O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento de Apelo em Mandado de Segurança decidiu que precatórios devidos pelo IPERGS, podem compensar dívida do ICMS das empresas devedoras do Estado do Rio Grande do Sul.
O Ilustre Julgador, Dês. Relato Carlos Roberto Lofego Canibal, usou por bem a letra crua da lei para embasar sua decisão. Basicamente, defendeu que a luz do artigo 170 do Código Tributário Nacional, a autorização para compensação é expressa e que, eventual negativa de compensação somente poderia se dar por apego a filigranas subjetivas de quem aprecia os pedidos.
A impossibilidade da dita compensação só traz benefícios à “cadeia credora” do Estado que, diga-se, insiste na utilização de estratagemas escapistas para se eximir de obrigações. Isso que, no caso, são alimentares !
A impossibilidade usurparia dos credores do IPERGS a única forma de se ressarcir de algo, muitas vezes, há muito declarada líquida pela justiça.
Curiosa é a resistência do Estado em resistir ante a compensação. Pois, a luz do bom senso universal, isso só pode trazer vantagens ao Estado. Claro que falamos de um Estado motivado a cumprir sua função junto a sociedade. Mas ao que parece, o calote estatal só pode ser travado coercitivamente.
O que se lamenta, pois a compensação deveria ser albergada já pela via administrativa. Sob pena do própria Estado contribuir para o sem número de demandas “dispensáveis” que hoje assoberbam o Judiciário.
A retórica acerca do assunto já é maculada pelo excesso de redundantes obviedades, como se vê, tanto o é que o STF já saneou o assunto, vejamos:
DECISÃO: Discute-se no presente recurso extraordinário o reconhecimento do direito à utilização de precatório, cedido por terceiro e oriundo de autarquia previdenciária do Estado-membro, para pagamento de tributos estaduais à Fazenda Pública.
2. O acordão recorrido entendeu não ser possível a compensação por não se confundirem o credor do débito fiscal — Estado do Rio Grande do Sul — e o devedor do crédito oponível — a autarquia previdenciária.
3. O fato de o devedor ser diverso do credor não é relevante, vez que ambos integram a Fazenda Pública do mesmo ente federado [Lei n. 6.830/80]. Além disso, a Constituição do Brasil não impôs limitações aos institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo resulta da própria lei
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Análise da recente decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da possibilidade de tramitação da ação penal antes do encerramento do procedimento administrativo. Desde o julgamento do HC 81.611[1], o Supremo Tribunal Federal havia firmado o posicionamento no sentido de que, em se tratando de crimes tributários, há a necessidade de exaurimento da esfera administrativa para que o Ministério Público possa ingressar com a Ação Penal, sendo esta condição objetiva de punibilidade. Todavia, em recente decisão[2], o STF permitiu o prosseguimento de inquérito policial, mesmo antes da decisão definitiva no processo administrativo. A controvérsia aqui cinge-se à adequação típica do delito econômico praticado. O entendimento adotado pelo Supremo no sentido de ser necessário o encerramento do processo administrativo para que possa ser intentada a Ação Penal serve para os chamados crimes materiais, e, na esteira da recente decisão proferida, em se tratando de crimes formais, seria desnecessária a conclusão do procedimento administrativo para que se configure a justa causa necessária à persecução criminal, conforme analisaremos a seguir. O art. 1º da Lei 8.137/90[3] trata a sonegação fiscal como crime material, sendo necessária para a consumação do delito a lesão ao erário, situação que só ocorrerá quando o tributo for efetivamente suprimido ou reduzido ilicitamente.[4] É nesse contexto que surge a necessidade de exaurimento da esfera administrativa para a propositura da Ação Penal, uma vez que só é produzido o resultado jurídico quando ocorre a efetiva constituição do crédito tributário. Desta forma, esse novo tipo de tutela penal fica inevitavelmente vinculado ao direito administrativo, pois o tipo penal previsto no art. 1º da Lei 8.137/90 é considerado crime material que exige a produção de resultado, qual seja, a redução ou supressão do tributo. Não configurado o resultado, e, portanto, diante de ausência de lesão ao bem jurídico tutelado, o fato é atípico, pois não há prova da materialidade.