O temor de hidrologistas, ambientalistas e de quem depende das águas do Velho Chico se confirmou. É o que indica o relatório divulgado hoje, Dia Mundial da Água, pela Fundação SOS Mata Atlântica. De acordo com os dados levantados pelos técnicos da Fundação, a lama da Vale que causou morte e destruição em Brumadinho em 25 de janeiro já chegou à Bacia do Rio São Francisco.
Entre os dias 8 e 14 de março, a equipe da SOS Mata Atlântica realizou novas coletas de água no rio Paraopeba até o Alto São Francisco, sendo que 9 dessas coletas aconteceram dentro do Reservatório de 3 Marias.
“A lama da Vale é visível até o meio do lago. Mas mesmo onde prevalece a cor esverdeada na superfície das águas do reservatório, encontramos a lama a dois metros de profundidade”, me disse Malu Ribeiro, coordenadora da rede das águas da Fundação SOS Mata Atlântica.
Segundo ela, foram detectadas concentrações de ferro, manganês, cromo e cobre acima dos limites máximos permitidos na legislação. “A lama deverá se dispersar ao atravessar o lago, mas os metais pesados devem seguir em frente e isso é muito preocupante”, disse Malu.
A Agência Nacional de Águas nega a chegada da lama ao reservatório de 3 Marias. Em nota, a ANA afirma que as análises feitas no rio Paraopeba não indicaram a contaminação da água pela lama da Vale. Segundo o órgão, os rejeitos da barragem da Vale em Brumadinho nem chegaram ainda na Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, que fica rio acima, a 29 Km de distância de 3 Marias.
Diz a nota da Agência: “Análise da qualidade da água do rio Paraopeba feita antes do evento de ruptura da barragem de Brumadinho já apontava níveis de contaminação, por ferro e alumínio, que mascaram a passagem da lama. Por exemplo, o rio Ribeirão das Almas, imediatamente a jusante (rio abaixo) de Retiro Baixo, lança muitos sedimentos no Paraopeba”.
Ao ser informada sobre a nota da ANA, Malu Ribeiro respondeu dizendo que as coletas de água feitas pelo SOS Mata Atlântica detectaram a presença de 4 metais diferentes ao logo de todo o rio Paraopeba até o Reservatório de 3 Marias, e que isso configura um padrão de contaminação a partir do vazamento de rejeitos de Brumadinho. Ela também disse que a cor da lama da Vale não se confunde com a turbidez natural do rio. De acordo com Malu, a turbidez natural empresta ao rio uma cor amarelada, enquanto que a pluma de lama da Vale – por conta do ferro e do manganês – tem cor de ferrugem.
É evidente que essa questão precisa ser devidamente esclarecida, com pareceres técnicos definitivos, para que não haja qualquer dúvida sobre a eventual contaminação do São Francisco por metais pesados. Estratégico para o país – especialmente para a região Nordeste – o Velho Chico vem se ressentindo de múltiplas agressões (destruição de nascentes, desmatamentos, assoreamento, lançamento indiscriminado de esgotos domésticos e industriais, etc.) que já ameaçam sua resiliência.
Uma metodologia inédita no mundo para contabilizar o volume de lixo lançado nas águas dos rios e no litoral está sendo lançada nesta sexta (22) no Brasil. A ferramenta foi desenvolvida pela Abrelpe (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), ISWA (International Solid Waste Association), Agência Ambiental da Suécia e Prefeitura de Santos.
Santos, no litoral paulista, foi a primeira cidade mapeada. De acordo com o estudo, são lançadas a cada dia por lá 60 toneladas de resíduos no mar, principalmente plásticos (85%). Isso equivale à produção diária de lixo de uma cidade com 65 mil habitantes. A grande vantagem desse levantamento é identificar as principais fontes geradoras desses resíduos e, assim, poder melhorar os sistemas de coleta. No caso de Santos, os resíduos tem origem nas comunidades situadas em palafitas, nos canais de drenagem que atravessam a cidade, e na faixa de areia da orla.
A conta fica ainda mais salgada quando se estima o que se joga de lixo nos rios e no litoral em todo o Brasil. De acordo com os pesquisadores, esse número ultrapassa os 2 milhões de toneladas por ano. Isso equivale ao lixo coletado durante 10 dias em todo território nacional, que seriam suficientes para encher 30 estádios do Maracanã da base até o topo. E o plástico – como disse – é o gênero de resíduo mais presente nesse estudo.
Dias atrás, um estudo do WWF (Fundo Mundial para a Natureza) mediu a quantidade de lixo plástico produzida por 200 países. O Brasil apareceu em 4° lugar (11,3 milhões de ton/ano), atrás de Estados Unidos (70,7 milhões de ton/ano), China (54,7 ton/ano) e Índia (19,3 ton/ano). Apenas 1,2% de todo o plástico produzido no Brasil seria reciclado, quando a média mundial é de aproximadamente 9%.
Os organizadores do estudo do WWF manifestaram preocupação com o ritmo de produção e descarte de plásticos no planeta. Segundo eles, “aproximadamente metade de todos os produtos plásticos que poluem o mundo hoje foram criados após 2000. Este problema tem apenas algumas décadas e, ainda assim, 75% de todo o plástico já produzido já foi descartado.”
Não há substituto para a água limpa, um recurso finito que vem se tornando cada vez escasso e caro. O Dia Mundial da Água foi criado em 1993 pela ONU para que o debate em torno da proteção dos recursos hídricos pudesse alcançar a humanidade inteira.
Infelizmente, o Brasil parece estar perdendo a guerra contra a poluição e o desperdício. Em pleno século XXI, 35 milhões de brasileiros não têm acesso regular à água potável, e quase 100 milhões não têm acesso à rede de esgoto. Embora sejamos a nação que reúne o maior estoque de água doce do mundo (12%), nos esquecemos de que a maior parte dessa água encontra-se disponível na bacia do Rio Amazonas, na região Norte, que concentra pouco mais de 15% da população brasileira.
No resto do país, a disponibilidade hídrica inspira cuidados, competência técnica e senso de urgência para evitar episódios de desabastecimento. Um dos maiores hidrologistas do país, Aldo Rebouças, da USP, já falecido, me disse certa vez em uma entrevista algo que ajuda a entender a realidade do Brasil quando o assunto é água: “Os países hoje em dia são avaliados pela forma como sabem usar a água, e não pelo que têm de água. Porque é mais importante hoje saber usar a água do que ostentar a abundância”.