O Brasil foi a economia, entre as principais do planeta, com o maior corte na previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, pela última edição do ano do relatório trimestral “Panorama da Economia Mundial”, divulgado na manhã desta terça-feira pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). A expansão, projetada até então em 1,3%, caiu 1 ponto percentual, para apenas 0,3%, o que configura estagnação. O Japão teve revisão de 0,7 ponto, de 1,6% para 0,9%.
Com a revisão, o organismo se aproxima das projeções feitas pelos analistas brasileiros. Economistas ouvidos em pesquisa semanal do Banco Central, por exemplo, preveem avanço de 0,24% da economia este ano. O próprio Ministério do Planejamento já esperava menos: em relatório divulgado em setembro, estima expansão do PIB de 0,9%,
Em 2015, o Brasil continuará crescendo abaixo do potencial, nas previsões do FMI. A expectativa de alta do PIB, anteriormente de 2%, foi reduzida para 1,4%, queda de 0,6 ponto, também a maior entre as nações listadas individualmente.
Para o FMI, há um conjunto de fatores, notadamente domésticos, impondo um freio na atividade produtiva no Brasil, quadro acentuado pelas incertezas associadas às eleições presidenciais. O país se encaixa nas principais recomendações da instituição à América Latina. Por exemplo, diz o Fundo, se não forem feitas reformas estruturais, a região “pode colocar em risco os importantes avanços sociais” da última década.
A equipe do economista-chefe do organismo multilateral, Olivier Blanchard, enfatiza a desaceleração do investimento e a moderação do consumo das famílias como principais causas macroeconômicas para o mau desempenho brasileiro, reflexos do aperto das condições financeiras (juros mais altos, prazos menores, grande volatilidade nos mercados) e do abalo continuado da confiança de empresários e consumidores.
“Pouca competitividade, baixa confiança empresarial e aperto nas condições financeiras (com elevações na taxa de juros até abril deste ano) represaram investimentos e a moderação corrente na geração de empregos e na expansão do crédito está afetando o consumo”, explica o FMI. Uma retomada moderada na atividade é esperada para 2015, dizem os economistas, “uma vez dissipada a incerteza política em torno da eleição presidencial deste ano”.
A inflação, segundo o organismo, continuará próxima do teto da meta em 2014 e 2015, “refletindo persistência inflacionária, constrangimentos de oferta e pressão reprimida de preços administrados”.
A forte revisão dos números brasileiros teve impacto significativo na projeção para a América Latina, que caiu 0,7 ponto percentual em 2014, para 1,3%, e 0,4 ponto em 2015, para 2,2%. A região crescerá menos este ano do que todos os demais grupos emergentes, dos asiáticos aos europeus, passando pelo conturbado Oriente Médio e a vizinhança russa. A América Latina terá em 2014 a menor expansão desde 2009, primeiro ano pleno de efeito da Grande Crise.
O subcontinente sul-americano patina especialmente, com expansão pífia de 0,7% este ano e de 1,6% no próximo. Além do Brasil, decepcionaram ao Sul em 2014 o Peru e o Chile, que também deverão se recuperar em 2015. Já o México, que teve um primeiro semestre morno após a implementação de reformas aguardadas, já se reanima com os ventos favoráveis da economia americana e a recuperação da confiança empresarial.
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Argentina e Venezuela, por sua vez, vão amargar recessão neste ano e no próximo. A economia argentina deverá retrair-se 1,7% e 1,5%, respectivamente. No caso venezuelano, espera-se contração de 3% em 2014 e de 1% em 2015. O FMI alerta que, nos dois países, a inflação é galopante: o número oficial da Venezuela deverá superar 60% este ano.
“A Argentina continuará em recessão em 2014-2015, em meio aos crescentes desequilíbrios macroeconômicos e às incertezas relacionadas ao impasse com os credores da dívida. A inflação continua elevada e a diferença entre as taxas de câmbio oficial e paralela se ampliou nos últimos meses. Na Venezuela, espera-se que as distorções severas nas políticas continuem um entrave à produção, levando à queda acentuada na atividade e à uma inflação que supera 60%”.
O FMI sugere que parte da América Latina pode estar perdendo as rédeas da política econômica. O recado é coletivo, mas aborda temas comumente associados ao Brasil por analistas e pelo próprio Fundo Monetário.
“Uma recuperação modesta é esperada para 2015, embora permaneçam riscos, uma vez que muitas economias lutam para encontrar novos motores para o crescimento sustentado em um ambiente de preços de commodities estagnados e maiores constrangimentos de oferta. Esta situação enfatiza a importância de se preservar a estabilidade macroeconômica e implementar reformas estruturais que elevem investimento e produtividade”, recomenda o FMI.
O Fundo, sem mencionar o Brasil, diz que na América Latina há países com limitada margem de manobra na formulação de política econômica:
“A prioridade em quase toda a região é manter a estabilidade macroeconômica ao mesmo tempo em que se aceleram os esforços para impulsionar o crescimento potencial. Mercados de trabalho ainda engessados, inflação acima da meta e persistentes déficits em conta corrente apontam para recursos limitados”.
O cenário é ainda mais difícil para quem está com a situação fiscal desarranjada – o Brasil está tendo dificuldades de entregar a meta de superávit primário (economia para pagamento de juros da dívida) de 2014 e sendo criticado pelo excesso de contabilidade fiscal criativa desde o pós-crise financeira global e por manter uma política de gastos que mina o combate à inflação pelo Banco Central. O Fundo diz que não é boa ideia na maior parte da América Latina adotar novas medidas que signifiquem expansão de gastos:
“Cumprir as metas dos atuais arcabouços fiscais por intermédio de medidas de alta qualidade é essencial à preservação desses arcabouços, evitando maior erosão das posições fiscais e oferecendo apoio à redução da inflação”.
A equipe de Blanchard alerta ainda que o balanço de riscos não é desprezível:
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“A atividade pode desacelerar nos países exportadores de commodities com choques externos de demanda, por exemplo se o investimento desacelerar na China além do esperado. Um alta abrupta nas taxas de juros dos EUA pode reeditar a turbulência financeira de meados de 2013, o que apertaria ainda mais as condições financeiras e derrubaria ainda mais a confiança. Uma alta acentuada nos preços do petróleo teriam efeito negativo para o crescimento regional de forma geral. Preços de combustíveis mais elevados acentuariam pressões sobre a inflação e orçamentárias”.
No médio prazo, diz o FMI, outro risco-chave para algumas economias da região é a potencial continuidade do investimento fraco:
“Reformas estruturais, para impulsionar o crescimento e sua capacidade de inclusão, devem ser focadas na criação de condições para alta de produtividade e investimento, incluindo trabalhar as deficiências educacionais e de infraestrutura e a melhora do ambiente de negócios. Sem reformas deste tipo, o crescimento poderá continuar desapontando, em comparação às elevadas expectativas criadas pela década passada, e colocar em risco os importantes avanços sociais que a região alcançou”.