[5] Ademais, cumpre mencionar que é direito subjetivo do contribuinte ter a punibilidade extinta em razão do pagamento do tributo devido, em qualquer fase processual. Ocorre que só com a constituição efetiva do crédito tributário, constituição esta que ocorre apenas no final do processo administrativo, é que pode haver o justo pagamento por parte do contribuinte. Assim, a propositura da Ação Penal antes da conclusão do procedimento administrativo, com a definitiva constituição do crédito tributário, obstaculiza o direito fundamental ao devido processo administrativo[6], pois recairá sobre esta alternativa, a ameaça de responder a um processo criminal.[7] A referida situação comprova a absolutamente questionável utilização do direito penal como instrumento de cobrança, com uma política criminal de caráter arrecadatório no que diz respeito à sonegação fiscal. Ora, nem no âmbito civil é permitido ao Fisco cobrar dívida tributária sem antes ter apurado seu valor administrativamente, razão pela qual, não se pode admitir que a cobrança de um tributo seja feita indiretamente via ameaça do direito penal, tampouco que se ingresse com a persecução criminal antes da constituição definitiva do crédito tributário, tarefa que, aliás, é privativa da autoridade administrativa.[8] Assim, enquanto não constituído do crédito tributário, o delito não possui materialidade, e, portanto, é atípico, sendo que a conseqüência processual é a falta de uma das condições da Ação Penal, qual seja, a justa causa.[9] É nesse sentido o atual e acertado entendimento do Supremo Tribunal Federal, que orienta a atual jurisprudência no país[10], para os delitos do art. 1º da Lei 8.137/90, por se tratarem de crimes materiais. Todavia, em relação aos crimes formais previstos no art. 2º da lei 8.137/90[11], o recente julgamento da Corte Suprema foi no sentido de que, uma vez que estes crimes independem do resultado naturalístico de auferição de vantagem ilícita em desfavor do Fisco, bastando a omissão de informações ou a prestação de declaração falsa, não sendo demandada a efetiva percepção material do ardil aplicado, a conclusão do procedimento administrativo é dispensável para configurar a justa causa que legitima a Ação Penal.[12] Em realidade, o Supremo não alterou o entendimento em relação aos crimes contra a ordem tributária, pois esta pacificada orientação era com relação aos crimes materiais descritos no art. 1º da Lei 8.137/90. A recente decisão que permitiu o prosseguimento do inquérito policial mesmo antes da finalização do procedimento administrativo serve apenas para os chamados crimes formais descritos no art. 2º da Lei 8.137/90, pois, conforme a fundamentação do relator, estes delitos não dependem da auferição da vantagem ilícita em desfavor do Fisco, sendo elementar do tipo penal apenas a conduta, como a de omissão de informações ou prestação de declaração falsa, independente do resultado. Portanto, cumpre mencionar que não houve mudança no entendimento do STF, que mantém o posicionamento no sentido que ser imprescindível a conclusão do processo administrativo para que haja justa causa para a persecução criminal. É coerente a fundamentação do Supremo. Uma vez que no caso dos crimes materiais a tipicidade do delito só se configura com o resultado, e, sendo o resultado necessariamente auferido em procedimento administrativo com a constituição do crédito tributário, não há justa causa para a persecução penal por ser o fato atípico. Já em relação aos crimes formais, a consumação se dá com a simples conduta da omissão ou falsidade, independente de lesão ao erário, portanto, não haveria óbice no oferecimento de ação penal. Para a doutrina clássica, a tipificação das condutas pode se valer da exigência de um resultado determinado, no caso dos crimes materiais, ou da simples individualização da conduta mediante um verbo em que a própria ação se torna inseparável do resultado, no caso dos crimes formais.