Em resposta ao artigo que o ex-ministro Delfim Netto publicou na quarta-feira no jornal Folha de S. Paulo, o consultor legislativo da Câmara dos Deputados Paulo César Ribeiro Lima elaborou argumentos nos quais alerta que o novo presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, pode estar tomando a decisão errada ao anunciar a reavaliação de ativos e metodologias.
Paulo César Ribeiro Lima, que foi engenheiro na Petrobras durante muitos anos, destaca que a estatal tem uma série de ativos integrados que permitem a venda, por exemplo, do óleo diesel, cujo custo de produção é baixíssimo para a companhia. “É por isso que a Petrobras é a empresa mais rentável do País. Se não fosse a Operação Lava Jato, o lucro da companhia em 2015, poderia ser de R$ 45 bilhões, o maior de sua história.”
Veja a resposta de Paulo César Ribeiro Lima:
O novo Presidente da Petrobras pode tomar o caminho errado: “Nós estamos aí reavaliando uma série de ativos e as metodologias empregadas”.
A questão do “valor real ativos” da Petrobras é muito mais complexa do que se imagina. A Petrobras tem uma série de ativos integrado que permitem a venda, por exemplo, do óleo diesel, cujo custo de produção é baixíssimo para a companhia.
Supondo-se um valor do petróleo de US$ 50, o custo de produção de um litro de diesel é de cerca de R$ 0,60, enquanto seu valor no mercado internacional é de aproximadamente R$ 1,35 por litro; o preço de realização da Petrobras é de R$ 1,56 por litro. Observa-se, então, que o custo de produção do derivado é muito menor que o preço de venda, tanto no mercado interno quanto no mercado internacional. É por isso que a Petrobras é a empresa mais rentável do País. Se não fosse a Operação Lava Jato, o lucro da companhia em 2015, poderia ser de R$ 45 bilhões, o maior de sua história.
Essa lucratividade extraordinária da Petrobras decorre, principalmente, dos seus principais “ativos”: reservatórios do Pré-Sal e do Pós-Sal, terminais, dutos, refinarias e excelente corpo técnico. E por que a Petrobras têm esses ativos? Porque ela foi monopolista integral até 1997 e voltou a ser monopolista na operação do Pré-Sal e em áreas estratégicas a partir de 2010.
No caso dos grandes reservatórios nacionais, a Petrobras opera praticamente todos. Os grandes destaques são os campos de Lula (65%), Búzios (100%) e Libra (40%), cada um com mais de 10 bilhões de barris recuperáveis. Apenas em três campos, os volumes recuperáveis da Petrobras serão da ordem de 20 bilhões de barris, considerado o percentual de participação (entre parênteses). Registre-se, que existem muitos outros campos operados pela Petrobras.
Apenas para demonstrar os privilégios da Petrobras, o Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, por meio da Resolução nº 1, de 24 de junho de 2014, aprovou a contratação direta da Petrobras para produção de volumes adicionais ao contrato de cessão onerosa. Dessa forma, a companhia tem uma posição privilegiada de produzir, sem licitação, volumes estimados, em barris equivalentes de petróleo, da ordem de:
– Búzios: 6,5 a 10 bilhões;
– Entorno de Iara: 2,5 a 4 bilhões;
– Florim: 300 a 500 milhões;
– Nordeste de Tupi: 500 a 700 milhões.
Em Búzios e em Libra, os contratos são extremamente favoráveis à Petrobras, assim como em todos os campos operados pela empresa. Na verdade, os campos petrolíferos, principalmente em águas profundas, são os grandes ativos da Petrobras.
A principal pergunta é: como esses ativos estão lançados no balanço? Pelo valor da aquisição do direito de exploração e produção, que são baixíssimos. Dessa forma, o atual patrimônio líquido da empresa é absolutamente irreal. As alavancagens financeiras divulgadas pelo mercado servem apenas para desvalorizar a Petrobras.
O principal ativo para que o custo de produção do óleo diesel seja da ordem de R$ 0,60 por litro são os grandes reservatórios, não as refinarias.
Essa posição privilegiada da Petrobras na área de exploração e produção pressupõe um compromisso da companhia em investir no refino no Brasil. Poderia até haver uma política pública que determinasse a obrigatoriedade de que produtores de petróleo refinassem um determinado percentual de sua produção no País. Isso obrigaria a se ter um cálculo integrado do retorno dos ativos.
Isso faz sentido na Noruega, por exemplo? Não, uma vez que o retorno sobre o investimento no refino é muito menor que na produção de petróleo, que o país não precisa de uma política de desenvolvimento regional e que não tem interesse em gerar grandes demandas de mão de obra, nem na construção de parques industriais poluidores.
Essa, contudo, não é a situação do Brasil, onde temos a Petrobras com grandes privilégios na produção e com monopólio real dos terminas, dutos e refinarias, o que pressupõem um compromisso da companhia com o desenvolvimento do País. Situação muito diferente da Petrobras é a do Banco do Brasil, que também é uma sociedade de economia mista, mas que compete efetivamente no mercado.
Dessa forma, é fundamental que a Petrobras e seus acionistas tenham uma visão integrada do valor e da sinergia de todos ativos da companhia, não de um ativo isolado, como, por exemplo, uma refinaria.
Analisa-se, a seguir, o caso da Refinaria de Pasadena. Com a crise financeira de 2008, as margens do refino e o valor dos ativos diminuíram. Isso levou a Petrobras a realizar baixas contábeis, denominadas impairments, que totalizaram US$ 530 milhões, sendo US$ 160 milhões em 2008, US$ 147 milhões em 2009 e US$ 223 milhões em 2012. Essas baixas decorreram da avaliação do valor de mercado do ativo.
No caso do complexo de Pasadena no Texas, que inclui uma refinaria com capacidade de 100 mil barris por dia e uma comercializadora, fornece gasolina e diesel para o exigente mercado americano e está localizada em uma área estratégica, a Petrobras investiu cerca de US$ 1,5 bilhão. Nesse caso, as baixas contábeis de US$ 530 milhões foram adequadas?
Qual seria, então, a baixa contábil da Refinaria Abreu e Lima, com capacidade de 230 mil barris por dia e cujos investimentos já foram de cerca de US$ 18 bilhões e novos gastos serão necessários para finalizar o segundo trem de refino?
Mesmo sendo capaz de refinar óleo pesado, será difícil chegar a um valor de mercado para a Refinaria Abreu e Lima superior a US$ 6 bilhões pelas metodologias convencionais, o que resultaria em uma baixa contábil de US$ 12 bilhões. No entanto, o superfaturamento da refinaria, que inclui eventuais propinas, foi da ordem de US$ 4 bilhões. Ou seja, pelos “critérios de mercado” poderia haver uma baixa contábil três vezes maior que o superfaturamento.
Se for computado o “valor integrado dos ativos” (reservatório de Marlim, navio de transporte, dutos, Terminal Suape, Refinaria Abreu e Lima etc), pode concluir que não há necessidade de nenhuma baixa contábil. Muito pelo contrário, pode-se concluir que esse conjunto de “ativos” está subavaliado, uma vez que os derivados produzidos terão um custo muito menor que o valor de venda, o que geraria um altíssimo valor presente líquido – VPL.
É isso que precisa ser informado à sociedade brasileira, mas não está sendo.
Delfim Netto diz na Folha de hoje: “Os portadores da opinião que o ente metafísico a que se dá o nome de mercado é divino, vêm a sua materialidade nas cotações das Bolsas. Trata-se de pura ideologia”.
Atenciosamente,
Paulo César Ribeiro Lima