Embargos de Declaração: 635.677-5/4-01
Partes: CBE Bandeirantes de Embalagens Ltda. x FESP
Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público do TJSP
Comentário:
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em julgamento de Embargos de Declaração em Agravo de Instrumento, brilhantemente decidiu que precatórios devidos pelo FESP, podem compensar dívida do ICMS das empresas devedoras do Estado de São Paulo.
O Ilustre Julgador, Dês. Relator Marrey Uint, em sua decisão afirma que a Fazenda do Estado de São Paulo “tem deixado de cumprir as condenações judiciais que determinam o pagamento de quantias pelo Poder Público, numa verdadeira afronta ao direito do credor e desrespeito ao Estado Democrático de Direito”
Segue em sua decisão afirmando que a atitude do Estado é uma afronta a Constituição Federal, e debocha das sentenças judiciais e do próprio Poder Judiciário, ressaltando que o Estado apesar de ter grande inadimplência no pagamento dos precatórios, não os aceita como forma de garantir a execução, buscando sempre outros bens com suposta maior liquidez para satisfazer logo o seu crédito.
Entendeu por fim o ilustre julgador que há uma inversão de valores nos critérios utilizados pela Administração Pública, e assim acolheu os Embargos de Declaração, mas não modificou a decisão do Agravo de Instrumento que entendeu ser possível a penhorabilidade dos precatórios pois equivalentes à dinheiro, e deferindo a nomeação mediante apresentação de certidão de objeto e pé referente à ação que originou o crédito oferecido.
Tal decisão vem de encontro com o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal que vem decidindo no sentido de reconhecer a possibilidade de compensação dos débitos através de precatórios, senão vejamos:
DECISÃO: Discute-se no presente recurso extraordinário o reconhecimento do direito à utilização de precatório, cedido por terceiro e oriundo de autarquia previdenciária do Estado-membro, para pagamento de tributos estaduais à Fazenda Pública.
2. O acordão recorrido entendeu não ser possível a compensação por não se confundirem o credor do débito fiscal — Estado do Rio Grande do Sul — e o devedor do crédito oponível — a autarquia previdenciária.
3. O fato de o devedor ser diverso do credor não é relevante, vez que ambos integram a Fazenda Pública do mesmo ente federado [Lei n. 6.830/80]. Além disso, a Constituição do Brasil não impôs limitações aos institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo resulta da própria lei
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A questão da arrecadação de tributos para custeio das atividades do Estado está presente nas principais discussões que envolvem o desenvolvimento no Brasil. O impacto dos encargos é significativo, em menos de dez anos a carga tributária em nosso país foi elevada de 25% do PIB para um percentual próximo a 40%. A tributação incorporou em seus mecanismos operacionais os conceitos de renda, lucro e valor adicionado, o que provocou o surgimento da aplicação dos conhecimentos da Contabilidade como instrumento para dar cobertura ao sistema declaratório de arrecadação. Dessa forma, as despesas suportadas pelos contribuintes com obrigações tributárias acessórias e contencioso fiscal exigem o custo adicional de 1% até 5% do nosso PIB. O que agrava ainda mais essa situação é o fato de que a pesada carga tributária incide apenas sobre uma parte do universo de contribuintes, visto que a economia informal alcança cerca de 30% de nosso produto interno. E como pano de fundo desse cenário constatamos os efeitos das mudanças tecnológicas e socioeconômicas. Desde o século XVIII, momento em que a base econômica do Brasil se alterou de puramente extrativa (pau-brasil) para produtora de bens de consumo local e cana-de-açúcar para exportação, os tributos se multiplicaram e passaram a incidir sobre quase todos os fatos econômicos de relevância. A riqueza da colônia aguçou a ganância de Portugal. As concepções administrativas aplicadas no Brasil eram inaceitáveis, autoritárias e abusivas. Esse condicionante histórico e cultural é decisivo para interpretarmos a evolução da economia até os dias de hoje. A opressão era o mecanismo fundamental de exação tributária no Brasil Colônia, tendo sido inclusive estabelecidas metas de arrecadação pela metrópole. A cobrança era terceirizada e os “contratadores” utilizavam a força e violência