Dinheiro aplicado no exterior fora do alcance do Leão está com os dias contados. No fim de outubro, 51 países assinaram um tratado da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de troca automática de informações a ser implementado até 2017, o que significa que eles vão revelar uns aos outros por onde anda o dinheiro de seus contribuintes. O Brasil não fez parte do grupo, mas já havia assinado em 23 de setembro um tratado de intercâmbio de informações tributárias com os Estados Unidos, o Foreign Account Tax Compliance Act (Fatca). Aos poucos se forma um “big brother” fiscal, em que, não importa onde o dinheiro estiver, haverá um foco sobre ele.
No Brasil, a expectativa da troca automática de informações somou-se aos anseios em torno da aprovação da Medida Provisória nº 627, que virou lei neste ano. Os artigos referentes à tributação da pessoa física ficaram de fora do texto final, que se concentrou nas companhias, mas ficou a expectativa de que as chamadas “offshores”, empresas tradicionalmente montadas por brasileiros para investir no exterior, percam a vantagem de postergar o pagamento de imposto de renda para o momento em que o recurso passar da pessoa jurídica para a física, passando a ter que apurar o lucro e pagar tributos periodicamente. Nesse contexto, os fundos de investimento passariam a ser mais atraentes do que a estrutura offshore, do ponto de vista fiscal.
As maiores consultorias do mundo estão em busca das estruturas alternativas para atender à demanda do brasileiro preocupado com as novas regras tributárias e o caminho para a transparência. “Dois anos atrás, eu tinha provavelmente um cliente ligando do Brasil a cada trimestre. Agora eu tenho um cliente ligando por semana”, diz Nilton Constantino, diretor da consultoria global KPMG em Luxemburgo, país que reúne 149 bancos de 27 países e tem € 300 bilhões sob gestão no private banking, o equivalente a 6% do segmento no mundo.
Como as regras ainda não estão bem definidas, Constantino diz que muitos clientes vivem a fase de busca de informações, para colocar algo em prática quando necessário. Para ele, os brasileiros vão ter de optar entre repatriar ativos ou mudar a estrutura por meio da qual estão acostumados a investir fora.
No primeiro caso, para os que não declaravam os recursos no Brasil, as experiências internacionais apontam para um período de anistia, uma janela temporal em que o dinheiro poderá ser repatriado sem multa ou com punições brandas, situação vista como a mais provável pelos especialistas, dado o momento fiscal do país e a necessidade de arrecadação.
Para as famílias que querem manter o dinheiro no exterior, Constantino tem montado em Luxemburgo os chamados SIFs (Specialized Investment Funds, na sigla em inglês), semelhantes ao fundo exclusivo brasileiro, de um único cotista. Somente nos últimos dois meses, segundo ele, a KPMG estruturou SIFs para 12 famílias brasileiras de alto patrimônio.
O valor mínimo para criar esse tipo de estrutura é de € 1,25 milhão e há uma taxa anual de 0,01%, além dos custos com serviços como auditoria. É preciso calcular se a estrutura compensa para patrimônios pequenos.
“O problema de Luxemburgo é o custo. Como o país é mais regulado, o custo às vezes é três vezes mais alto do que em Cayman, BVI [Ilhas Virgens Britânicas] e Bahamas. Dependendo do patrimônio, você não consegue estruturar”, diz Francine Balbina, diretora-executiva da DMS Offshore Investment Services, empresa especializada em governança de fundos. Por outro lado, diz Francine, tem contribuído para Luxemburgo o fato de o país não constar na lista brasileira de paraísos fiscais.
É pelo custo baixo que, até o momento, os brasileiros que investem fora o fazem em geral via empresas em paraísos fiscais, mas a expectativa de gestores de patrimônio e escritórios de direito no Brasil é que as mudanças nas regras empurrem esses clientes para alternativas mais regulamentadas e, assim, mais caras.
“A estruturas têm que ter propósito, não ser um veículo só de passagem”, diz Francine, responsável por assessorar no Brasil investidores interessados em alocar recursos no exterior. Cada vez mais, veículos no meio do caminho, como “fundos que não são bem fundos”, aponta, devem perder espaço. “Se não tem auditoria, não tem administração, não é fundo. E a Receita Federal sabe disso”, afirma Francine, ressaltando que, por conta da MP 627, cresceu muito a demanda por constituir fundos no lugar de empresas para investir fora.
Para evitar que a regulamentação adicional torne os custos impeditivos, algumas empresas, como a DMS, têm montado plataformas sob as quais são estruturados vários fundos exclusivos. Nesses casos, o cliente tem que se conformar com os prestadores de serviços escolhidos pela casa, para que, contratados conjuntamente, dado o volume maior, os preços sejam reduzidos.
“Cayman tem uma pecha de lugar menos regulado”, diz João Santos, líder da área de gestão de ativos da consultoria PWC no Brasil, considerando que a maior parte dos clientes de alto patrimônio brasileiros ainda monta estruturas na ilha britânica para investir no exterior. Também a região, segundo ele, tem evoluído para um ambiente mais regulado e de troca de informações. “As estruturas de Cayman têm sido reforçadas e o gap de preço em relação a outros países tende a ser cada vez menor”, afirma.
Se algo na linha da MPº 627 vingar no país, Santos também acredita que haverá um caminho para estruturas de investimento mais complexas. Há uma divergência entre consultores e escritórios de direito se mesmo fundos não poderiam ser alvo de novas regras de tributação, já que fora do Brasil eles são, em geral, companhias, não condomínios sem estrutura jurídica como no Brasil. O entendimento da PWC, segundo Santos, é de que os fundos não seriam afetados, porque claramente não são subsidiárias.
Seja como for, é importante ter em conta que as estruturas de investimento vão estar cada vez mais sob os olhos da autoridade tributária do país de origem. E não é preciso estar sob suspeita para isso. Os acordos internacionais têm migrado dos já existentes envios de informação sob demanda, quando há uma desconfiança sobre evasão fiscal, para acordos de troca automática, em que um país repassa todos os dados tributários de seus investidores aos países de origem.
Até que nível vai chegar essa troca de informações não é um consenso entre os especialistas. Alain Hondequin, secretário-geral da Associação de Bancos e Banqueiros de Luxemburgo (ABBL), defende que os acordos entre países não devem ser vistos como o fim da confidencialidade em gestão de patrimônio. “Segredo bancário ainda existe. Não existe mais segredo tributário, o que é diferente”, defende.
Nada muda para os investidores que pagam impostos corretamente e declaram em seus países de origem. “A transparência que está sendo criada é a de impostos, mas é importante notar que, para muitas pessoas, não é só essa a confidencialidade necessária”, diz também Nicolas Mackel, diretor-executivo da Luxembourg for Finance, entidade público-privada que reúne o governo e instituições financeiras de Luxemburgo. Às vezes, diz, o cliente quer evitar que outras pessoas saibam quanto tem em patrimônio ou que essa informação se espalhe por várias instituições financeiras por razões de segurança, para evitar sequestros, por exemplo.
Pode ser que com a transparência crescente, alguns investidores queiram repatriar o dinheiro para o país de origem, diz Hondequin. A tendência, para ele, é que os clientes de mais alto patrimônio fiquem.
No caso de Luxemburgo, esse perfil já vem mudando. Os clientes com menos de € 1 milhão investidos passaram de 23,6% do total, em 2011, para 18,8%, no fim do ano passado. Enquanto isso, os com mais de € 20 milhões cresceram de 41% para 46,5%, segundos dados da ABBL e da CSSF (sigla em francês para Commission de Surveillance du Secteur Financier), órgão regulador do mercado financeiro local.