[13] No caso dos crimes contra a ordem tributária, a questão é bastante polêmica. Para Miguel Reale Junior, mesmo os crimes tipificados no art. 2º da Lei 8.137/90 têm obrigatoriamente como pressuposto a existência de uma obrigação tributária, e, portanto, o entendimento do STF no sentido de que é necessário o prévio procedimento administrativo, também se aplica a essas condutas, pois para o autor, no caso, por exemplo, do art. 2º, II da referida legislação, é evidente que não pode haver o crime tributário se não ocorrer o pagamento de um tributo que na verdade não deveria ser recolhido ou cobrado, situação esta que só se poderia averiguar durante o procedimento administrativo.[14] Por outro lado, a jurisprudência dos tribunais de segunda instância também tem sido no sentido de ser prescindível o procedimento administrativo nos casos de crimes formais, em razão da desnecessidade de resultados naturalísticos para sua consumação.[15] Nos parece que independente de se tratar de crime formal ou material, a conclusão do procedimento administrativo é sim necessária antes que se possa dar início a persecução criminal, mesmo porque, conforme mencionamos, o contribuinte tem a prerrogativa de pagar o tributo a qualquer tempo, excluindo a punibilidade. Todavia, sem adentrar nessa polêmica, talvez o ponto central da discussão vá muito além da questão da tipicidade formal ou material dos crimes econômicos, centrando-se na necessária diferenciação entre o ilícito penal e o ilícito administrativo, e na discussão acerca da real necessidade de intervenção do direito penal em questões que poderiam ser resolvidas na esfera administrativa. Se é verdade que o reconhecimento constitucional dos interesses difusos e coletivos, aliado às exigências preventivas impostas aos Estados da contemporaneidade influenciaram significativamente as políticas criminais do século XX e XXI, visando a proteção de novos bens jurídicos, também é verdade que esse reexame da escala axiológica dos bens jurídico-penais não pode marcar uma expansão desenfreada do direito penal.[16] Resta claro que vivemos uma realidade de um direito penal como primeira solução para a prevenção e resolução dos problemas sociais, o que o faz perder seu caráter subsidiário e fragmentário (ultima ratio). Por isso se faz necessária essa limitação do poder punitivo, com a finalidade de se evitar violações aos direitos fundamentais. [17] O Direito penal não pode tornar-se mais um, se não o principal meio de prevenção da sonegação fiscal. Se existem novos bens jurídicos dignos de tutela penal, e se o Direito penal torna-se o fiel escudeiro do Direito tributário no combate e prevenção dos crimes contra a ordem tributária, precisamos encontrar um equilíbrio e conciliar processualmente estas unidades de ilícito, evitando-se o ora excesso de tributarismo no Direito penal, ora o excesso de penalismo no Direito tributário. [18] [1] STF, HC 81.611/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence. DJ 13.05.2005. [2] STF, RHC 90.532-3, Relator Ministro Joaquim Barbosa. DJ 05.11.2009, publicado em 06.11.2009. [3] Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. [4] WUNDERLICH, Alexandre; ALVES, Marcelo Mayora. Desde os reclamados da doutrina até o leading case do STF: HC nº 81.611/DF e o exaurimento da esfera administrativa nos crimes tributários. IN: Ciências Penais e Sociedade Complexa. Org. Ney Fayet Junior e André Machado Maya. Porto Alegre: Editora Nuria Fabris, 2008. p. 17. [5] Idem, ibidem. p.17. [6] Art. 5º, LV da Constituição Federal. [7] WUNDERLICH, Alexandre; ALVES, Marcelo Mayora. Desde os reclamados da doutrina até o leading case do STF: HC nº 81.611/DF e o exaurimento da esfera administrativa nos crimes tributários. IN: Ciências Penais e Sociedade Complexa. Org. Ney Fayet Junior e André Machado Maya. Porto Alegre: Editora Nuria Fabris, 2008. p. 20. [8] Idem, ibidem. p. 20, 21. [9] Idem, ibidem. p. 27. [10] O Tribunal Regional