pública para atingirem os volumes de receita determinados. O produto da arrecadação era transferido a Portugal e o retorno aos brasileiros era insignificante. Nesse período já haviam sido instituídos mais de quarenta tipos de tributos. A postura do Fisco era meramente burocrática, de um agente de extração de excedentes econômicos. Não foi desenvolvida a compreensão de que a arrecadação de impostos depende de uma base econômica saudável, com capacidade de expansão para garantir receitas duradouras,e que não depaupere a capacidade produtiva dos contribuintes. Os contribuintes sentiam-se legitimamente autorizados a todo e qualquer comportamento que lhes garantisse a sobrevivência econômica. E, então, surgiram algumas características tributárias que perduram até hoje: a sonegação, a economia subterrânea, a corrupção e o contrabando. Esse breve panorama do sistema tributário colonial brasileiro indica que as questões a serem enfrentadas hoje são semelhantes. Conceitualmente, podemos dizer que são idênticas. O número absurdo de processos de natureza tributária em tramitação no Poder Judiciário provoca a indagação se o povo brasileiro é refratário ao pagamento de tributos, ou se estaria sendo produzida uma legislação difícil de ser praticada. A eficiência deve servir de parâmetro a indicar alternativas para o Estado promover uma arrecadação cuja intensidade não indisponibilize bens jurídicos essenciais - ao contrário, deve proporcionar um grau máximo de eficácia dos direitos fundamentais. Os fatos históricos e atuais acima referidos evidenciam o despreparo do Estado para administrar a questão da arrecadação. Essa constatação nos leva a ponderar que a soma de conhecimentos do Direito, Economia e Administração é decisiva para a conceituação dos sistemas tributários modernos, cuja atuação, ao contrário do que está acontecendo, deve considerar uma pauta de valores que a comunidade entende como desejável. Os recentes eventos no mercado mundial de valores mobiliários, com seu ápice no escândalo financeiro provocado pelo financista Bernard Madoff, demonstram a necessidade de reestruturação da economia global. Constatam-se problemas gerados pelos paraísos fiscais, pela utilização de métodos cada vez mais complexos de ‘lavagem de dinheiro’ e pelos incontroláveis fluxos de recursos internacionais entre empresas de um mesmo conglomerado global. Sofisticados mecanismos induzem os capitais a abandonarem os países onde foram gerados e buscarem taxas de retorno mais elevadas e custos tributários menos progressivos e mais baixos em qualquer ponto do globo[1]. O modelo tributário convencional considera a produção por meio de processos produtivos manuais/mecânicos, dos quais resultam bens tangíveis. As instalações físicas dessas empresas devem estar concentradas em espaços geográficos determinados, administrados em estruturas organizacionais e autônomas, submetidas às regras nacionais definidas por um Estado soberano. Entretanto, a produção tornou-se descentralizada, dispersa, terceirizada, administrada por estruturas organizacionais multipolares. Um produto oferecido através da internet, como um programa consistente em dados, por exemplo, é inatingível para as autoridades tributárias. Por mais que se editem textos legais para coordenar e controlar o comportamento dos agentes produtivos, esse instrumental normativo não consegue penetrar na essência do sistema socioeconômico. Fluxos eletrônicos, impulsos telefônicos, ondas elétricas e outras bases intangíveis devem ser consideradas na concepção dos modelos de exação de tributos. Todas essas mudanças econômicas ocorrem ao lado da evolução social, política e cultural, que contribuem para a relativização de conceitos como soberania, igualdade, legalidade, direitos subjetivos, segurança e certeza. Tudo isso ocorre à margem das estruturas jurídicas, dos mecanismos judiciais, das engrenagens institucionais, da capacidade de regulação, de gestão e de planejamento dos Estados. No contexto acima descrito o Direito positivo torna-se funcionalmente ineficaz e acaba sendo socialmente desprezado, considerado descartável. A realidade cada vez mais instável, imprevisível e complexa acaba por anular a referência normativa de nossa sociedade. A sabedoria convencional impede e dificulta a abertura de novos caminhos para superar as dificuldades, desmistificar as verdades que muitos julgam serem universais