A notificação pela internet da exclusão do Refis (Programa de Recuperação Fiscal) é legal e desobriga a Fazenda Nacional de intimar pessoalmente a empresa excluída. A conclusão é do ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça. Ele acatou recurso apresentado pela Fazenda Nacional contra a empresa Viação Riograndense, com sede em Natal, no Rio Grande do Norte.
De acordo com o ministro, a intimação online em relação ao Refis está prevista na Resolução 20/2001 do Comitê Gestor do Programa, norma regulamentar da Lei 9.964/00 (Lei do Refis). Com a decisão, prevalece a notificação pela internet do ato que excluiu a concessionária de serviço público de transporte do cadastro do Refis.
A empresa entrou com Mandado de Segurança contra o presidente do Comitê Gestor do Refis. No processo, solicitou a anulação do ato administrativo que excluiu a empresa do cadastro, por conta da notificação ter sido feita pela internet. Para a defesa da Viação, a notificação regular deve ser pessoal. \”Não tendo se procedido regularmente a notificação da impetrante (Viação) pela exclusão do Refis, bem como a sua intimação para se manifestar no prazo legal, tal ato não pode gerar efeito jurídico algum\”.
Segundo a empresa, a comunicação oficial pela internet contraria o artigo 26 da Lei 9.784/99 e o Decreto 7.0235/72. Com isso, pediu a reinclusão da empresa no Refis e sua notificação pessoal \”se por qualquer outro motivo for novamente excluída, oportunizando-se prazo para a sua manifestação de inconformismo, em obediência aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem assim o da legalidade\”.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região acolheu o pedido da empresa. Para o tribunal, a notificação pela internet feita pelo Fisco é ilegal. \”Nula é a intimação de pessoa jurídica, de sua exclusão do Refis, através de ato publicado no Diário Oficial da União a indicar apenas o número do processo administrativo, e divulgação na internet do nome do interessado e dos motivos de exclusão\”.
A Fazenda recorreu ao STJ. Afirmou que é válida a notificação realizada pela internet como previsto na resolução que regulamentou a Lei do Refis.
Em decisão individual, o ministro Herman Benjamin acolheu o argumento da Fazenda Nacional. Segundo o ministro, \”não se aplica aos atos de exclusão do Refis o disposto no artigo 26 da Lei 9.784/99, por haver disciplina específica na legislação de regência do referido programa – a Lei 9.964/2000\”.
Benjamin destacou precedentes apresentados na 1ª e na 2ª Turma, com a conclusão de que o legislador, ao disciplinar o funcionamento do Refis, \”entendeu que a forma de exclusão do contribuinte seria regulamentada pelo Executivo e esse Poder, sem exorbitar da delegação, editou norma no sentido de que a publicação do ato no Órgão Oficial de Imprensa e na internet é suficiente à ciência da empresa em mora, despicienda a sua notificação pessoal\”.
Além disso, conforme os precedentes, a Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo da administração pública federal, prevê no artigo 69 que suas normas só se aplicam subsidiariamente nos procedimentos regulados por normas específicas. Esse é o caso do Refis, que tem lei específica.
Leia a decisão:
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 902.891 – DF (2006/0253315-3)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : CLÁUDIA REGINA A M PEREIRA E OUTROS
RECORRIDO : VIAÇÃO RIOGRANDENSE LTDA
ADVOGADO : ANANIAS SARAIVA DE ALMEIDA
DECISÃO
Trata-se de Recurso Especial interposto com fulcro no art. 105, III, \”a\” e \”c\”, da Constituição da República em face de acórdão assim ementado:
\”TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REFIS. EXCLUSÃO DO REFIS. INTIMAÇÃO VIA INTERNET. ILEGALIDADE. OFENSA AOS ARTS. 5º, INCISO LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E 26 DA LEI N. 9.784/99.
1. A intimação pessoal dos interessados, no procedimento administrativo, em obediência aos postulados do contraditório e da ampla defesa, é expressamente assegurada no artigo 26 da Lei 9.784/99 e realiza-se por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio idôneo que assegure a certeza da ciência. Ilegal, portanto, por conduta ultra vires, o ato do Fisco que determinou, com fundamento em resolução, a intimação da parte, via internet.