Federal da 4ª Região já possui a matéria sumulada no enunciado n. 78: “A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal, concernente a crime contra a ordem tributária previsto do art. 1º da Lei 8.137/90”. [11] Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública. [12] STF, RHC 90.532-3, Relator Ministro Joaquim Barbosa. DJ 05.11.2009, publicado em 06.11.2009. Nesse sentido, foi o julgamento do HC 84.423-5/RJ, que ainda que tenha considerado a necessidade de exaurimento da via administrativa para persecução penal dos crimes materiais previstos no art. 1º da Lei 8.137/90, deferindo o trancamento da Ação Penal no ponto, declarou a impossibilidade do trancamento da Ação Penal em relação aos outros delitos imputados na denúncia, no caso, a conduta descrita do art. 288 do CP, além dos outros delitos formais e autônomos contidos na peça acusatória. [13] ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2001. p. 471. [14] REALE JÚNIOR, Miguel. Ação fiscal e extinção da punibilidade no crime tributário. Disponível em <http://www.realeadvogados.com.br/opinioes%5Cmiguel1.pdf>. Acesso em 04 nov. 2009. [15] HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE SONEGAÇÃO E APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DELITO FORMAL. O NÃO-ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA NÃO É CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE PARA A INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. PRECEDENTES DO STJ. 1. Nos crimes de sonegação e apropriação indébita previdenciária, por serem crimes formais (não exigem para sua consumação a ocorrência de resultado naturalístico, consistente em dano para a previdência, restando caracterizado com a simples supressão ou redução do desconto da contribuição), o não-esgotamento da via administrativa não é condição de procedibilidade, existindo, nesse caso, total independência das esferas administrativa e penal. 2. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 3. Ordem denegada. (STJ, 5ª Turma, HC 86783 / SP, julg. 12.2.2008, DJe 3.3.2008, Ministra Laurita Vaz). [16] WUNDERLICH, Alexandre; ALVES, Marcelo Mayora. Desde os reclamados da doutrina até o leading case do STF: HC nº 81.611/DF e o exaurimento da esfera administrativa nos crimes tributários. IN: Ciências Penais e Sociedade Complexa. Org. Ney Fayet Junior e André Machado Maya. Porto Alegre: Editora Nuria Fabris, 2008. p. 11, 12. [17] Idem, ibidem. p. 13. [18] SCHMIDT, Andrei Zenkner. Exclusão da punibilidade em crimes de sonegação fiscal. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2003. p. xvii, xviii, xix.
Ano : 2009
Autor : Dra. Adriana Brasco
O exaurimento da esfera admnistrativa nos crimes contra a ordem tributária
4. Esta Corte fixou jurisprudência na ADI n. 2851, Pleno, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 3.12.04, no sentido de que:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM DÉBITO DO ESTADO DECORRENTE DE PRECATÓRIO. C.F., art. 100, art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30, de 2002.
I. – Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de Rondônia, que autoriza a compensação de crédito tributário com débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o art. 78, ADCT/CF, introduzido pela EC 30, de 2000.
II. – ADI julgada improcedente.”
Dou provimento ao recurso extraordinário, com fundamento no disposto no art. 557, § 1º-A, do CPC. Custas ex lege. Sem honorários.
Publique-se.
Brasília, 28 de agosto de 2007.
Ministro Eros Grau
Relator –
(grifos nossos)
O STF nessa decisão, no papel de “Corte Unificadora” exalta mandamento constitucional autorizador da referida compensação. Ora, mandamentos dessa natureza não são soberanos sobre as demais leis? Que dúvida há sobre a compensação?
Em suma, a triste historia do inadimplemento do Estado em relação a esses pacientes credores (ou seus sucessores, muitas vezes) só reforça a convicção de que o precatório deve ser transformado em uma espécie de “título ao portador”. Por questão de pura justiça em nome da aplicação da legislação vigente.
Dr. Tarso Luiz Hofmeister
Advogado Executivo