melhor modelo de concessão de casas, já que quase todas as terras do país pertencem ao governo. Serão sugeridas também mudanças na legislação trabalhista, pois, segundo Fleury, praticamente não existem normas para assegurar o direito dos trabalhadores e a taxa de informalidade no emprego é muito alta. Em relação ao setor bancário, Fleury destaca que ainda não existe uma legislação para permitir financiamentos destinados à baixa renda. “A facilidade de comunicação pelo mesmo idioma foi um dos motivos pelo qual o governo nos escolheu”, afirma Fleury.
O escritório Siqueira Castro, que elaborou a legislação de telecomunicações de São Tomé e Príncipe, em vigor há quatro anos, estuda propor ao governo angolano a revisão do chamado Imposto do Selo, instituído em Angola em 1945. O tributo incide sobre transações financeiras e contratos diversos, em geral na alíquota de 1% . Segundo o advogado Maurcir Fregonesi Junior, sócio do Siqueira Castro Advogados, a legislação angolana atual não é muito clara sobre em quais operações ocorre a incidência desse imposto. O escritório, que possui uma filial em Angola, espera para este semestre uma audiência com o governo do país na qual abordará o tema.
Em vários casos, as mudanças são sugeridas para oferecer maior segurança jurídica a empresas estrangeiras dispostas a investir nos países – e que são clientes dos escritórios brasileiros. A banca Emerenciano Baggio, que há seis anos possui uma área dedicada a negócios na África, elabora uma legislação para regulamentar o transporte público – que ainda não foi implantado – para o governo de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo. Segundo Adelmo Emerenciano, sócio da banca, há várias empresas brasileiras interessadas em investir no transporte público do local, mas para isso exigem um marco regulatório que garanta segurança jurídica aos negócios no país.
Também no Congo, o Vinhas Advogados sugeriu, no ano passado, alterações na legislação de petróleo para a implantação de um sistema de licitação que tornaria o modelo de concessão de blocos mais claro. Hoje, as empresas que querem investir precisam fazer uma negociação direta com o governo. “O modelo novo evitará a corrupção”, diz Guilherme Vinhas, sócio da banca.
A estrutura legislativa em caso da crise econômica é outra preocupação. No Congresso de Moçambique tramita uma proposta de lei de falências e recuperação judicial, formulada pelo Approbato Machado Advogados a pedido do governo do país. Até então, o Código Civil de Moçambique contava com uma previsão para “empresas em crise”, mas que, segundo o advogado José Marcelo Martins Proença, do Approbato, estava obsoleta e não previa a possibilidade de recuperação judicial. “É preciso uma legislação moderna ou falências iriam serão decretadas a torto e a direito”, diz Proença. O projeto foi baseado na lei brasileira – que data de 2005 -, mas há diferenças em alguns pontos. Segundo Proença, há um tratamento especial para empresas de micro e pequeno porte – maioria no país – e a lei abrange não só empresários como os chamados agentes econômicos, como sociedades de arquitetos e de advogados, por exemplo. Para Proença, o maior alcance da lei deve beneficiar os milhares de comerciantes no país.
Em geral, os advogados estão otimistas com a possibilidade de aprovação das novas leis, pois o histórico de alguns países tem sido a aceitação das normas elaboradas por profissionais brasileiros. Foi para Moçambique, por exemplo, que o advogado Benedicto Porto Neto, especialista em licitações do escritório Porto Advogados, elaborou para o governo uma proposta de lei de licitações. O Decreto nº 54 entrou em vigor em 2005, com o objetivo de garantir maior segurança jurídica à área. De acordo com Porto Neto, a lei anterior admitia e disciplinava até mesmo a propina, caso o licitante quisesse oferecer alguma “vantagem” para a comissão de licitação e para o governo. O escritório Tauil, Chequer & Mello Advogados atuou, em 2006, na elaboração de legislações para as petrolíferas de Angola e da Nigéria. No ano passado, Porto Neto recebeu um convite para analisar a legislação de São Tomé e Príncipe, e trabalhar em uma proposta de reforma do Judiciário. Mas a banca, na época, não aceitou o convite.