2. Nula é a intimação da pessoa jurídica, de sua exclusão do Refis, através de ato publicado no DOU a indicar apenas o número do processo administrativo, e divulgação na internet do nome do interessado e dos motivos de exclusão.
3. Apelação e remessa oficial improvidas.\”
Os Embargos de Declaração opostos pela ora recorrente foram rejeitados pelo Tribunal de origem.
A recorrente alega violação dos artigos 458, II e 535, II, do CPC; contrariedade aos artigos 1º, §1º, 3º, IV e VI, 5º, II e 9º, III, da Lei 9.964/2000; 26 e 69 da Lei 9.784/99, além de divergência jurisprudencial. Não foram apresentadas as contra-razões. O Recurso Especial foi admitido na origem.
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, verifico que a alegada ofensa ao art. 535 do CPC não se configura, haja vista ter o Tribunal de origem julgado satisfatoriamente a lide, solucionando a questão dita controvertida tal como lhe foi apresentada. Não é o órgão julgador obrigado a rebater um a um todos os argumentos trazidos pelas partes, visando à defesa da tese que apresentaram. Deve, apenas, enfrentar a controvérsia observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução (REsp 568.139/BA, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 19.12.2003; REsp 516.222/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 17.11.2003; REsp 230.802/PB, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 7.2.2000; REsp 107.992/AC, 2ª Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ de 27.10.1997).
Passo à análise da questão de fundo.
A discussão diz respeito a matéria já pacificada no âmbito desta Corte, qual seja, o procedimento de exclusão da pessoa jurídica do Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, instituído pela Lei 9.964/2000, notadamente no que tange à forma de ciência do ato de exclusão ao interessado.
No âmbito desta Segunda Turma, trago à colação os seguintes julgados:
\”TRIBUTÁRIO. REFIS. CONTRIBUINTE. INADIMPLÊNCIA. PUBLICAÇÃO EM ÓRGÃO OFICIAL DE IMPRENSA E INTERNET. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. LEI N.º 9.964/2000. NOTIFICAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. LEI N.º 9.784/99. NÃO INCIDÊNCIA.
1. Muito embora o Tribunal a quo não tenha se pronunciado expressamente acerca do dispositivo insculpido no art. 69 da Lei 9.784/99, o entendimento consolidado foi no sentido da impossibilidade da notificação eleita pelo administrador para a exclusão das empresas do REFIS, em razão da ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, não cabendo, pois, a aplicação do dispositivo questionado na via dos embargos de declaração. Inexistência de violação ao art. 535, II, do CPC.
2. Enquanto a legislação do REFIS alude à publicação do ato de exclusão do contribuinte no Diário Oficial da União e na rede mundial de computadores, o diploma reitor do processo administrativo federal requer a intimação do interessado para a ciência da decisão.
3. Antinomia aparente de normas que se resolve pela aplicação dos critérios cronológico e da especialidade.
4. O fato de a Lei do REFIS ser posterior já é um indicativo de que deve prevalecer sobre aquela que rege o processo administrativo federal.
5. Se, ao disciplinar especificamente (e, portanto, com mais precisão) o REFIS, o legislador entendeu que a forma de exclusão do contribuinte seria regulamentada pelo Executivo e esse Poder, sem exorbitar da delegação, editou norma no sentido de que a publicação do ato no Órgão Oficial de Imprensa e na internet é suficiente à ciência da empresa em mora, despicienda a sua notificação pessoal.
6. Recurso especial provido em parte\”.
(REsp 844067/DF, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 15.09.2006 p. 301).
E, ainda:
\”TRIBUTÁRIO – PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL – REFIS – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA 211 DO STJ – EXCLUSÃO – AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL – NOTIFICAÇÃO POR MEIO DO DIÁRIO OFICIAL E DA INTERNET – POSSIBILIDADE – LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA DO REFIS – APLICAÇÃO – PRECEDENTES.