e que, como tais, necessitem de eternos guardiões. Esse é o aspecto decisivo a ser enfrentado, pois enquanto os critérios para imposição dos encargos não forem aplicados corretamente, teremos déficits de controle do Direito Tributário[2]. Isso ocorre porque o Direito Tributário não é apenas a totalidade das normas jurídicas que se ocupa com a matéria tributária. Abrange também normas jurídicas que servem direta ou indiretamente à criação, cobrança e fiscalização de tributos, isto é, normas que protegem bens jurídicos cuja disponibilidade é afetada pelo poder de tributar. A única forma de garantir uma interpretação e aplicação adequada das normas inicia com a adoção de um discurso que privilegie a estruturação racional e o detalhamento dos problemas jurídicos. Sob esta orientação o jurista deve analisar as partes do sistema e sua relação formal-lógica, mediante o esclarecimento conceitual e objetivo da linguagem do Direito, para conferir exatidão e verificabilidade aos enunciados prescritivos das normas jurídicas. Mas, é preciso ir adiante e complementar esse método com a participação subjetiva do intérprete, que vai resultar em uma inclusão de elementos que, sob a ótica analítica, não seriam jurídicos. É o caso do ônus econômico da tributação, da tributação extrafiscal, da capacidade econômica, da eficiência e praticabilidade administrativas, do planejamento tributário. Esses podem ser descritos como os efeitos concretos provenientes da aplicação das normas envolvidas. Por fim, ressalto que devemos lembrar sempre que nossa história tributária está intimamente relacionada à realidade social. Devemos ponderar que a segurança jurídica deve ser um dos princípios orientadores do ordenamento jurídico, mas não como “valor em si” e sim como a compreensão de um entrelaçamento de valores e suas diversas combinações. [1] CINTRA, Marcos. Elementos para a compreensão do Modelo Tributário Atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 28. [2] AVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo, Saraiva. 2006, p. 564.
Ano : 2009
Autor : Dr. Alfredo Fernando Zart
A Evolução da Arrecadação de Tributos no Brasil
O Escasso Poder do Estado para Administrar a Crise
A Solução para a Efetividade das Normas Jurídicas
4. Esta Corte fixou jurisprudência na ADI n. 2851, Pleno, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 3.12.04, no sentido de que:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM DÉBITO DO ESTADO DECORRENTE DE PRECATÓRIO. C.F., art. 100, art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30, de 2002.
I. – Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de Rondônia, que autoriza a compensação de crédito tributário com débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o art. 78, ADCT/CF, introduzido pela EC 30, de 2000.
II. – ADI julgada improcedente.”
Dou provimento ao recurso extraordinário, com fundamento no disposto no art. 557, § 1º-A, do CPC. Custas ex lege. Sem honorários.
Publique-se.
Brasília, 28 de agosto de 2007.
Ministro Eros Grau – Relator –
(grifos nossos)
No mesmo sentido o Ilustre doutrinador catarinense Alexandre Macedo Tavares em sua obra Compensação do Indébito Tributário, Edit. Juruá, 1ª ed., 2002, Curitiba, pág. 201, destaca que é cabível a compensação:
“Por sua vez, munidos desse documento probatório da mora da Fazenda Pública, cabe ao contribuinte pleitear administrativamente a compensação do crédito tributário com o débito emergente do precatório não depositado no prazo legal, porém, caso negada essa pretensão pela autoridade fazendária, face à inexistência do contencioso administrativo, restar-lhe-á aberta a via judicial, sendo que a demanda poderá encampar o caráter mandamental, cautelar, consignatório ou declaratório-positivo, no sentido de restarem devidamente vislumbrados os elementos ensejadores da compensação.”.
Dessa forma, diante do posicionamento maciço da doutrina e da jurisprudência em reconhecer a possibilidade de compensação dos créditos tributários através dos precatórios impagos, é de se ressaltar a legalidade de tal operação, não restando dúvidas sobre sua eficácia. Por fim, a aquisição de precatórios para a compensação dos tributos de ICMS é uma alternativa bastante viável para que as empresas possam reduzir a sua carga fiscal com lucratividade, pois nos parece óbvio que Precatório é dinheiro e paga ICMS.
Dr. André Luiz Corrêa de Oliveira