Omissão dos debates travados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) na publicação do acórdão, valoração de mesmos fatos para o cálculo das penas e falhas na aplicação delas são alguns dos argumentos usados pelos advogados dos réus do processo do mensalão nos recursos apresentados ao órgão, cujo prazo se esgotou ontem. A primeira estratégia é tentar anular a publicação do acórdão, de 8.405 páginas – realizada no dia 23. Com essa medida, as defesas ganhariam mais tempo, com a abertura de novo prazo para a apresentação das alegações. O segundo passo é tentar reverter a condenação ou pelo menos reduzir a pena aplicada pelo Judiciário.
Para tentar reverter a condenação a mais de 25 anos de prisão pela prática de quatro crimes, o publicitário Cristiano Paz é um dos que vão tentar anular o acórdão pelo fato de ele não ter sido publicado na íntegra. Segundo o advogado dele, Castellar Guimarães Neto, foram suprimidos da publicação vários trechos considerados essenciais para a defesa. Entre eles, a análise das provas apresentadas durante o julgamento. Um exemplo é o trecho em que o relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, afirma ter deixado de analisar provas apresentadas nos autos porque se tratavam de documentos xerocados e não originais.
“Apresentamos uma vasta documentação comprovando que a SMP&B (extinta agência de publicidade da qual Cristiano Paz era sócio) prestou serviços à Câmara dos Deputados. O Ministério Público não arguiu a veracidade desses documentos”, explicou o advogado, para quem uma análise completa das provas poderia resultar na absolvição de seu cliente. Caso não seja revertida a condenação, a defesa pede a revisão da pena imposta a Cristiano Paz. O argumento é de que algumas das chamadas “circunstâncias judiciais negativas” foram aplicadas duas vezes, o que é vedado na legislação processual brasileira. Como a defesa não reconhece nem mesmo a existência dessas circunstâncias, é pedido que seja aplicada a pena mínima para cada um dos crimes pelos quais Paz foi condenado.
Os condenados do chamado “núcleo financeiro” apresentaram ontem as defesas e argumentaram que eles são “primários, têm boas condutas e não foram acusados de corrupção ou desvio de recursos públicos”, que é o tema central da ação penal do mensalão. Em um embargo de declaração de 64 páginas, a defesa da ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabelo aponta reiteradas valorações dos mesmos fatos para enquadramento legal e cálculo da pena de quase 17 anos imposta a ela. Kátia foi condenada por gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha. “A condenação por gestão fraudulenta está relacionada a fraudes que teriam sido praticadas para simular concessões, e posteriores renovações de três operações de créditos efetuadas pelo Rural. Após a condenação por gestão fraudulenta, as supostas simulações dos empréstimos são novamente valoradas como etapas de crime de lavagem de capitais”, cita o advogado José Carlos Dias, no recurso.
Na classificação da pena de evasão de divisas, que rendeu a ela uma sentença de quatro anos e sete meses, o voto do relator Joaquim Barbosa presumiu fatos que não foram comprovados, segundo Dias. Ele destacou que a ministra Rosa Weber, vencida na votação, afirmou que não foi suficientemente caracterizada a responsabilidade criminal dos dirigentes da instituição. A defesa alega, por exemplo, que foi omitido do acórdão qual seria o sistema usado pelo banco para as supostas remessas e que justificassem a condenação. José Carlos Dias ressaltou ainda que a metodologia usada pelos ministros na votação da dosimetria das penas foi de “difícil compreensão”.
O ex-executivo do Banco Rural Vinícius Samarane conta com a supressão de manifestações dos ministros na publicação do acórdão para tentar se livrar da pena de mais de 8 anos. Segundo o advogado Maurício de Oliveira Campos Júnior, um exemplo diz respeito a falas do ministro Celso de Mello, que não foram publicadas no acórdão. “Isso trouxe enorme prejuízo para a compreensão da fundamentação da decisão, seja para o fim jurídico processual a que serve a publicação de acórdãos, seja para fins históricos”, afirmou. O recurso questiona também o critério adotado para elevar em dois terços a pena de Samarane, pois foram usadas jurisprudências sobre crimes de atentado violento ao pudor contra menores e homicídio. “Não se pode usar o mesmo critério em crimes de natureza tão diversa, igualando seis saques a crimes reiterados de homicídio”, argumentou.
Obscuridades
O ex-presidente do Banco Rural José Roberto Salgado teve o recurso apresentado ontem pelo ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. No documento de 143 páginas, o advogado apontou deficiências que justificariam a absolvição do cliente, condenado pelos crimes de gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha a uma pena de 16 anos e 8 meses. “É uma pena elevadíssima e injusta, de quase 17 anos de reclusão. Identificamos no acórdão várias obscuridades, omissões e contradições que precisam ser sanadas, o que deve conduzir à revisão da dosimetria aplicada e à consequente redução da pena”, alega o advogado.
Entre os argumentos usados está a aplicação de mesmos fatos nas acusações de gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O advogado destacou também que até abril de 2004 José Roberto Salgado atuava, exclusivamente, na área internacional e de câmbio do banco. Não concedeu qualquer dos empréstimos citados no processo e não figurou em nenhuma das operações que o STF considerou típicas em relação à evasão de divisas. Apenas cinco dos 46 saques que a acusação vincula ao esquema de lavagem de dinheiro ocorreram depois de ele ter assumido a vice-presidência da instituição.
Apontado como o operador do esquema conhecido como mensalão, o empresário Marcos Valério entrou com um recurso de 53 páginas anteontem, em que é pedido que a punição seja revista em razão de ele ter colaborado com o Ministério Público durante o inquérito. Também há um pedido para novo julgamento pela primeira instância da Justiça. O advogado Marcelo Leonardo também defendeu a anulação do acórdão sob o argumento de que a publicação omitiu vários pontos. O documento questiona ainda uma omissão na análise de provas e uso indevido de agravantes.