O voto do ministro Celso de Mello vai definir se deve ser suspenso ou não o artigo 2º da Emenda Constitucional 30/2000, que permitiu o pagamento de precatórios em 10 parcelas. Na sessão desta quarta-feira (10/2), o placar o julgamento se dividiu em dois a partir do voto da ministra Ellen Gracie. Ela entende que o parcelamento não é permitido para aqueles que já tinham sentença reconhecendo o crédito em 31 de dezembro de 1999. Quem teve sentença a partir dessa data, poderia receber o crédito parcelado, como previu a emenda.
Além do voto de Ellen Gracie, que suspendeu em parte o artigo questionado, quatro ministros entenderam pela sua manutenção e cinco contra. Dessa forma não se chegou a uma posição majoritária, e o ministro Cezar Peluso, no exercício da presidência, decidiu que se aguarde o voto do ministro Celso de Mello, ausente da sessão desta quarta-feira, por motivo de saúde.
Ainda não há previsão da data em que o ministro deve levar seu voto ao Plenário. Depois de se curar de uma pneumonia, o ministro passou por exames e foi constatada uma diferença na sua pressão arterial. A expectativa é que Celso de Mello volte no dia 17 de fevereiro.
Com a concessão parcial da medida cautelar, a ministra entra no grupo dos ministros que votaram com o relator contra o parcelamento: Néri da Silveira (relator), Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Cármen Lúcia. E entra também no grupo que votou contra a concessão, com o argumento de que o pedido de cautelar perdeu o objeto (já que o julgamento começou em 2002), com os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
A decisão do Supremo nesse pedido de cautelar em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidades pode indicar o posicionamento da corte no julgamento da ADI que contesta a Emenda Constitucional 62, que entrou em vigor em dezembro de 2009. Esta emenda também reformula completamente a forma de pagamento pelos devedores, permitindo o parcelamento e alterando a ordem cronológica.
A cautelar analisada nesta quarta-feira foi apresentada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela OAB. O dispositivo questionado acrescentou o artigo 78 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que autorizou o parcelamento do pagamento de precatórios pela administração pública em até 10 prestações anuais em um período de até 10 anos.
Votação
A ministra Ellen Gracie, no julgamento desta quarta-feira (10/2), observou que a atual situação dos precatórios é reflexo da instabilidade econômica por que passou o país, que hoje já não é uma realidade e permite o pagamento. Ela criticou em seu voto a iniquidade na separação dos créditos e o tratamento diversificado. Não que Ellen discorde do privilégio no recebimento de precatórios alimentares, que servem para a sobrevivência dos credores.
A ministrá Cármen Lúcia disse que é “preciso enfrentar o que chamo de verdade administrativa”. Segundo ela, o pagamento de precatórios não envolve apenas questões de ordem financeira, “é decorrente, em grande parte, de absoluta falta de responsabilidade e compromisso”.
Ela entende ainda que criar o parcelamento interfere na eficácia da coisa julgada. “Acesso à Justiça não é acesso ao Poder Judiciário. É poder ir ao Judiciário, ter um julgamento em tempo razoável e ver a decisão cumprida.” Cármen Lúcia contou que na década de 80 fez um levantamento no Sudeste e descobriu que o pagamento de precatórios por desapropriação levava de 10 a 12 anos.
O ministro Dias Toffoli disse que o periculum in mora alegado no pedido de cautelar perdeu o objeto. “Não estão presentes os requisitos para a concessão da cautelar”, votou, no mesmo sentido que já tinha votado em 2004, os ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa. Para Toffoli também não há violação à coisa julgada, uma vez que o pagamento de precatório é um processo administrativo, depois da decisão judicial.
Ricardo Lewandowski também votou nesse sentido e alertou: “Se dermos agora uma cautelar, vamos instalar um absoluto caos. O credor pode acionar a Fazenda Pública e cobrar tudo retroativamente”. O ministro Cezar Peluso disse que o raciocínio não faz sentido.
O começo
O julgamento começou em fevereiro de 2002, sob relatoria do ministro aposentado Néri da Silveira. Na época, o relator sustentou que o dispositivo pode até não afrontar as decisões judiciais, mas tira a sua eficácia. Ele observou que o texto original da Constituição de 1988 não previu o direito de quitar obrigações de pagar a prazo os precatórios devidos.
O problema maior do artigo 78, segundo o relator, é que dentro de um universo de precatórios, foi escolhido apenas um grupo para se submeter a esse regime. Para ele, institui-se um critério ao acaso, aplicado aos precatórios pendentes até a data da promulgação da Emenda 30, somados àqueles que ainda serão expedidos, resultados das ações ajuizadas contra o Estado até dezembro de 1999.
A Advocacia-Geral da União, à época representada por Gilmar Mendes, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal, defendeu a reforma no sistema de pagamentos dos precatórios. Ele declarou que não houve violação ao princípio do acesso à Justiça, visto que o dispositivo apenas introduziu “norma de finanças”, quando já acabada a atuação do Judiciário. Segundo ele, também não cabe invocar o princípio da isonomia quando se comporá o patrimônio do Estado e o do particular, visto que o do Estado a todos pertence e é do interesse de toda coletividade.
Gilmar argumentou que, se não tivesse sido tomada a medida do artigo 78 do ADCT, não haveria uma “programação realista” para o pagamento de precatórios, diante das dificuldades financeiras do Estado, o que seria um ônus ainda maior para coletividade, afirmando ainda que o mecanismo de intervenção federal previsto pela Constituição é um meio inadequado.
No Supremo, Gilmar Mendes não votou, já que substituiu na corte o relator original da questão, ministro Néri da Silveira.
ADI 2.356 e ADI 2.362