O Brasil terá de contar com forte empenho tanto do setor público quanto do privado para conseguir atingir a meta calculada pelo Morgan Stanley de dobrar a taxa de investimento em infraestutura para 4% do PIB (Produto Interno Bruto), se quiser crescer 5% ao ano na próxima década.
Em entrevista à InfoMoney, o economista-chefe do banco de investimento, Marcelo Carvalho, comentou alguns pontos da primeira edição da série Blue Paper de estudos, que abordou o tema da infraestrutura brasileira, calculando essa meta de investimentos no setor. Carvalho é um dos autores da edição de lançamento da série, que terá como foco necessidades de investimento e perspectivas para setores e regiões.
Portal InfoMoney: A perspectiva de aumento da proporção do investimento em infraestrutura em relação ao PIB para 4% nos próximos anos independe de quem será o sucessor do presidente Lula?
Marcelo Carvalho: Independe. Independentemente de quem virá a ser o próximo governo, o desafio é o mesmo: aumentar o investimento em infraestrutura no Brasil para sustentar um crescimento mais acelerado.
O nosso estudo tem três grandes conclusões. A primeira conclusão é que o investimento em infraestrutura do Brasil tem que dobrar na próxima década de 2% do PIB hoje para 4% do PIB para sustentar um crescimento da economia mais acelerado.
“Independente do próximo governo, o desafio é o
mesmo: aumentar investimento em infraestrutura
no Brasil para sustentar crescimento acelerado”
A segunda conclusão, isso é factível, é que não é fácil, mas outros países já fizeram isso no passado, o próprio Brasil já apresentou taxas mais elevadas de investimento em infraestrutura no passado e, portanto, achamos que é possível fazer sim.
Em terceiro lugar, para atingir esse objetivo, é preciso melhorar o ambiente de negócios no Brasil, para promover o investimento do setor privado, mas é também importante garantir no setor público a melhora das contas fiscais para garantir o maior espaço para investimento em infraestrutura.
O senhor acredita que esses investimentos ficarão a cargo da iniciativa pública ou privada, essencialmente?
Provavelmente terá que ter uma combinação dos dois. Historicamente no Brasil o investimento em infraestrutura está distribuído mais ou menos meio a meio. No investimento em geral, não só infraestrutura, que também é baixo no Brasil – o número médio nos últimos anos é perto de 17% do PIB, bem abaixo da média dos mercados emergentes –, o setor privado tem uma participação de investimento muito maior que a do setor público.
Agora, no investimento em infraestrutura em particular, que são projetos de longuíssimo prazo, o papel do setor público é relativamente bem maior.
Então, olhando para frente, será necessária uma combinação de maior investimento tanto pelo setor privado, quanto pelo setor público.
Tendo em vista essa menor participação do setor privado em relação ao público nos investimentos de infraestrutura, o senhor acredita em reformas que possibilitem um aumento da participação do setor privado?
Sim, há várias reformas que podem contribuir, facilitar e possibilitar uma maior participação do setor público e uma maior participação do setor privado. No setor privado, eu diria que as reformas microeconômicas, que melhoram o ambiente de negócios, são fundamentais. Para dar um exemplo, em uma pesquisa conduzida pelo Banco Mundial sobre ambientes de negócios ao redor do mundo, o Brasil tem uma classificação ruim. No que se refere, por exemplo, ao número de horas que as empresas gastam para preencher os formulários de impostos, o Brasil está em último lugar.
Então, melhorar essa questão da carga tributária, melhorar a questão da complexidade do sistema tributário no Brasil, melhorar a questão do marco regulatório das incertezas jurídicas, tudo isso é importante para promover um ambiente que facilite o investimento do setor privado em infraestrutura.
E no setor público? Os investimentos financiados pelo BNDES, principalmente, não significam um peso maior nas contas públicas brasileiras, que já dão sinais de deterioração neste ano? Esse aumento não pode acabar ofuscando o avanço do investimento em infraestrutura?
No setor público, eu acho que os desafios são três. Em primeiro lugar, é preciso repensar as prioridades de gastos no Brasil. O Brasil gasta muito e gasta mal. Uma grande parte dos gastos do Governo Federal, por exemplo, são gastos com folha de pagamento e gastos com previdência. Os gastos com investimento são pequenos; eles representam apenas 6% dos gastos do Governo Federal. É um número baixo. Então, repensar as prioridades através, por exemplo, da reforma previdenciária, cortando os gastos da folha de pagamento, é importante para abrir espaço para redirecionar os gastos para um maior investimento.
“O Brasil gasta muito e gasta mal”
O desafio número dois é conter a carga tributária. A carga tributária no Brasil é elevada para padrões internacionais, vem crescendo nos últimos anos e essa combinação de carga crescente com gastos crescentes não é sustentável indefinidamente.
Em terceiro lugar, é importante melhorar a própria estrutura fiscal do Brasil, que nos últimos tempos tem se tornado menos transparente. Os financiamentos via BNDES tendem a ser mais opacos, não são explicitados no Orçamento Público, não são aprovados pelo Congresso. Quando o Tesouro emite dívida, pega esses recursos e disponibiliza ao BNDES, a dívida bruta do Brasil cresce, porque afinal de contas o Tesouro emitiu dívida. Entretanto, a chamada dívida líquida não muda, porque o Tesouro diz que tem uma dívida maior, mas ele tem também por outro lado um ativo contra o BNDES. Portanto, a dívida líquida, que é o que os analistas mais olham, não muda, mas a situação fiscal do país acaba ficando mais frágil.
Então, acho importante também repensar o papel do BNDES por pelo menos duas razões: macro e microeconômica. Macroeconomicamente, é importante aumentar a transparência das contas no Brasil e microeconomicamente é importante desenvolver o mercado privado de capitais no Brasil além apenas do BNDES, que hoje ainda permanece sendo o principal provedor de recursos de longo prazo.
O aumento no nível de investimento será suficiente para sanar gargalos? Em quais áreas?
Quando eu falo em dobrar o nível de investimento no Brasil de 2% do PIB para 4% do PIB, é claro que isso tem uma nuance, não é a mesma situação para os vários setores dentro da infraestrutura. Por exemplo, os setores de energia elétrica e telecomunicações estão relativamente bem posicionados. Os investimentos nessas áreas são mais no sentido de manutenção do que propriamente tentar recuperar o terreno perdido.
Por outro lado, setores de logística, como transporte, rodovias, ferrovias, aeroportos e portos estão claramente necessitando de grandes investimentos nos próximos anos. Nas várias comparações internacionais, é nesses setores que o Brasil está mais atrasado.
Então, sim, temos que investir em infraestrutura em geral no Brasil, mas em particular nesses setores de logística.