Transformar o Brasil em um centro internacional de finanças, a exemplo de Londres e Nova York, é a missão de longo prazo do Brasil Investimentos e Negócios (Brain), entidade que reúne os principais players públicos e privados do mercado financeiro – como Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Bolsa, bancos. “O Brasil é seguro. Uma série de reformas econômicas foi feita e estamos preparados para receber cada vez mais investidores e também emissores de papéis aqui”, afirma o diretor da entidade, Pedro Luiz Guerra, em entrevista ao DCI.
Além de uma presença mais forte na América Latina, existem outros gargalos a serem superados, como a melhoria de alguns indicadores sociais. “Mas dentro de quinze a vinte anos podemos sonhar em transformar o Brasil em um polo financeiro de referência global”, ressalta o diretor presidente do Brain, Paulo Oliveira. “Temos crescimento econômico e baixa volatilidade nos negócios. Os problemas estão na distribuição de renda. No institucional estamos melhor que os outros BRICS. Mas o nosso pior problema é a dificuldade da empresa pagar impostos”, enfatiza Oliveira.
DCI: Como nasceu a Brain?
Pedro Luiz Guerra: A proposta da Brasil Investimentos e Negócios (Brain) nasceu do projeto Best [Brazil Excellence in Securities Transactions, na sigla em inglês], em 2004, para trazer investimentos estrangeiros ao Brasil. Na época, foi feita uma série de reformas econômicas para dar segurança e proteção aos investidores. Uma nova regulação para investimentos estrangeiros, depois veio o Sistema de Pagamentos Brasileiro [SPB], que hoje se estende ao mundo todo e dá garantia ao investidor porque ele paga e recebe o ativo automaticamente. Outra coisa que o SPB trouxe foram as clearings, as centrais de contraparte. Essa foi uma grande mudança e incentivou os investidores estrangeiros virem ao Brasil. Antes, eu perguntava ao estrangeiro: Por que você não investe no Brasil? E ele me respondia: eu invisto, compro títulos públicos na Euro clearing ou compro papéis brasileiros na Bolsa de Nova York. Evidentemente, ajudava as companhias brasileiras, mas não a todas. O acesso a Nova York era muito menor que na bolsa brasileira. O risco dos títulos brasileiros ficava por conta do investidor . Para resolver isso, foi feito um projeto, o Best, para mostrar que o Brasil havia feito as mudanças necessárias, que culminaram em 2006, com a retirada do Imposto de Renda para estrangeiros em títulos do governo. O projeto era claro: dizia venham aplicar no Brasil. Qual a vantagem disso? Trazer o mercado para cá.
DCI: Nossa Bolsa já é uma das maiores.
Guerra: É uma das maiores e continua ganhando importância. O projeto do Best é dizer que o Brasil é seguro. A outra iniciativa do Best era fazer com que o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários [CVM] também tivessem contato com o investidor estrangeiro para entender o que é demanda válida e o que não é. Mas também quebrar o mito. E isso foi um sucesso. Os investimentos se deslocaram para cá. Hoje, um terço da dívida externa do Brasil está na mão de investidores estrangeiros. As ofertas Os IPOs [Inicial Public Offering, na sigla em inglês para Oferta Inicial de Ações] na Bolsa também foram um sucesso. Mas precisamos de mais. A economia está bem, mas se virar a chave amanhã, a gente perde esse investidor. Como podemos manter tudo isso? Ser um centro financeiro, trazendo investidor e emissores de fora, de tal maneira que as coisas aconteçam aqui. Mas para ser um centro financeiro global, precisamos passar primeiro a representar a região onde estamos, por isso, a missão inicial é atender a América Latina. Atrair emissores da América Latina e investidores estrangeiros. Daí fazemos a ligação com os outros centros. Na época, surgiu o projeto Ômega. O projeto foi bancado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais [Anbima], pela Federação Brasileira de Bancos [Febraban] e pela BM&FBovespa. Naquela ocasião, contratamos uma consultoria internacional, falamos com 50 pessoas e ouvimos 50 definições diferentes. Todos eram a favor do centro financeiro no Brasil, mas cada um tinha a sua visão. A consultoria harmonizou a definição, eles já tinham dado apoio para Cingapura, Nova York e Londres. Eles tinham uma boa experiência e vieram para cá indicar o caminho. Essa foi a base do Brain, que se transformou em uma associação.
DCI: E quem dá suporte à associação?