1. No particular, os arts. 3º, II e III, da Lei n. 9.784/99, bem como 15 e 23 do Decreto n. 7.235/72 não foram objetos de exame pela Corte de origem. Com efeito, para que haja o prequestionamento da matéria, é necessário que a questão tenha sido objeto de debate à luz da legislação federal indicada, com a imprescindível manifestação pelo Tribunal de origem, o qual deverá, acerca dos dispositivos legais, decidir pela sua aplicação ou seu afastamento em relação a cada caso concreto, sem que, para tanto, seja bastante a simples menção dos artigos tidos por malferidos. Aplicação da Súmula 211 do STJ.
2. A legislação específica do REFIS, qual seja, a Lei n. 9.964/00, norma especial que afasta a geral, em seu art. 9º, inciso III, determina que o procedimento de exclusão do programa será disciplinado por normas regulamentares. Por sua vez, o art. 5º da Resolução 20/2001 do Comitê Gestor do Programa estabelece a notificação da exclusão do REFIS por meio de publicação no Diário Oficial e na Internet. Recurso especial parcialmente conhecido, mas improvido\”. (REsp 757712/RS, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJ 31.08.2006 p. 309).
O mesmo entendimento é unanimemente adotado pela Primeira Turma. Veja-se:
\”PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. REFIS. EXCLUSÃO. INTIMAÇÃO POR MEIO DA IMPRENSA OFICIAL E DA INTERNET. POSSIBILIDADE. LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA.
1. Agravo de instrumento interposto por IMOVALE IMOBILIÁRIA VALE DO PIQUIRI LTDA. objetivando sua reinclusão no programa REFIS, do qual alega ter sido excluída sumariamente, sem prévia intimação. Decisão denegando a concessão de antecipação dos efeitos da tutela. Ao apreciar o mérito, o TRF da 1ª Região deu provimento ao mencionado agravo de instrumento por entender que a ciência dos procedimentos administrativos, via Internet e publicação no Diário Oficial, que aperfeiçoaram a exclusão da recorrida do REFIS, contraria a Lei do Processo Administrativo. Recurso especial da União alegando violação dos arts. 3º e 5º, da Lei 9.964/00 e da Lei nº 9.784/99, em razão da não-aplicação desta ao REFIS, que possui legislação específica (Lei nº 9.964/00), conforme tem decidido o STJ. Contra-razões aduzindo: que a forma de ciência não é a adequada; que somente após a publicação da decisão é oportunizado ao contribuinte apresentar defesa; impossibilidade de recurso a órgão hierarquicamente superior, impossibilidade de efeito suspensivo da decisão enquanto recorrida na esfera administrativa.
2. A 1ª Turma do STJ firmou jurisprudência no sentido de que: \”A Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo da Administração Pública Federal prevê em seu art. 69, que suas normas somente se aplicam subsidiariamente, nos procedimentos regulados por normas específicas. A legislação do Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, `regime especial de consolidação e parcelamento dos débitos fiscais` (Lei 9.964/00, art. 2º), ao qual o contribuinte adere mediante `aceitação plena e irretratável de todas as condições` (art. 3º, IV), prevê a notificação da exclusão do devedor por meio do Diário Oficial e da Internet (Lei 9.964/00, art. 9º, III, c/c art. 5º da Resolução 20/2001 do Comitê Gestor). Ademais, no caso concreto, não há falar em prejuízo a eventual defesa administrativa do contribuinte excluído do REFIS, já que sua insurgência é apenas contra o procedimento de cientificação da exclusão do Programa, não sendo infirmadas as razões da exclusão.\” (REsp nº 601208/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU 23.08.2004)
3. Recurso especial provido\”.
(REsp 812823/DF, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ 02.05.2006 p. 271).
Assim, não se aplica aos atos de exclusão do REFIS o disposto no art. 26 da Lei 9.784/99, por haver disciplina específica na legislação de regência do referido programa (Lei 9.964/2000).
Por tudo isso, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC, dou provimento ao Recurso Especial.
Brasília (DF), 15 de fevereiro de 2007.
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator
Conjur – Tributario.net