Tão logo se filie a um partido para disputar as eleições em 2010, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, terá pela frente três obstáculos a serem superados. O primeiro são as pressões do governo para flexibilizar a política monetária às vésperas do ano eleitoral. O segundo é manter a diretoria com a qual vem trabalhando há quatro anos. O terceiro é convencer o mercado de que, mesmo filiado a um partido e a caminho de se tornar candidato, manterá o rumo austero que imprime a essa política há quase sete anos.
A tarefa de Meirelles não será fácil. Há fissuras na diretoria do BC e é crescente no governo, segundo apurou o Valor junto a integrantes da equipe econômica e a assessores diretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a pressão para que o Comitê de Política Monetária (Copom) siga cortando a taxa básica de juros (Selic) nas próximas reuniões e para que evite que o real continue se valorizando em relação ao dólar.
Na última reunião do Copom, o BC reduziu a Selic para 8,75% ao ano e sinalizou, ao divulgar a ata da reunião, que não fará novos cortes daqui em diante. Neste momento, a inflação corrente está na meta oficial – 4,5% – e as expectativas do mercado para o próximo ano são de queda no ano fechado de 2009 e em 2010. Diante disso, os defensores da continuação do alívio monetário alegam que o BC deve continuar reduzindo os juros.
O problema desse raciocínio, na avaliação de assessores graduados é não levar em conta a defasagem no mecanismo de transmissão da política monetária – de nove meses a um ano, no caso da inflação e de seis a nove meses, no da atividade econômica. A economia está começando a acelerar, o que adiante provocará alguma pressão inflacionária, como em 2008. Expectativas do governo e do mercado apontam para um crescimento superior a 4% em 2010.
“Nos próximos dois, três meses, diante das expectativas de inflação caindo, aumentará a pressão para novos cortes de juros, especialmente, se o câmbio estiver caindo (ou o real apreciando)”, diz um economista do governo.
No passado, Meirelles foi bem-sucedido na tarefa de convencer o presidente Lula de que a apreciação do câmbio ajuda a preservar o salário real dos trabalhadores, o que, por sua vez, permite aquecer a atividade econômica. Antes da quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, o Brasil vinha crescendo a quase 7% ao ano, com a taxa de investimento liderando a expansão do PIB, mesmo com o câmbio apreciado (o dólar chegou a cair para R$ 1,50 em julho daquele ano).
“A taxa de juros dos Estados Unidos vai subir daqui até o fim do ano que vem. A reação do mercado de câmbio no Brasil vai ser clássica – o real perderá valor diante do dólar. Esse pânico de o real cair para R$ 1,50 é exagerado”, sustenta uma fonte do governo. Se a apreciação continuar, alega esse assessor, aumentará o poder de compra da população e barateará a importação de bens de capital (máquinas e equipamentos). Como a economia está voltando a crescer, a tendência, sustenta ele, são os empresários aproveitarem a oportunidade para investir.
Mesmo se filiando a um partido, Meirelles não tem interesse em derrubar os pilares da política que seguiu no BC. Ele avalia que seu capital político decorre da inflação baixa e da retomada do crescimento. Nos últimos meses, no entanto, o presidente do BC imprimiu um ritmo acelerado ao processo de corte da taxa de juros, contra a opinião dos dois diretores mais importantes da instituição – Mário Mesquita (Política Econômica) e Mário Torós (Política Monetária), ambos oriundos do mercado.
Mesquita e Torós defenderam, nas reuniões do Copom, uma redução mais lenta da taxa Selic. O problema não foi o tamanho da queda (de 13,75% para 8,75% ao ano), mas o ritmo. A divergência não chegou a indispor os dois diretores com Meirelles, mas criou no restante da diretoria – toda ela integrada por funcionários de carreira do BC – um sentimento de hostilidade em relação a Mesquita e Torós. Eles acham que falta aos dois uma “leitura mais política” da realidade econômica do país. Acreditam que eles se fiam em análises puramente técnicas.
O diálogo do BC com o Ministério da Fazenda, por sua vez, continua inexistente, segundo um integrante da equipe do ministro Guido Mantega. Para completar, Bernard Appy, o único interlocutor que os diretores do BC tinham na Fazenda, deixou o cargo na semana passada.
Em conversas com amigos, Mesquita e Torós dizem que, por enquanto, apesar do clima hostil, estão conseguindo fazer seu trabalho sem interferência política. Acham que o caso do ritmo de queda dos juros não foi suficiente para abalar a consistência do seu trabalho, mas, agora, acham que, com Meirelles se preparando para voltar à política, vão precisar de garantias para continuar atuando com autonomia. Os dois não querem sair do BC brigados, mas, se sentirem que a situação vai caminhar para um conflito permanente dentro da instituição, eles vão se antecipar e deixar os cargos.
“O Meirelles sabe que, quanto mais político ele for, mais devedor ele será da política do Lula. Para o presidente, é bom ter um Meirelles mais dócil, mais flexível na condução da política monetária”, comenta um assessor do governo.
A arte de Meirelles será compatibilizar seu momento político com o comando do BC, do qual ele não abre mão justamente por acreditar que está ali a sua plataforma de candidato. “Quando se filiar, Meirelles vai se recolher bastante para evitar críticas à sua atuação como dirigente do BC”, assegura um amigo dele.
O presidente do BC não quer que Mesquita e Torós saiam, pelo contrário, quer os dois ao seu lado até o último momento. Ele teria dificuldade para substituí-los por nomes do mercado. Além disso, a saída dos dois aumentaria a desconfiança de que 2010 reinará sobre as decisões técnicas do Copom.
Meirelles, na verdade, já começou a trabalhar para tranquilizar os diretores. Numa conversa, disse a eles que sua filiação a um partido diminuirá o ímpeto daqueles que, dentro e fora do governo, sempre trabalharam para desestabilizá-lo. A filiação seria a garantia a seus opositores de que ele, além de Torós e Mesquita, deixará o BC em março, prazo de desincompatibilização dos candidatos de 2010.
Não bastará a Meirelles, no entanto, pacificar a diretoria do BC. No mercado, sua filiação em setembro, fato que confirmará o interesse numa candidatura, ainda será testada. As curvas de juros futuros, que indicam as expectativas para a economia, mostram que o mercado prevê a elevação da Selic em 2011 e 2012. Quatro fatores, segundo avaliações de experientes analistas e de integrantes do governo, concorrem para isso.
O primeiro é que as curvas de juros estão inclinadas no mundo inteiro, portanto, não poderia ser diferente no Brasil. A segunda explicação é que a taxa de juros aqui estaria no seu patamar mínimo histórico. O terceiro aspecto é o risco pós-eleitoral – os candidatos que lideram as pesquisas da corrida presidencial são todos críticos da política econômica inaugurada por Fernando Henrique Cardoso e aperfeiçoada por Lula. O quarto fator é o risco de mudança no BC antes das eleições.
“Isso não é culpa de ninguém; é um problema do regime que não dá autonomia formal à diretoria do BC”, diz um economista do governo. Meirelles, que quer manter sua credibilidade de banqueiro central e ao mesmo tempo alçar voos na política, não tem saída: terá que lidar com a desconfiança do mercado.