Paulo Oliveira: Hoje, oito bancos, a BM&FBovespa, a Cetip [Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos], a Febraban e a Anbima, e entrou a Fecomércio, para ser multissetorial por essência. A Brain tem uma função externa, que é trazer o investidor, e uma função interna, que é preparar o ambiente para isso. Some a isso a importância do governo – CVM e Banco Central. Em qualquer lugar do mundo, sem o governo, a iniciativa não vai para frente. Nesse aspecto é bom ser multissetorial porque não é só o sistema financeiro falando. Estamos abertos para qualquer empresa que tenha essa visão multilatina.
Guerra: Estamos em vias de ter mais associados não-financeiros. Falamos em centro de negócios e não apenas centro financeiro, porque como centro de negócios se expande se houver mercado de capitais, que possui o investidor de um lado e o emissor do outro. O emissor está procurando custos mais baixos. Se conseguirmos baixar os custos para emissor, é o que ele precisa. E o investidor precisa de oportunidades. Por isso, falamos em centro de negócios, não só bancos, mas bancos de investimentos, o que é um pouco diferente. Quando falamos em centro de negócios, os escritórios de advocacia, as consultorias e as auditorias vão se beneficiar disso. As empresas de aviação, transportes e turismo, hotelaria vão ganhar. A indústria se beneficia com a emissão de debêntures.
DCI: Quando se fala em centro de negócios, significa atrair apenas investimento financeiro?
Guerra: Não. Estamos falando em atrair emissores e investidores. Um exemplo: atrair a indústria de private equity . Está sendo criada uma estrutura para fundos de private equity atuarem no Brasil. A nossa regulação de private equity é muito melhor que a dos Estados Unidos. Atuamos para comprar participações em empresas brasileiras. Por quê não comprar em qualquer outro lugar? Quem toma a decisão de comprar, pode comprar na América Latina inteira. Só conseguiremos ser globais se conseguirmos fazer isso na nossa região.
DCI: E o que está faltando?
Oliveira: Inicialmente, pensamos em ser um centro financeiro, mas descobrimos um pote de ouro. Uma grande oportunidade nesse momento de crise internacional e de crescimento da economia brasileira. Estamos crescendo e internacionalizando. Fizemos um levantamento, e em 2008, tínhamos 86 empresas consideradas multilatinas, com faturamento superior a US$ 500 milhões. Em 2010, fomos a 100 empresas, e o Brasil possui a maior participação. Existe um fenômeno de crescimento, mas ao mesmo tempo, não temos a tradição de Londres ou de Nova York. Esses grandes centros financeiros começaram como centros de negócios, trading. Londres e Hong Kong eram grandes centros de trading e depois a indústria financeira floresceu. Temos a oportunidade de fazer as duas coisas ao mesmo tempo. A questão da logística é importante, a integração de aeroportos, de telefonia. E claro, a regulação de comércio, como acordos de bitributação e legislação fiscal. Isso precisa melhorar, para que possamos nos integrar mais.
DCI: O financiamento de longo prazo é considerado um grande gargalo.
Guerra: O Brain surgiu porque faltava um órgão voltado a esse tipo de coisa. Existem inúmeros exemplos de países pelo mundo que deveriam ter sido centros financeiros e não foram. O Japão, por exemplo, por muito tempo a segunda maior economia do mundo e nunca foi um centro financeiro da Ásia. Perdeu essa oportunidade para Hong Kong e depois para Singapura. A maior economia da Europa é a Alemanha, que nunca foi um centro financeiro. Foi Londres. Só porque o Brasil é grande, isso não garante que será um centro. É preciso fazer isso acontecer.
Oliveira: O governo é entusiasta, mas tem gente contra, a favor, e com diferentes interesses. A legislação Soxs [Sarbanes Oxley] fez Nova York perder o primeiro lugar para Londres, uma lei americana que tem a ver com aqueles casos de fraudes contábeis da Enron e da Parmalat. E os políticos acabaram criando leis, Nova York não prestou atenção, e acabou prejudicada por isso.
DCI: O Mercosul ajuda o Brasil a expandir sua presença enquanto centro financeiro da região?
Oliveira: O Mercosul é uma ação política comercial. A nossa ação é muito mais como um centro de negócios. Quando uma empresa multilatina tem de estar aqui e lá, a integração sai dessa lógica de empresário argentino e brasileiro. No longo prazo, a integração latino-americana vai facilitar mais do que o Mercosul conseguiu até agora.
DCI: E no marco regulatório, o que precisa ser feito?
Guerra: São vários temas importantes. Temos uma comissão que olha para a tributação. Elaboramos um relatório sobre atratividade, para definir o que está atrapalhando o Brasil. O relatório diz que o Brasil precisa de sete pilares para ser um centro de negócios. Para cada um deles, nós definimos 57 indicadores internacionais, e somos capazes de nos compararmos com 13 países.
Paulo Oliveira: A comparação com os 7 centros [Estados Unidos, Japão, França, Reino Unido, Alemanha, Coreia, Hong Kong e Singapura], os BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], e na América Latina, com o México. Temos crescimento econômico e baixa volatilidade nos negócios, mas como a China, atraímos investimentos. Os problemas estão no baixo desenvolvimento humano, na distribuição de renda – que apesar ter melhorado, ainda nos coloca no último lugar dentre 13 países. No institucional estamos melhor que os outros BRICS. Mas o nosso pior problema é a dificuldade da empresa pagar impostos.
DCI: Como é feita a divulgação no exterior?
Guerra: É briga de gente grande. Tudo que conseguirmos aqui, vamos tirar mercado de alguém. Quando trouxemos os IPOs para São Paulo, tiramos de Nova York. O maior reconhecimento disso foi a Bolsa de Nova York querer pagar um dia antes no IPO da Petrobras [em 2010], tivemos que correr aqui para fazer o mesmo. Eles tentaram passar uma rasteira, para dizer que eles eram mais eficientes. Ou seja, eles sentiram. Há 10 anos atrás, eles nem queriam saber do Brasil.
DCI: O custo de IPO, caro no Brasil, pode cair?
Oliveira: A abertura de capital é mais barata que nos Estados Unidos. Quanto ao custo de negociação, transação e custódia, no Brasil isso é tudo junto. Lá, era separado, a Bolsa só cobra a transação, o broker cobra a liquidação e a clearing cobra a custódia. Antigamente, na Bovespa, a custódia era muito barata, valia R$ 6,9 por mês para a Previ [Fundo de Pensão dos Funcionários do Banco do Brasil] ou para pessoa física, não importava o volume. Para fazer a comparação de custos, foi feito um estudo e chegou-se a conclusão que o custo total aqui é mais barato que o americano.
DCI: E o custo para abrir capital ?
Oliveira: Se a companhia já possui capital aberto, o custo é baixo [aumentar o capital na Bolsa], mas para quem não está preparado para abrir capital, o custo é altíssimo. Mas não é o custo da Bolsa. É o custo da empresa. Ela terá que ter uma estrutura de Conselho, auditoria externa, governança corporativa. São custos para adequar a empresa. Mas o custo da Bolsa é mais barato.
DCI: Quantas empresas estão para abrir capital no Brasil?
Oliveira: Quando as empresas estão se preparando, elas procuram a CVM e a Bolsa, mas não quer dizer que elas vão abrir agora. Em 2010, tínhamos 40 empresas querendo abrir capital no Brasil. No mercado de capitais brasileiro, quando uma empresa abre capital, 65% do volume é feito por investidores estrangeiros. Antes de 2002, não havia o Novo Mercado. Hoje, até a associação de escoteiros da Califórnia vem para cá para comprar. O Brasil está aberto ao mercado internacional, e a maioria desse capital é estrangeiro. Quando vem uma crise mundial, o investidor estrangeiro se retrai, e a empresa não abre capital. Espera. Então, há uma fila de pelo menos umas 20 companhias para abrir capital. Outro ponto são os investimentos de private equity, fundos que compram uma participação importante numa companhia, e preparam a empresa para abrir capital. Eles colocam dinheiro em uma empresa cujo negócio pode dar certo ou dar errado.
DCI: E nesse estágio é possível atingir milhares de empresas?
Oliveira: Literalmente são milhares de empresas brasileiras com condições de acessar o mercado de capitais. No mercado americano que está super desenvolvido, uma empresa em ínicio de operação consegue fazer IPO com US$ 5 milhões, um negócio muito pequeno, mas que precisa de dinheiro. No Brasil, só se fala de IPO de centenas de milhões de dólares. Nós ainda não temos liquidez para pegar um IPO de US$ 20 milhões. Entre US$ 300 milhões e US$ 500 milhões é a média do mercado brasileiro, temos que baixar isso para um nível, de pelo menos, US$ 100 milhões. Com esse valor, são alcançadas milhares de empresas, não dezenas de milhares.